Mestrado em Poder Judiciário da Enfam: um lustro pensando no futuro da Justiça

5 de agosto de 2024

Carlos Henrique Haddad Juiz Federal do TRF-6 e Docente do Mestrado da Enfam / Juiz Federal do TRF-4 e Mestre pela Enfam

José Luis Luvizetto Terra Juiz Federal do TRF-4 e Mestre pela Enfam

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O mestrado profissional em Direito e Poder Judiciário da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) é um programa de pós-graduação stricto sensu, criado em agosto de 2019. Ao ler a Resolução Enfam no 6 de 7/8/2019, percebe-se que o principal objetivo do programa de mestrado é possibilitar a magistrados das Justiças Federal e Estadual o desenvolvimento de suas competências em Direito, Gestão Judiciária e Tratamento de Conflitos. Em consonância com suas diretrizes pedagógicas, o programa busca capacitar seus alunos para (1) avaliar criticamente o contexto no qual exercem a atividade jurisdicional e o impacto de suas decisões, demonstrando preocupação e intenção de uma atuação pela transformação da realidade social, redução das desigualdades e proteção dos vulneráveis; (2) compreender o marco estratégico do Poder Judiciário e administrar a Justiça com criatividade, organização, eficiência, sustentabilidade, adequada gestão de risco e inovação, explorando os recursos tecnológicos disponíveis; (3) gerir unidades jurisdicionais e pessoas, organizar e inovar, considerando a adequada gestão de risco e de conhecimento, a partir da identificação de marcos e pontos críticos nos processos de trabalho e na comunicação interna da unidade em que atuam; (4) promover a solução consensual de conflitos, identificando oportunidades de conciliação e mediação; (5) atuar na prevenção de demandas e no tratamento diferenciado de litígios complexos, repetitivos e estruturais; e (6) relacionar-se adequadamente com a sociedade, as instituições públicas e privadas, e os meios de comunicação, observando padrões de ética e de integridade. 

Mas o mestrado da Enfam é mais do que isso. Num Judiciário agigantado, que contabiliza 84.448.482 processos, com gastos que alcançam R$132.753.957.654,00 e força de trabalho composta por 18.265 juízes e 275.581 servidores, é preciso pensar além do aspecto quantitativo. O pensamento volta-se à busca de soluções para os muitos paradoxos que se observam: morosidade sem falta de recursos financeiros; excesso de trabalho para juízes com equipes de apoio em grande número; dificuldades de acesso à Justiça por parte da população vulnerável e sobreutilização do sistema por litigantes contumazes; processo eletrônico que replica a lógica do papel; servidores liderados por verdadeira autoridade, mas sem rumo a seguir. O mestrado da Enfam tem se dedicado a pensar sobre isso, nesse lustro de existência que se celebra em agosto de 2024.

Em estudos conduzidos por juízes e juízas, federais e estaduais, identificou-se que a realização de audiência una em ação de alimentos, nos moldes da Lei n° 5.478/1968, valendo-se de videoconferência, costuma obter melhores resultados quanto à taxa de acordos, tempo de tramitação processual e menor índice de revelia, se comparado com o rito comum do CPC. A ação de alimentos envolve questão bastante sensível, pois diz respeito à sobrevivência de pessoas, muitas vezes em situação de hipossuficiência financeira. Quanto mais célere e resolutivo for o procedimento adotado, de menos sofrimento e espera padecerá o alimentando.

Outra pesquisa concluiu que a especialização de varas – como é intuitivo que assim pareça – gera efetivamente maior celeridade no trâmite de ações. Unidades judiciárias onde tramitam poucas classes processuais resolvem os feitos com mais rapidez do que aquelas de competência ampla, que são a maioria no país. A partir das conclusões, deve-se cogitar sobre a possibilidade de ampliar a especialização por todo o Brasil, desapegando-se da ultrapassada regra da territorialidade.

A respeito do Juízo das Garantias, o exame de 105.370 sentenças mostrou que há 2,91% mais condenações quando o juiz que profere sentença é o mesmo que recebe a denúncia. Entretanto, quando se trata de tráfico de drogas, a diferença entre o magistrado que recebe a denúncia e sentencia e aquele que somente prolata sentença, sem ter sido o responsável pelo recebimento da denúncia, foi de apenas 0,24% (88% x 87,76%, respectivamente). Estudos como esse, mais do que impressões subjetivas, apontam se é mesmo necessário separar os juízos que cuidam da investigação e da instrução, para coibir os supostos vieses cognitivos.

