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Lei Maria da Penha completa 18 anos com foco no aprimoramento da política de combate à violência

9 de setembro de 2024

Da Redação

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Ministro Luís Roberto Barroso, Presidente do STF

Debater e propor ações para aprimorar a Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres: este foi o objetivo da 18a edição da Jornada Lei Maria da Penha, realizada no dia em que a lei completou 18 anos de vigência. Organizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o seminário reuniu magistrados e especialistas para discutir temas sensíveis como a violência obstétrica, os desafios no fortalecimento da proteção das mulheres e o controle de convencionalidade da lei.

Durante a abertura da Jornada, realizada na Escola Classe JK Sol Nascente, em Brasília, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça, ministro Luís Roberto Barroso, destacou os números da violência contra as mulheres no Brasil, com mais de 50 mil casos diários de violência doméstica e cerca de 1.500 feminicídios anuais. O presidente do STF defendeu a importância da educação e da repressão no combate à violência contra as mulheres. 

“Temos uma epidemia de violência contra a mulher no Brasil e devemos enfrentar a violência doméstica com a repressão necessária. Com a Lei Maria da Penha e com a educação precisamos acabar, em todas as instâncias da vida, com a cultura machista e truculenta que é a agressividade dos homens em relação às mulheres”, afirmou.

A ativista Maria da Penha, que dá nome à lei, também participou da cerimônia de abertura. Ela lembrou a história de vida e a violência doméstica que sofreu, com duas tentativas de feminicídio. Maria da Penha defendeu a necessidade de mais compromisso da sociedade civil e do Poder Público para garantir os direitos das mulheres e combater a violência doméstica.

Maria da Penha, Ativista do direito das mulheres

“Mesmo diante de grandes desafios, acredito na força da integração das competências de todos os profissionais que atuam na defesa dos direitos humanos das mulheres, para que elas tenham uma vida sem violência. Eu acredito no fim do feminicídio e continuarei a unir forças com quem acredita. Que possamos avançar por mais 18 anos, por uma vida sem violência”, afirmou. 

Pedido de desculpas – Barroso aproveitou a ocasião para pedir desculpas à biofarmacêutica Maria da Penha pela omissão e demora do Poder Judiciário em julgar o agressor que tentou assassiná-la por duas vezes, em 1983.“Em nome da Justiça brasileira, é preciso reconhecer que, no seu caso, ela tardou e não foi satisfatória. Pedimos desculpa em nome do Estado brasileiro pelo que passou e pela demora na punição.”

Ministro Dias Toffoli, STF

Já o ministro Dias Toffoli, do STF, celebrou a maioridade da Lei Maria da Penha e afirmou que apesar de a legislação ser um exemplo para o mundo, a violência doméstica continua presente na vida das mulheres e das crianças. “É a celebração de uma vitória, mas não é a vitória definitiva. É preciso continuar denunciando e punindo.” 

A conselheira do CNJ Renata Gil tambem defendeu que a Lei Maria da Penha é “a melhor lei de combate à violência contra as mulheres no mundo”. Ela ressaltou a importância de outras medidas de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher, como a aprovação da Lei do Sinal Vermelho e a criação de Varas de Execução de Violência Doméstica no país. 

“O engajamento da sociedade é o mais importante. A gente precisa denunciar e as empresas precisam trabalhar conosco. As pessoas e os vizinhos precisam estar unidos nesse mesmo propósito para diminuir o número de feminicídios e de violência contra as mulheres no Brasil”, disse.

Controle de convencionalidade – A coordenadora científica da Unidade de Monitoramento e Fiscalização das Decisões da Corte Interamericana do CNJ, Flávia Piovesan, participou do primeiro painel da Jornada. Segundo ela, um dos desafios do Poder Judiciário brasileiro é fortalecer o controle de convencionalidade na proteção dos direitos das mulheres e buscar caminhos para aprimorar a resposta do sistema de Justiça no enfrentamento da violência.

A coordenadora da Unidade de Monitoramento das Decisões da Corte Interamericana do CNJ, Flávia Piovesan, falou sobre o controle de convencionalidade na proteção dos direitos das mulheres

“O Poder Judiciário brasileiro tem o dever da convencionalidade, ou seja, de incorporar os parâmetros protetivos internacionais do Sistema Interamericano de Direitos Humanos para proteger as mulheres. A Recomendação no 123/2022 do CNJ vai nesse sentido ao dizer que todo juiz deve aplicar os tratados internacionais e a jurisprudência interamericana”, afirmou.

Protagonismo das mulheres – Na sequência, a fundadora e coordenadora Executiva da CEPIA – Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação e integrante do Consórcio Lei Maria da Penha, Leila Barsted, afirmou que o protagonismo dos movimentos sociais das mulheres proporcionou a conquista de avanços legislativos no combate à violência, como a Carta das Mulheres aos Constituintes, em 1987, e a própria Lei Maria da Penha. 

A advogada Leila Barsted defendeu a participação das mulheres nos espaços políticos e no sistema de Justiça

“A participação das mulheres nos espaços políticos e no sistema de Justiça desvela os desafios enfrentados. Precisamos dar continuidade a uma escrita inovadora dos direitos das mulheres. Nós precisamos construir os nossos direitos. Acho que a Lei Maria da Penha foi um exemplo disso. Não pedimos a juristas renomados que escrevessem a lei. Nós a escrevemos”, disse.

A desembargadora do TJRJ Adriana Ramos de Mello no painel sobre violência obstétrica

Violência obstétrica – Mediado pela conselheira do CNJ Renata Gil, o terceiro painel da Jornada contou com a participação da Líder do grupo de pesquisa em gênero, direitos humanos e acesso à justiça da Enfam, desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) Adriana Ramos de Mello. A magistrada concentrou a apresentação na violência obstétrica e defendeu que o estudo desse tipo de agressão integre o currículo dos cursos de formação de magistrados. “A violência obstétrica é institucional e retira completamente a autonomia e o protagonismo da mulher em um momento que deveria ser o mais sublime, mas que se torna um crime.” 

Renata Gil , Conselheira do CNJ

Transversalidade de Gênero – Ao falar sobre a “Perspectiva da Transversalidade de Gênero e Interseccional e a Reparação Integral pelo Sistema de Justiça para garantia de Acesso à Justiça”, tema do quarto painel da Jornada, a secretária-geral do CNJ, Adriana Cruz, alertou que os números da violência contra mulheres ainda são assustadores: “Temos o desafio de fazer com que essa lei também seja efetiva para mulheres negras, porque sabemos que isso ainda não é uma realidade”. 

Ela afirmou ainda que os grupos politicamente minoritários como mulheres, negras e indígenas precisam caminhar de mãos dadas com pessoas comprometidas: “Isoladas, somos alvo; unidas, temos força”. O painel também contou com a participação do desembargador do TJPR Eduardo Cambi, da promotora de Justiça do MPSP Silvia Chakian, e da juíza de Direito do TJSP Flávia Martins.

Promovida desde 2007 pelo CNJ, a Jornada Lei Maria da Penha apresenta, anualmente, no encerramento de suas atividades, uma carta de intenções com propostas e recomendações para o enfrentamento da violência contra as mulheres.

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