Marco Legal para a mediação pretende combater a morosidade na Justiça

11 de setembro de 2014

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carlos-araujoOs meios alternativos de solução de conflitos, entre eles a mediação, caracterizam-se como importantes instrumentos para a solução dos litígios entre pessoas. Nesse sentido, podem ser considerados ferramentas válidas para a obtenção do acesso das pessoas à justiça, notadamente de forma célere e eficaz, direito básico que precisa ser garantido a todos os cidadãos em um estado democrático de direito, como o nosso.

Histórico da Institucionalização da Mediação no Brasil
A primeira iniciativa de normatizar a mediação no contexto jurídico nacional data de 1998 por meio de um Projeto de Lei (PL) de autoria da então Deputada Federal Zulaiê Cobra. Esse projeto recebeu o no 4.827/1998 e pretendeu dar regulamentação concisa e que estabelecesse a definição de mediação, dispondo, para tanto, no corpo do projeto, distintas disposições a respeito da matéria. Um dos principais pontos de atenção do então PL no 4.827/1998 foi a institucionalização de um procedimento não obrigatório, que poderia ser instaurado antes ou no curso do processo judicial desde que a matéria versada admitisse conciliação, reconciliação, transação ou acordo de outra ordem.

Em 2001, o Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) apresentou anteprojeto de lei sobre a mediação no processo cível e outros meios de pacificação. O trabalho tinha a assinatura de juristas de lavra de Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe, Fátima Nancy Andrighi, Sidnei Beneti e Arruda Alvim, entre outros.

O texto do IBDP foi apresentado ao governo federal e, diante da existência do projeto de lei da Deputada Zulaiê Cobra já aprovado na Câmara, o Ministério da Justiça realizou audiência pública em que reuniu, em um só fórum de debate, a Deputada Zulaiê, o IBDP e as demais organizações da sociedade brasileira envolvidas à época com o tema da mediação. Desse debate foi elaborado um texto de consenso encaminhado ao Congresso, em que foi cadastrado como PL no 94/2002.

Com o advento da Emenda Constitucional (EC) no 45, de 8 de dezembro de 2004 (conhecida como Reforma do Judiciário), e o chamado Pacote Republicano, o Governo apresentou diversos projetos de lei que modificavam o Código de Processo Civil, o que levou a um novo relatório do PL no 94/2002.

Mediação no Código de Processo Civil
Em 2009 foi convocada Comissão de Juristas sob a presidência do Ministro Luiz Fux, com o objetivo de apresentar o texto do chamado novo Código de Processo Civil, texto cuja redação foi aprovada pelo Congresso. Pode-se identificar no texto do novel Código de Processo Civil a preocupação com os institutos da conciliação e da mediação.

Mediação e Conciliação no Brasil – Legislação Brasileira
Existem, na legislação brasileira, menções pontuais à palavra Mediação como método de resolução de conflitos presentes em leis esparsas, revestindo-se em uma tentativa de implementá-la em situações específicas. A Lei no 9.870/1999, por exemplo, prevê, no seu texto, a diferenciação entre arbitragem e conciliação e a possibilidade da utilização da mediação em casos de conflitos entre pais ou associação de pais e alunos e escolas decorrentes do reajuste de mensalidades escolares.

Não obstante ainda não ter se convertido em legislação específica, a mediação já é executada no Brasil inclusive em esferas judiciais na medida em que se expresse na livre manifestação de vontade das partes, sendo validada em decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e ainda do Ministério da Justiça.

As experiências de alguns tribunais, especialmente após a Resolução no 125 do CNJ, bem como na administração pública, são salutares. A Escola Nacional de Mediação e Conciliação (Enam), a meu sentir, é uma consolidada iniciativa de sucesso.

Mediação e Conciliação – Pontos de Diferenciação
A distinção entre Mediação e Conciliação, no entanto, é tarefa que se impõe. Pode-se, à guisa de debate e sem a pretensão de esgotar-se o tema, ou mesmo abrangê-lo em todos os seus aspectos, tentar estabelecer ao menos três critérios fundamentais de diferenciação:

Quanto à finalidade: A mediação visa resolver, da forma mais abrangente possível, o conflito entre os envolvidos. Já a conciliação propõe-se a resolver o litígio conforme as posições apresentadas pelos envolvidos.

Quanto ao método: Atualmente o conciliador assume posição mais participativa, podendo sugerir às partes os termos em que o acordo pode ser realizado, dialogando abertamente a esse respeito, ao passo que o mediador deve abster-se de tomar qualquer iniciativa de proposição, cabendo a ele apenas assistir as partes e facilitar a sua comunicação, para favorecer a obtenção de um acordo que atenda a todos.

