Luta diária das pessoas com deficiência por seus direitos

10 de setembro de 2020

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O Dia Nacional de Luta das Pessoas com Deficiência é celebrado em 21 de setembro conforme o calendário nacional. A data foi criada já que desde 1982, ano subsequente ao Ano Internacional das Pessoas Deficientes instituído pelas Organização das Nações Unidas (ONU), este dia tem sido celebrado com diversos eventos que buscam dar visibilidade à causa das pessoas com deficiência.

Ainda em setembro, no dia 26, comemora-se o Dia Nacional dos Surdos. A data foi escolhida porque é a data da publicação da Lei nº 10.436/2002, que reconhece a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como forma de comunicação e expressão e determina o apoio a sua difusão e uso pelo Poder Público, sendo, portanto, a segunda língua oficial do País.

Neste sentido, importante contextualizarmos o histórico de luta das pessoas com deficiência, que ganhou força e visibilidade no Brasil no final dos anos 1970 e início dos 1980. Não faz muito tempo que pessoas com deficiência eram asiladas e totalmente excluídas da sociedade e que a forma de apoio para estas pessoas era por meio da caridade e assistencialismo. Mas, a partir de 1979, quando as próprias pessoas com deficiência passaram a sair de suas casas e reivindicar, por si próprias, seus direitos, esta realidade começou a mudar.

Mas, ainda, precisaríamos de vários anos até que a afirmação dos direitos das pessoas com deficiência pudesse se concretizar em um documento internacional. E isto passa por uma mudança do próprio conceito de pessoa com deficiência, que, anteriormente, era denominada não como pessoa, mas como deficiente, para então passar para pessoa deficiente, pessoa portadora de deficiência e, finalmente, pessoa com deficiência.

A mudança terminológica não é uma filigrana jurídica, diz respeito à evolução do reconhecimento de direitos, que passa de um olhar de apenas reabilitação, em que as pessoas com deficiência deveriam receber tratamento para se adaptar a sociedade, e refletia um modelo médico para a visão atual na qual a deficiência não está no sujeito, mas na sua relação com a sociedade. Assim, atualmente, adota-se o que se chama de modelo social ou modelo de direitos humanos quanto ao conceito de pessoa com deficiência, que as define como aquelas que tem impedimentos físicos, sensoriais, mentais e intelectuais, que em conjunto com diversas barreiras, impedem sua participação em igualdade de condições com as demais pessoas.

É possível que daqui a alguns anos, principalmente se avançarmos na eliminação das barreiras urbanísticas, arquitetônicas, de comunicação, de informação, tecnológicas, no transporte e, principalmente, atitudinais, não usaremos mais o termo deficiência, que ainda carrega, ao olhar da sociedade, uma carga pejorativa, para denominarmos pessoas que tenham impedimentos físicos, mentais, intelectuais ou sensoriais como pessoas com diversidade funcional, respeitando de fato as diferenças.

Estas mudanças, a luta e a conquista dos direitos são refletidas em documentos internacionais e em uma análise detida é possível verificar o quanto se avançou desde 1975, quando da Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, até 2006, data da Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada por quase duas centenas de países do mundo, inclusive o Brasil, que a aprovou com status de emenda constitucional, nos termo do procedimento do parágrafo 3º do art. 5º da Constituição.

A despeito da conquista e afirmação dos direitos humanos das pessoas com deficiência, tanto no plano internacional quanto interno, ainda se discutem direitos reconhecidos há décadas para outros grupos vulneráveis.

Ainda se discute, por exemplo, sobre o reconhecimento da pessoa com deficiência como pessoa perante a lei e questionam-se as mudanças trazidas pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), que se baseia no art. 12 da Convenção. Não faz muito tempo que o Código Civil brasileiro considerava que pessoas com deficiência intelectual, que se denominava excepcionais, sem desenvolvimento mental completo, não poderiam exercer os direitos por si próprios. Também não faz muito tempo que se considerava o surdo, que se denominava surdo-mudo, que não pudesse exprimir sua vontade, como pessoa absolutamente incapaz.