O Direito do Consumidor, gerador de milhões de demandas, foi contemplado em dissertação que mostra que empresas com boa avaliação no site consumidor.gov.br são mais propensas a também fazer acordos judiciais, embora o mesmo não valha para aquelas bem avaliadas no Reclame Aqui. O prévio requerimento ao ajuizamento da ação foi tema do trabalho intitulado “Plataformas extrajudiciais de resolução de conflitos de consumo: diagnósticos e perspectivas de integração aos juizados especiais cíveis do Espírito Santo”.

Em tempos de tecnologia em consistente expansão, desenvolveu-se dissertação que analisou o processo eletrônico, não apenas como nova forma de processo digitalizado, mas como verdadeira ferramenta de gestão de equipes, tendo sido aprovada na defesa ocorrida em 12/7/2024. Considerando que a magistratura brasileira conta com equipes de apoio em maior número do que as de outros países, o exercício da liderança e o emprego do processo digital para comandar os integrantes do Judiciário torna-se ponto basilar para se extrair elevada performance.

Nem sempre os estudos produzidos são conclusivos a ponto de expor as soluções necessárias para os problemas. Por que a Justiça Federal do Amazonas impõe indenizações para cada hectare de floresta derrubada no valor de R$766,17, ao passo que a Justiça Federal de Rondônia fixa o montante em R$11.113,63, cerca de 14,5 vezes maior do que a primeira? É possível que as razões para isso acontecer não sejam claras, mas a indesejada divergência — que leva à insegurança jurídica e à aplicação não equânime das leis — precisa ser conhecida para ser tratada. 

Quando se eleva nosso ponto de vista para o conjunto de estudos empíricos considerados no âmbito do mestrado da Enfam, constata-se que a Gestão Estratégia e o Planejamento do Poder Judiciário pode contar com dados, informações e conhecimentos essenciais para a implementação de políticas públicas, como realizar o cotejo dos achados das pesquisas com o mapa estratégico do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), orientando caminhos a serem tomados.

O mestrado da Enfam é um programa inovador e tem desempenhado papel relevante na modernização do sistema judicial brasileiro. Não é um fim em si mesmo, porque sua produção tem por objetivo melhorar a prestação jurisdicional para, cada vez mais, aprimorar o atendimento da população que recorre aos tribunais. Em última análise, o mestrado profissional da Enfam não só contribui para o desenvolvimento profissional dos magistrados, mas também para a melhoria contínua do sistema judiciário brasileiro, promovendo Justiça mais eficiente, resolutiva e acessível para todos.

Notas___________

1 Disponível em: https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/
2011/133091.

2  Disponível em: https://justica-em-numeros.cnj.jus.br/painel-estatisticas/.

3 CNJ. Justiça em números 2024. Conselho Nacional de Justiça: Brasília, 2024, p. 64.

4 MELO, Robert Kirchhoff Berguerand De. Audiência una de alimento e domicílio fora da sede do juízo: dá para conciliar. 2023. Disponível em: https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/179731.

5 BAGGIO, Cristhiane Trombini Puia. Competência como ferramenta de gestão: análise  do tempo médio de tramitação conforme as classes  processuais. 2023. Disponível em: https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/179727.

6 TAKEUCHI, Daniele Liberati Santos. Juízo de admissibilidade da acusação e o viés confirmatório no processo penal brasileiro: uma abordagem empírica. 2023. Disponível em: https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/179746.

7 ELESBON, Salomão Akhnaton Zoroastro Spencer. Plataformas extrajudiciais de resolução de conflitos de consumo:  diagnósticos e perspectivas de integração aos juizados especiais cíveis do  Espírito Santo. 2022. Disponível em: https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/172023.

8 TERRA, José Luis Luvizetto. As ferramentas do EPROC e a gestão de equipes do Poder Judiciário: pesquisa-ação junto à Justiça Federal da 4a Região. Dissertação de Mestrado, ENFAM, 2024.

9 ANAISSE, Paulo César Moy. A reparação do dano ambiental à cobertura da floresta amazônica: os critérios econômicos adotados pela justiça federal para a estimativa do valor da vegetação suprimida. 2022. Disponível em: https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/172028.

10 Disponível em: https://www.cnj.jus.br/gestao-estrategica-e-planejamento/planejamento-estrategico-do-cnj-2021-2026/.

11 Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/01/2021-MAPA_ESTRATEGICO_Final-1.pdf.

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