Quanto aos vínculos: A conciliação é atividade inerente ao Poder Judiciário, sendo realizada por juiz togado, por juiz leigo ou por alguém que exerça a função específica de conciliador. Por outro lado, a mediação é atividade privada, livre de qualquer vínculo, não fazendo parte da estrutura de qualquer dos Poderes Públicos. Mesmo a mediação para-processual mantém a característica privada, estabelecendo apenas que o mediador tem de se registrar no tribunal para o fim de ser indicado para atuar nos conflitos levados à Justiça.

Movido por interesse profissional e curiosidade acadêmica sobre o tema Mediação como instrumento de composição de conflitos, arrisco-me a discorrer aqui um pouco mais detidamente sobre esse instituto do nosso direito:

Atualmente, três são os elementos básicos para que possa haver um processo de mediação: (i) a existência de partes em conflito; (ii) uma clara contraposição de interesses; e (iii) um terceiro neutro capacitado a facilitar a busca pelo acordo.

Via de regra, a mediação é um procedimento extrajudicial que se dá antes da procura pela adjudicação. Contudo, nada impede que as partes, já tendo iniciado a etapa jurisdicional, resolvam retroceder em suas posições e tentar, uma vez mais, a via conciliatória.

Pode-se classificar a postura do mediador, no exercício do procedimento, como ativo ou passivo. Na mediação passiva, o terceiro apenas ouve as partes, agindo como um facilitador do processo de obtenção de uma solução consensual para o conflito, sem apresentar o seu ponto de vista, possíveis soluções ou propostas concretas às partes. Já no caso da mediação ativa, o mediador funcionará como uma espécie de conciliador; ele não se limita a facilitar; ele também tem a função de apresentar propostas, soluções alternativas e criativas para o problema, alertar as partes litigantes sobre a razoabilidade ou não de determinada proposta, influenciando, assim, o acordo a ser obtido.

Enxergo a mediação como uma tarefa complexa e que, como tantas outras, requer dedicação e preparação adequada. É um trabalho artesanal, específico e distinto em cada situação. A mediação requer análise aprofundada das questões sob os mais diversos ângulos e sobre os quais o profissional encarregado da mediação precisa inserir-se integralmente no contexto do conflito.

A mediação é, via de regra, um processo laboral complexo e demorado que pode contar, ou não, na sua consecução, com a participação de comediadores, podendo as partes, a seu critério e arbítrio, estarem assistidas de seus advogados. Nesse procedimento específico, todos os participantes devem estar concordes quanto ao procedimento utilizado e a maneira como as questões são postas a exame.

Entendo que o grande mérito da mediação, mais que nos procedimentos de equilíbrio e solução de conflitos, como a conciliação e a arbitragem (com sua legislação e características específicas), é a análise do conflito entre duas pessoas físicas e a natureza do relacionamento entre elas, pois tende a ser de pouca efetividade a decisão de um magistrado ou a decisão de um árbitro em uma relação continuativa, sem que o conflito tenha sido adequadamente trabalhado. É aí, acredito, que a mediação, com suas diversificadas facetas de atuação, aprimoradas técnicas de convencimento e profissionais adequadamente treinados, busca evitar que uma situação mediada volte a se manifestar de forma contundente entre as partes.

Marco Legal
A nenhum operador de direito é dado desconhecer que nosso Judiciário, em todas as instâncias sem exceção, ao tempo em que se vê confrontado com questões de alta complexidade, também se encontra hoje em dia rotineiramente assoberbado de volumosas demandas que abarrotam os tribunais, decorrentes de número insano de ações ajuizadas pelas mais diversas causas de pedir. Os dados são contundentes e escancaram nossa realidade. Segundo o CNJ, existem hoje computados no Brasil mais de noventa milhões de processos judiciais, ou a média desconcertante de quase um processo para cada dois brasileiros, que, via de regra, costumam demorar, em média, dez anos para serem concluídos!

Muitos dessas contendas poderiam, imagino, ter sido resolvidas sem que sequer houvesse a necessidade de apreciação do Judiciário. Os métodos de negociação, conciliação e mediação podem-nos socorrer nessa diuturna tarefa de desobstruir o Judiciário, mas, ainda assim, a inexistência de um marco regulatório atrasa e dificulta a disseminação de tais técnicas e, em última instância, dessa tarefa vital.