O fato é que, como esclarece o Comentário Geral 01 do Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU:

Esa capacidad ha sido negada de forma discriminatoria a muchos grupos a lo largo de la historia, como las mujeres (sobre todo al contraer matrimonio) y las minorías étnicas. Sin embargo, las personas con discapacidad siguen siendo el grupo al que más comúnmente se le niega la capacidad jurídica en los ordenamientos jurídicos de todo el mundo. El derecho al igual reconocimiento como persona ante la ley entraña que la capacidad jurídica es un atributo universal inherente a todas las personas en razón de su condición humana y debe mantenerse para las personas con discapacidad en igualdad de condiciones con las demás”.

Também se discute o direito à educação da pessoa com deficiência, que é reconhecido expressamente pela Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência que determina que os Estados Partes garantirão o sistema educacional inclusivo em todos os níveis e o aprendizado ao longo de toda a vida (art. 24). A Lei Brasileira da Inclusão da Pessoa com Deficiência reproduz diversos dispositivos já expressos na Convenção e, trazendo outros, busca efetivar a garantia de um sistema educacional verdadeiramente inclusivo e que possa dar os apoios necessários a fim de garantir o aprendizado e o desenvolvimento das habilidades das pessoas com deficiência. Isto também inclui as pessoas surdas e o acesso à língua brasileira de sinais.

A despeito disto, a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen) ajuizou, um mês após a promulgação da Lei Brasileira da Inclusão e durante o prazo de vacatio legis a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) nº 5357 no Supremo Tribunal Federal (STF).

Pela ADI, a Confenen buscava a declaração de inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 28 e do art. 30, caput, especialmente, a expressão “privada”, ambos da Lei Brasileira da Inclusão. A Confenen argumentava que o atendimento da pessoa com deficiência é obrigação apenas do Estado e que a escola particular, se quisesse, poderia receber a pessoa com deficiência, mas não teria “a OBRIGAÇÃO de aceitá-lo, indiscriminada e genericamente, de qualquer forma e a qualquer um”. A obrigação em aceitar a pessoa com deficiência geraria custos excessivos e o fechamento de diversas escolas. Para tanto, solicitava a concessão de liminar para impedir a entrada em vigor dos dispositivos questionados da LBI.

Diversas entidades da sociedade civil e órgãos com atribuição de defesa dos direitos das pessoas com deficiência ingressaram como amicus curiae na referida ADI, incluindo a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, por meio do seu Núcleo Especializado dos Direitos da Pessoa Idosa e da Pessoa com Deficiência.

O Ministro Relator Edson Fachin, em novembro de 2015, se manifestou pelo indeferimento da medida cautelar ad referendum do Plenário do STF, argumentando que:

“as instituições privadas de ensino exercem atividade econômica e, enquanto tal, devem se adaptar para acolher as pessoas com deficiência, prestando serviços educacionais que não enfoquem a questão da deficiência limitada à perspectiva médica, mas também ambiental. Esta última deve ser pensada a partir dos espaços, ambientes e recursos adequados à superação de barreiras – as verdadeiras deficiências de nossa sociedade”.

E depois, em junho de 2016, o Plenário do STF, por maioria, julgou improcedente a ADI, considerando constitucionais as normas da Lei Brasileira da Inclusão, que estabelecem a obrigatoriedade das escolas privadas promoverem a inserção de pessoas com deficiência no ensino regular e prover as medidas de adaptação necessárias sem que o ônus financeiro seja repassado às mensalidades, anuidades e matrícula.

A decisão de grande importância pôs fim a qualquer discussão e impede que as escolas privadas possam ser um ambiente segregador, onde a diferença não é aceita. Neste sentido, inclusive, houve a manifestação da Ministra Rosa Weber na votação da ADI 5357, que afirmou que talvez muitos dos problemas enfrentados pela sociedade tenham relação com o fato de que não houve oportunidade de muitos participarem da construção diária de uma sociedade inclusiva e acolhedora, que valoriza a diversidade.

Portanto, ainda que tenhamos muitas conquistas a celebrar, tanto nacional como internacionalmente, no que se refere a conquista de direitos das pessoas com deficiência nestas datas tão importantes, a luta é diária pela efetivação dos direitos humanos das pessoas com deficiência e não podemos esmorecer, parafraseando  Stephen Hawking temos que lembrar de olhar para o alto, para as estrelas, e não para baixo, para os nossos pés.