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Margareth Thatcher e sua política trabalhista

5 de maio de 2005

Membro do Conselho Editorial e Presidente da Academia Internacional de Direito e Economia

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As bases teóricas

Thatcher sempre foi uma ardorosa defensora do individualismo cooperativo, opondo-se, com determinação, às teses socialistas ou outras de cunho coletivista. Defende a idéia de que a liberdade é um valor fundamental acima de quaisquer outros, imprescindível para direcionar nossos próprios atos e concretizar os demais valores humanos. Dotado de bom senso, o indivíduo, melhor do que ninguém, é capaz de identificar o seu próprio interesse, comandar seus próprios atos, ser autêntico, espontâneo e seguir sua vontade na busca dos seus objetivos. Por conseguinte, ao indivíduo deve ser reconhecida a faculdade de deliberar sobre tudo que lhe afeta, por deter maior soma de informações sobre si próprio e mais interesse em resolver, no mais breve tempo possível, os seus problemas.

Sempre sustentou que a livre iniciativa é o melhor caminho para melhorar o desempenho dos fatores de produção e lograr maior satisfação social. A evidência empírica histórica confirma que há uma forte relação funcional entre liberdade econômica e prosperidade. Uma sociedade de homens livres é mais inventiva, criativa, inteligente e moral. Agindo espontaneamente, cria oportunidades para a evolução e o processo humano mais do que qualquer outra forma de organização poderia fazê-lo. No entender de Thatcher, defender a livre iniciativa é ser favorável a um sistema de livre mercado, que libera o cidadão para produzir, inventar, contratar negociar e consumir.

Compõe ainda o ideário de Margareth Thatcher a convicção de que a intervenção estatal embota a iniciativa privada e inibe o seu potencial criativo. Quanto maior o grau de intervenção estatal na economia, mais baixo é o padrão de vida da população de um país. A finalidade precípua do Estado consiste em remover obstáculos, promover e dar apoio às relações individuais. Em uma sociedade respeitadora das liberdades individuais, cabe ao governo zelar pela eficácia dos contratos livremente firmados pelos particulares, sem jamais lhe impor os termos. Só as partes envolvidas na relação é que sabem o que melhor atende às suas conveniências, independente de qualquer tutela de terceiros, quer do Sindicato ou do Estado.

As circunstâncias conjunturais

A década de 1970 foi desastrosa para a Inglaterra. A economia não crescia e as taxas de desemprego eram elevadas. A impressão quase generalizada era de que os governos britânicos haviam se tornado incapazes de solucionar os problemas mais sérios que afligiam o país.

Ao assumir o poder, na primavera de 1979, Margareth Thatcher comprometeu-se a mudar essa decadente realidade. Prometeu restaurar a economia; reduzir a inflação; desregulamentar o direito; desmantelar o welfare state; acabar com o poder excessivo dos sindicatos, para que seu País pudesse ingressar em uma nova era de prosperidade, condição indispensável para competir em um mundo globalizado.

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, havia um consenso generalizado na Inglaterra a respeito da importância e da utilidade do Sindicato como instituição social. Reconhecia-se nele a fonte única, legítima e eficiente de organização representativa dos interesses laborais.

Havia igualmente consenso quanto aos méritos da negociação coletiva, tida como valioso instrumento de democratização nas relações entre patrão e empregado nos locais de trabalho. Aceitavam-na como a melhor forma de composição de conflitos, de fixação de condições de trabalho e a mais eficaz maneira de impedir a ação do poder informal dos trabalhadores não-sindicalizados.

Com a vitória de Margareth Thatcher o consenso mudou de direção. A convicção agora dominante era de que os sindicatos haviam se transformado em organizações políticas, monopolistas e corporativistas, perdendo legitimidade para representar os interesses de suas categorias. A então forte influência na elaboração de políticas públicas, em geral, passou a ser entendida como indevida intromissão dos sindicatos em área de competência reservada às autoridades constituídas.

Por sua vez, o conceito de negociação coletiva foi também alterado substancialmente. Thatcher não concebia a negociação coletiva como instrumento valioso na melhoria das condições de salário e de trabalho. Segundo ela, o que promoveu a elevação do padrão de vida dos trabalhadores foram outros fatores: o aumento de produtividade do trabalho, os avanços no conhecimento científico e tecnológico, a maior disponibilidade de capital e a aplicação de modos mais eficientes de organização.