Nesse sentido, a criação de uma Comissão de Especialistas no âmbito da Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, com o fito específico de construir um texto de consenso do chamado marco legal de mediação, a qual tive a imerecida honra de integrar por convite do então Secretário da Reforma do Judiciário, Dr. Flavio Caetano, pareceu-me marco importante para o estabelecimento de premissas e sugestão da redação de um texto enxuto e competente sobre o tema e que deu origem ao projeto de lei apresentado pelo Executivo à apreciação do Congresso Nacional.

Sob a presidência do Secretário de Reforma do Judiciário e a competente coordenação e inspiração dos ministros Nancy Andrighi e Marco Aurélio Buzzi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e do Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e, à época, Conselheiro do CNJ José Roberto Neves Amorim, a Comissão Especial se estruturou em três distintas frentes de atuação: (i) mediação judicial; (ii) mediação extrajudicial; e (iii) aspectos gerais de mediação. O esforço da Comissão, composta de renomados e competentes juristas, ao elaborar o texto do projeto, foi buscar institucionalizar a mediação judicial e extrajudicial como instrumentos consensuais de realização da justiça. O material produzido pela Comissão e que tratou do marco legal da mediação foi enviado ao Congresso Nacional.

Em complementação a esse envolvimento legislativo e à mobilização institucional que se seguiu, a Casa-Civil da Presidência da República formou grupo de trabalho para discutir a temática do projeto de lei sobre mediação proposto pela Comissão de Especialista, bem como também outras iniciativas legislativas paralelas. Foram condensadas diversas iniciativas legislativas que versavam sobre mediação em um único texto consolidando, inclusive, o mais importante de todos, que foi o qualificado trabalho desenvolvido pela Comissão de Juristas criada pelo Senado Federal e presidida pelo Ministro do STJ Luis Felipe Salomão, um dos mais respeitados magistrados brasileiros.

Em abril de 2014 houve audiência pública na Câmara dos Deputados para debater o Projeto de Mediação, denominado PL no 7.169, que se encontra em exame no Congresso, no aguardo da discussão e votação da matéria pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, onde deve tramitar em conjunto com a revisão da Lei de Arbitragem.

Em paralelo, em julho de 2014, foi lançado pelo Ministério da Justiça, também por meio da Secretaria de Reforma do Judiciário, a chamada Estratégia Nacional de Não Judicialização (Enajud), que pretende reunir instituições do setor público e do privado para se evitar que cheguem ao Poder Judiciário conflitos que poderiam ser resolvidos por meios alternativos. Para tanto, serão firmados acordos de cooperação com instituições financeiras e telefônicas para o desenvolvimento de estratégias conjuntas. Registrem-se dados da própria Secretaria de Reforma do Judiciário: atualmente, espantosos 95% das demandas judiciais envolvem o setor público, os bancos e as empresas de telecomunicações.

A Enajud será integrada pelo Ministério da Justiça, pela Advocacia-Geral da União e pelo Ministério da Previdência Social e contará com a colaboração do CNJ, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e de instituições do Sistema de Justiça e instituições privadas.

Iniciativas como essas do marco legal da mediação e da Enajud e outras já consolidadas, como a da Escola Nacional de Mediação e Conciliação ou mesmo ainda práticas oriundas de inciativas privadas e de atuação específica, como a bela prática da advocacia colaborativa, vencedora no ano de 2013 do Prêmio Innovare na Categoria Advocacia, são caminhos que se abrem e apontam a expectativa de uma melhor distribuição de justiça sem a necessidade de que a morosa máquina do Judiciário seja acionada.

Tenho firmeza de convicção de que justiça atualmente se faz lenta, muito mais em razão do volume descomunal de ações diariamente ajuizadas à sua apreciação, do que propriamente pela atuação de seus integrantes.

Por isso, defendo que práticas de mediação e conciliação são, claro, não a solução ou a panaceia de todos os problemas, mas certamente um belo início de caminho em busca de melhor e mais célere distribuição da Justiça.

Somos impelidos agora a decidir se avançaremos na direção de uma nação desenvolvida na qual as pessoas têm livre e fácil acesso à Justiça para fazer valer os próprios direitos, naquele “empoderamento jurídico” de que nos fala o Professor e Ministro do STF Luiz Roberto Barroso, ou se deixaremos que boas oportunidades de transformação sejam desperdiçadas. Tal definição aplica-se ao sistema de justiça, obrigando-nos a decidir se trilharemos o caminho de um Judiciário de fácil acesso, célere, inovador e moderno ou se marcharemos intermitentemente no mesmo lugar, sem avanços e benefícios a oferecer àqueles que buscam na lei e na Justiça a solução de seus conflitos.