Lavagem de dinheiro

5 de agosto de 2001

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Ao participar recentemente de um seminário jurídico sobre crime organizado e trafico de drogas promovido pelo Tribunal Regional Federal da 53 Região, em Recife, o ministro Nelson Jobim, do Supremo Tribunal Federal, abordou um tema atualíssimo: Lavagem de dinheiro. No início de sua palestra, Nelson Jobim traçou um histórico da chamada “atividade delinqüencial” iniciada nos Estados Unidos por volta de 1932, com a família do mafioso Luck Luciano.

De acordo com o ministro, nessa época os americanos viviam a Lei Seca e o grupo começou a ter lucros superiores as necessidades de consumo do próprio grupo e ai o contador de Luck Luciano resolveu depositar em bancos suíços os excedentes monetários, ao mesmo tempo em que a família mafiosa organizava nos Estados Unidos empresas legais, estruturadas nos termos da lei, sem nenhuma possibilidade de ter qualquer transgressão na sua organização formal.

Como transformar dinheiro

Nelson Jobim disse que essas empresas americanas passaram a ser financiadas pelos banco suíços, onde se encontravam os depósitos da família Luciano. Ou seja, o dinheiro saía ocultamente dos Estados Unidos, era depositado nos banco suíços e depois retornava para as empresas do mafioso em forma de financiamentos legais. Foi ai que surgiu Las Vegas.

As experiências internacionais mostram extraordinárias fórmulas de transformar dinheiro ilícito em dinheiro lícito, e citou dois exemplos: a primeiro corresponde aos chamados falsos empréstimos. As narcotraficantes depositavam seus ativos financeiros em paraísos fiscais das Caraíbas, depois remetiam esses valores para bancos europeus. E faziam circular esses valores mudando constantemente de contas ate concentrar o dinheiro num banco de Liechtenstein. Aí a empresa vinculada aos narcotraficantes solicitava um empréstimo de um milhão de dólares a um banco londrino e dava em garantia do empréstimo os valores depositados no banco de Liechtenstein. Logo entrava na economia formal européia um milhão de dólares oriundos dos cofres dos bancos londrinos, enquanto ficavam nos bancos de Liechtenstein os valores oriundos do narcotráfico.

Com o empréstimo, a empresa desenvolvia na economia européia atividades de um milhão de dólares. Se essas atividades davam resultado, o que se fazia? Pagavam o empréstimo e continuavam as operações, transformando esse milhão de dólares em U$ 3,4 milhões.

Ainda dentro de sua explanação sobre lavagem de dinheiro, o ministro do STF disse que o outro exemplo diz respeito ao Judiciário.

“Em determinado momento, uma das fórmulas utilizadas, principalmente nos anos 80 e 90, foi a coisa julgada. as senhores desembargadores federais sabem que a coisa julgada e quase um mito dentro da nossa atividade jurisdicional. as narcotraficantes usaram dos nossos mitos para esse fim: os valores oriundos do narcotráfico eram depositados num paraíso fiscal. Aí a empresa dos narcotraficantes europeus faziam o lançamento de um grande empreendimento imobiliário, principal mente no Mediterrâneo, de um resort a ser construído nesse balneário, e obtinha o financiamento para as obras em um banco de Paris, com a garantia do banco de Cayman. Imediatamente após, iniciavam-se as obras, passava-se um ano de fluxo normal do financiamento de 200, 400 milhões, o banco liberava 30 milhões e rompia o contrato, após a liberação. A empresa recorria ao Judiciário francês e ajuizava uma ação de indenização civil por lucros cessantes. A ação era julgada procedente e o banco condenado a indenizar a empresa em 370 milhões de dólares, exatamente os valores que remanesciam no banco de Cayman, que já havia se articulado com o banco francês. Assim,

O banco francês pagava, depositava o dinheiro em juízo e a empresa entrava na economia formal européia com 370 milhões de dólares oriundos da execução de uma sentença condenatória civil, transitada em julgado. Ou seja, o dinheiro ilícito era lavado pela atividade judiciária francesa.

Preocupação internacional

De acordo com Nelson Jobim, o assunto passou a ser uma preocupação internacional, a partir da Convenção de Viena, em 1988. Foi exatamente nessa ocasião, relativa ao combate ao tráfico de drogas, que passamos a ter no Brasil a preocupação não só com o narcotráfico, mas com as atividades ilícitas decorrentes das atividades criminosas. E foi aí que se estabeleceu a obrigação internacional de os parses terem legislações próprias, criminalizando a isso que nós chamamos de lavagem de dinheiro.

Pelos cálculos do ministro, o Brasil levou sete anos, depois da ratificação do Tratado, para ter uma legislação específica. E logo surgiram dois problemas: primeiro, qual seria o nome do ilícito? Nós tínhamos três alternativas: a que vinha da Convenção de Viena e deu a nominação portuguesa de branqueamento de capital; a outra, era baseada na tradução do inglês, que optava não nominar o crime pelo resultado – branqueamento, lavagem –, mas sim pela atividade desenvolvida para se chegar ao resultado; é a última e isolada opção era de origem italiana, que indicava transformação, reciclagem.

O Brasil ficou com a expressão lavagem de dinheiro. Mas os juristas brasileiros acharam que o nome “lavagem” não era juridicamente recomendável.

Entretanto foi esse o termo escolhido. Em meio a tudo isso, surgiu uma outra questão: onde o Brasil deveria ancorar? Como uma legislação de primeira geração, onde o crime antecedente fosse apenas o crime do narcotráfico? Ou em segunda geração, na qual os crimes antecedentes fossem o narcotráfico e alguns delitos graves? Ou ainda em terceira geração, onde qualquer crime que produzisse dinheiro era um crime antecedente ao crime da lavagem de dinheiro?

O ministro argumentou que nos contatos feitos em tome do assunto, chegou-se na época a conclusão de que o Brasil não deveria cair no modele americano, onde qualquer crime antecedente e crime, qualquer crime e crime antecedente ao crime de lavagem de dinheiro. Para não banalizar o ilícito, que tinha como objetivo com bater a criminalidade organizada, e não a criminalidade individualizada, ou banal, porque senão teríamos a seguinte situação: o ladrão da esquina que roubasse 200 reais da confeitaria e que adiante comprasse um bem qualquer, estaria praticando o crime de lavagem de dinheiro. Deixamos isso para a receptação, para a tradição penal brasileira, e resolvemos estabelecer como crimes antecedentes ao crime de lavagem de dinheiro pela legislação, evidentemente, em primeiro lugar o tráfico de entorpecentes.

Inclui-se como crime antecedente o terrorismo.