Percebe-se, portanto, claramente a razão do desagrado pessoal e do governo de Margareth Thatcher em relação à atuação sindical e à prática das negociações coletivas.

As políticas governamentais

Para revitalizar a economia, controlar a inflação e capacitar os empresários a administrar seus negócios de maneira mais eficiente, Thatcher, a partir de 1980, implementou diversas medidas legais: os Employment Acts, o Trade Union Act, a Trade Union Reform e o Employment Rights Act.

Por decorrência destas medidas, alguns direitos dos trabalhadores foram restringidos. Por exemplo: somente empregados com mais de dois anos de serviço passaram a ter o direito de reclamar por despedida injusta e exigir justificativa para a demissão; a proteção dada aos trabalhadores menores de idade, nos Conselhos de Salário, foi abolida; o depósito judicial passou a ser uma exigência também para os empregados; e o direito de ação contra medidas disciplinares ficou restrito apenas às empresas com mais de 20 empregados.

Todavia, as mais importantes mudanças promovidas pela legislação de Thatcher tiveram como principal foco os sindicatos. A finalidade era insistir no caráter voluntário da filiação associativa; estimular a realização do trabalho com satisfação e produtividade; enfraquecer o papel do representante do sindicato no local de trabalho; tornar mais democrático o processo de tomada de decisões, dotando os associados de meios para influir e controlar as políticas e atividades de sua instituição; impedir que o associado fosse injustificadamente excluído como membro; impedir que o associado fosse punido por não aderir a greves; garantir a lisura das eleições por meio de fiscalização de escrutinadores independentes; extinguir o close shop; submeter os dirigentes sindicais a eleições democráticas; estabelecer salvaguardas contra a prática de corrupção; criar procedimentos para assegurar o consentimento dos membros na hipótese de greve; proibir a greve de solidariedade e regular a ação dos piquetes.

As medidas legislativas de Thatcher visaram restabelecer a liberdade contratual, para que o empregado pudesse exercer, plenamente, sua autonomia da vontade. Eis alguns dos meios encontrados: desregular as relações individuais do trabalho, tornando a contratação mais flexível; criar um clima de liberdade que possibilitasse as partes definirem, de modo direto, rápido e amigável, os mecanismos de resolução da maioria das disputas; prevenir ofensas disciplinares e sua correção, mais do que punir; adotar um sistema salarial mais flexível; rever o sistema de desempenho e mudar as atitudes dos empregados em todos os níveis.

A ação do governo de Thatcher foi também orientada em favor da empresa. O propósito maior foi liberá-la da ingerência indevida dos sindicatos e do excesso de regulação individual estatal protecionista obtida por pressão corporativista. No entender do governo, os sindicatos estimulavam práticas que impediam o aumento da produtividade; posicionavam-se sistematicamente contra as mudanças inovadoras propostas pelos administradores; tornaram-se intrusos na vida da empresa, estimulando a quebra da unicidade e a cooperação existente nos locais de trabalho.

Ao liberar as empresas dos obstáculos jurídicos que a impediam de produzir mais e melhor, as medidas legais de Thatcher, na verdade tiveram por meta favorecer o verdadeiro destinatário da cadeia econômica: o consumidor final.

Conclusão

As idéias e o desempenho governamental de Margareth Thatcher têm merecido, até hoje, críticas de seus opositores ideológicos e até mesmo de alguns membros de seu Partido. Algumas procedentes, outras sem qualquer fundamento fático.

O que, todavia, parece inegável, é que na área trabalhista, Thatcher foi uma desbravadora: destruiu velhos dogmas; revelou os vícios do modelo corporativista existente; desmascarou o falso trabalhismo; eliminou a “fábrica” de negociações coletivas; estimulou a competitividade e o aumento da produtividade; incentivou a cooperação e a harmonia no ambiente de trabalho; reduziu custos e encargos sociais para as empresas; combateu toda forma de corporativismo sindical, empresarial ou estatal; desregulou certas leis protecionistas impeditivas de uma sadia competição; flexibilizou o mercado de trabalho. Enfim, abriu as portas para a modernização e a democratização do direito do trabalho. Tanto assim que suas principais medidas ainda permanecem vigentes, mesmo após a vitória do Partido Trabalhista.