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Lei complementar, observações

5 de outubro de 2003

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Em seu art. 59, a CF prescreve que “O processo legislativo compreende a elaboração de: I – emendas à Constituição: II – leis complementares: III – leis ordinárias IV-leis delegadas V– medidas provisórias; VI – decretos legislativos; VII – resoluções. Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis”. Em cumprimento a este, foi elaborada a LC 95/98, já alterada em vários dispositivos pela LC 107/2001.

A CF/88, a despeito de já contar com  06 Emendas Constitucionais de Revisão e 40 Emendas Constitucionais e outras várias em trâmite, prestes a serem promulgadas, quando sequer “debutou”, pois tal ocorrerá no próximo dia 05/10 é, inobstante, classificada  como rígida. “Rigidez constitucional significa imutabilidade da constituição por processos ordinários de elaboração legislativa”. Prof. José Afonso da Silva  – em “Aplicabilidade das Normas Constitucionais” RT/68, pág.3l.

Efetivamente, prescreve a mesma, em seu art.60, que tanto a proposta quanto a aprovação de emenda constitucional (EC) se submete a requisitos específicos, sendo restrita e qualificada sua iniciativa e votação, esta pressupondo dois turnos em cada Casa do Congresso Nacional, considerando-se aprovada se obtiver, em ambas, três quintos dos votos dos respectivos membros (§ 2º). Tal procedimento aplica-se para emendar a Constituição em qualquer matéria nela contida, excetuando-se as chamadas cláusulas pétreas do § 4º, que diz: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes; IV – os direitos e garantias individuais”. Logo, qualquer outra matéria, mesmo sendo típica de lei ordinária, por ser formalmente constitucional, só poderá ser modificada ou suprimida por EC, observado o devido processo legislativo. Jamais poderá sê-lo por outro veículo daqueles inscritos no rol do art. 59. Aí assenta-se, basilarmente, sua rigidez.

O legislador constituinte houve por bem em reservar a disciplina de várias matérias à lei complementar. Tal ocorre quando, expressamente o preceito magno assim o faz, exemplificativamente nos arts. 18,  § 3º; 21, IV; 49, II; 84, XXII; 93; 128, §§ 4º e 5º; 134, Parágrafo único; 142, § 1º; 146 etc. etc. Dentre as razões a determinar tal opção legislativa, encontram-se a importância das matérias e a maior segurança e estabilidade jurídicas, pois tal espécie normativa pressupõe aprovação do projeto por maioria absoluta dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, diversamente das leis ordinárias cuja aprovação requer maioria simples, desde que presente a maioria absoluta, conforme, respectivamente dispõem os arts. 69 e 47.

A natureza específica prevista na própria CF e o quorum  qualificado para sua aprovação, diferencia, basicamente, a lei complementar da ordinária.

Simetricamente, tal como ocorre com a própria CF, cuja alteração só pode ocorrer  através de EC, sendo irrelevante a natureza intrínseca da matéria, também a LC, desde que prevista no dispositivo constitucional respectivo, só deveria, como deve, ser alterada ou revogada, ainda que parcialmente (derrogação), por outra LC,  ainda que, eventualmente a mesma tenha, a  par da matéria complementar, disposto sobre matéria que não lhe seria reservada, especificamente, embora afim, necessária ou útil para lhe ensejar mais adequada e eficaz aplicação. Há jurisprudência, felizmente restrita, que chancela a legitimidade de revogação ou derrogação de preceitos de LC  por lei ordinária, desde que aqueles sejam próprios desta e por assim dizer, o legislador complementar ao discipliná-los teria invadido a competência legislativa comum, ordinária. Ainda que tal ocorra, penso que a solução simétrica apontada é a mais consentânea com a própria Carta Magna, em sua teleologia. Com efeito, é bastante subjetivo pinçar de uma LC normas que não lhes seriam próprias, isto porque, isoladamente podem até não ser mas, no seu contexto poderão fazer sentido e completar seus preceitos básicos, propiciando-lhes maior adequação; além disso, a exemplo da própria CF, não há como fazer distinção entre normas materialmente e formalmente complementares. Aquelas só alteráveis por outra LC; estas, por lei ordinária e, eventualmente, até por medida provisória. A prevalência deve ser do juízo político do legislador que, na elaboração da LC  considerou como de sua natureza todas as regras inseridas em seu texto. Penso que esta interpretação mais se coaduna, também, com o princípio da segurança jurídica, tão importante para as pessoas –naturais e jurídicas — , nas suas diversas vinculações legais, especialmente com base precípua em regras inscritas em LC, na convicção de que, para alterá-las será necessário idêntico processo legislativo que as gerou. Tal princípio, assevera o Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello “…não pode ser radicado em qualquer dispositivo constitucional específico. É, porém, da essência do próprio Direito, notadamente de um Estado Democrático de Direito, de tal sorte que faz parte do sistema constitucional como um todo”. E mais: “Ora bem, é sabido e ressabido que a ordem jurídica corresponde a um quadro normativo proposto precisamente para que as pessoas possam se orientar, sabendo, pois, de antemão, o que devem ou o que podem fazer, tendo em vista as ulteriores conseqüências imputáveis a seus atos. O Direito propõe-se a ensejar uma certa estabilidade, um mínimo de certeza na regência da vida social. Daí o chamado princípio da “segurança jurídica”, o qual, bem por isto, se não é o mais importante dentre todos os princípios gerais de Direito, é, indisputavelmente, um dos mais importantes entre eles”. “Curso de Direito Administrativo” 15ª ed. Malheiros, págs. 112/3.

Frise-se que a Lei nª 9784/99, arrola tal princípio dentre aqueles que a Administração deve obedecer – art. 2º.

Penso que o Legislador, ao alterar o direito positivo inscrito em LC, sendo indiferente o seu conteúdo intrínseco, deveria, como deve, fazê-lo observando o mesmo processo legislativo que o trouxe a lume, dentre outras, pelas singelas razões apontadas. Na seara jurisdicional sua concretização, igualmente, para nós, com todas as vênias, deveria, como deve, seguir igual norte, tudo, se mais não fosse, a bem da segurança jurídica, este princípio basilar que deve, como regra, ser sempre prestigiado, pois constitui fator de atração de investimentos externos para o nosso País, o que é de suma importância social, sabendo-se que o investidor estrangeiro é sequioso, com razão, pela observância das regras preestabelecidas, em seu conjunto.