Moreira Alves: de corpo inteiro

3 de maio de 2024

Roberto Rosas Membro do Conselho Editorial / Professor Titular da UnB

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Todas as homenagens a Moreira Alves são escassas, diante da expressão profissional e humana. Aqui poderia escrever um artigo jurídico em qualquer tema porque todos homenageiam Moreira Alves. Resolvi retratá-lo, porque o acompanhei desde 1961, em todos os seus passos e esta fotografia revela suas várias facetas.

Como no conto, o moço branco de Guimarães Rosa (Primeiras Estórias), vagava pelos corredores da Faculdade Nacional de Direito, no Rio de Janeiro, em 1961, e envolveu-me um ruído dos jovens alunos embevecidos com um também jovem no salão nobre, num debate com o catedrático de Direito Romano, Vandick Londres da Nóbrega, temido professor, e antipatizado pelos alunos. Era a alegria do confronto. Estava em jogo a livre docência de Direito Romano e esse vintenário debatedor levava a melhor. Palmas! Quem era? José Carlos Moreira Alves, que, ao final, obteve a nota 10 do mais exigente dos professores: o consagrado mestre – José Carlos de Matos Peixoto.

Atrevido, corajoso e muito preparado logo foi convocado como catedrático interino, ao lado da sua vida profissional de advogado no Banco do Brasil numa simples agência da Rua do Catete.

Do alto de 28 anos de idade, Moreira Alves não se aquietou no Rio de Janeiro, e partiu para São Paulo para a gloriosa Faculdade do Largo de São Francisco, onde uma pedreira o enfrentaria, o adversário Alexandre Correia, filho do antigo catedrático de Direito Romano. Foi um concurso renhido, pesado, difícil para todos, candidatos e banca, ao fim uma longa batalha recursal, envolveu a Congregação, o Conselho Universitário, o Governador de São Paulo, o Judiciário paulista, e ao fim, o Supremo Tribunal Federal, com a sustentação oral feita pelos dois candidatos, mas a vitória ficou com Alexandre Correia.

Moreira Alves não passou e voltou à disputa em Direito Civil, em pleito com o renomado mestre Rubens Limongi França, e finalmente Moreira Alves saiu vitorioso, num esplêndido prélio, inesquecível.

Aquietado na cátedra e no Banco do Brasil, é requisitado para a chefia do Ministério Público Federal, Procurador Geral da República (1972). Era respeitado por seu passado, mas jovem corajoso, teve seus ímpetos e arroubos. Certa vez, na Presidência do STF, Aliomar Baleeiro espanta o Procurador Geral – V.Exa. só tem um defeito! Ouviu estatelado. Volta Baleeiro – é muito moço.

Nessa passagem é requisitado pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, onde permaneceu por mais de trinta anos, ao final concedido o título de Doutor Honoris Causa (2011), com grandes elogios do Reitor, de então, José Geraldo de Souza Jr., seu ex-aluno notório de esquerda, extraordinária cultura, não ficou impedido de fazer o elogio à direita. Quando do passamento de Moreira Alves, a reitora da Universidade de Brasília emitiu longa nota pública de elogio ao antigo Mestre.

A ascensão de Moreira Alves era inevitável diante do seu longo cabedal acadêmico e profissional, reconhecido pelo Presidente Geisel em 1975, ao nomeá-lo Ministro do STF. A contribuição ao STF está estampada em todos os ramos do Direito, mas não ficou na grande especialidade o Direito Civil. Isso revela-se no precioso volume “Moreira Alves e o controle da Constitucionalidade no Brasil”, de 2000, organizado pelo Ministro Gilmar Mendes. Em paralelo exerceu a Presidência do Tribunal Superior Eleitoral (1981/1982), com imensa contribuição ao aperfeiçoamento do sistema eleitoral.

Todos os escritos de Moreira Alves sempre revelaram pesquisa, erudição e autenticidade, ainda que fosse às fontes, era autêntico. O volume sobre Direito Romano é considerado pelos especialistas como exemplo de exposição e didatismo, num tema complexo. Em “Da Alienação Fiduciária em Garantia” (1973), conseguiu equacionar todos os temas desse intrincado instituto. “Da Retrovenda (1967)” foi o desenvolvimento de sua tese de concurso. Consagrou-se na “Posse”, em dois volumes, o esgotamento de todos os temas desse assunto.

Em 1975 foi constituída a Comissão de elaboração do novo Código Civil, presidida pelo Professor Miguel Reale, com a elaboração da Parte Geral por Moreira Alves, assim aconteceu, e finalmente em vigor o Código Civil brasileiro de 2002. Em 1987, nova missão colhe Moreira Alves: a presidência da abertura da Assembleia Constituinte na condição de Presidente do STF. Ali, em seu discurso, saiu uma diretriz e elaboração.

Numa pergunta sobre o maior conhecimento jurídico de Moreira Alves diremos – todos. Veja-se um exemplo. Anualmente Ives Gandra organizava um seminário sobre Direito Tributário no Centro de Extensão Universitário. Durante mais de vinte anos a abertura foi feita por Moreira Alves, onde debatia com os maiores tributaristas do país, sem medo ou timidez, mas acatado por todos.

Numa linhagem ideológica direta, Moreira Alves era direita, assumido. Isso nunca impediu o relacionamento com a esquerda, no debate, na escrita, nos posicionamentos. Como diziam os romanos – finis coronat opus, assim foi ao completar 25 anos de exercício no STF, em sessão, Nelson Jobim, em nome da casa, faz aquele elogio, querido por todos e reconhecido por todos.

Basta aos elogios os depoimentos de seus antigos alunos, dentre, José Celso de Mello Filho (USP), Gilmar Mendes (UnB), Carlos Alberto Direito (PUC/Rio), daria um imenso livro de reconhecidos encômios, como fizera o saudoso Mestre Arruda Alvim, ao apresentar o livro – “Aspectos Controvertidos do novo Código Civil”, de 2003, com 44 colaboradores.

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