Edição 109
O advogado credor de honorários de sucumbência: Litisconsorte necessário na ação rescisória
31 de agosto de 2009
Francisco Peçanha Martins Membro do Conselho Editorial e Ministro aposentado do STJ
O advogado exerce a nobre profissão de defender o interesse jurídico de seu semelhante. Na Roma antiga, o advocatus era parente ou amigo do acusado que o defendia em Juízo. Era o patrono, o orador.
ULPIANO, no “Digesto”, assim definia o jus postulandi:
“Postulare este desiderium suum vel amici in jure apud eum qui jurisdictione praest, exponere vel alterius desiderio contradicere.” (Postular é expor seu desejo ou o do amigo, em direito, perante aquele que goza de jurisdição ou contradizer o desejo de outrem).
Foi na França, em 1327, que o Rei Felipe estabeleceu, em ordenança, que só os inscritos nos quadros da ordem (corporação), após aprendizagem, poderiam advogar.
No Brasil, criada a Ordem dos Advogados pelo Decreto nº 19.408, de 18/10/1930, somente os legalmente inscritos podem advogar, a teor do que dispunham o Decreto nº 20.784, de 19/12/1931, com vigência a partir de março 1933 (Decreto nº 22.266, de 28/12/1932); a Lei 4.215, de 27/4/1963; e estabelece a Lei 8.906/94, o vigente Estatuto da Advocacia.
“A relação entre a parte ou quem a represente, e o seu defensor, é de mandato com representação.” (LIEBMAN, in “Manual de Direito Processual Civil”, n. 45, p. 97 ).
CLÓVIS BEVILAQUA ensina que “o contrato de advogado constituído para a defesa de uma causa participa da natureza do mandato e da prestação de serviço, em íntima conexão”.
Figura indispensável à administração da Justiça (art. 133 CF), “a parte será representada em juízo por advogado legalmente habilitado” (art. 36, 1ª parte, do CPC), atua nos autos em nome do cliente, exercitando o mandato conferido, por procuração.
Defensor imprescindível dos interesses jurídicos dos cidadãos no processo judicial, o advogado sobrevive graças à remuneração auferida pelos relevantes serviços prestados.
A capacidade de requerer, em juízo, o jus postulandi, é a maior das prerrogativas da Advocacia. O advogado, exercendo o mandato, atua, através de procuração, em nome do constituinte, na defesa da liberdade e dos seus interesses jurídicos materiais e morais.
No seu ministério privado, o advogado presta serviço público, constituindo, com os juízes e membros do Ministério, elemento indispensável à administração da Justiça, como instituía o art. 68 da Lei 4.215/63 e proclama o art. 133 da Constituição.
Trata-se, pois, de figura indispensável do processo judicial, exercendo, na lide, a defesa do seu cliente.
A remuneração do advogado, o primeiro dos seus direitos, como a dos profissionais liberais, denomina-se “honorários”, que podem ser contratados, arbitrados ou fixados em sentença, por força da sucumbência.
A lei vigente pôs fim à controvérsia que lavrava na doutrina e na jurisprudência quanto à titularidade dos honorários de sucumbência. Afirmavam renomados juristas que pertenciam ao cliente vitorioso na lide, pois se justificariam como ressarcimento à parte pelos ônus despendidos para a defesa do seu legítimo interesse jurídico.
Interpretavam, então, literalmente, o disposto no art. 20 do CPC, não obstante a Lei 4.215/63 afirmasse o “direito autônomo” dos advogados sobre tais honorários.
A Lei 8.906/94 veio dissipar todas as dúvidas sérias a respeito do tema, positivando, peremptoriamente, nos seus artigos 22 e 23:
Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.
Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor.
E no art. 24 e parágrafos o Estatuto da Advocacia assegura ao advogado a execução dos honorários:
Art. 24. A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial.
§ 1º. A execução dos honorários pode ser promovida nos mesmos autos da ação em que tenha atuado o advogado, se assim lhe convier.
§ 2º. Na hipótese de falecimento ou incapacidade civil do advogado, os honorários de sucumbência, proporcionais ao trabalho realizado, são recebidos por seus sucessores ou representantes legais.
§ 4º. O acordo feito pelo cliente do advogado e a parte contrária, salvo a aquiescência do profissional, não lhe prejudica os honorários, quer os convencionados, quer os concedidos por sentença.
O Pretório Excelso, por suas 1ª e 2ª Turmas, assentou a jurisprudência positivando a natureza jurídica de contraprestação alimentar dos honorários advocatícios de qualquer espécie (RREE ns. 146.318-0/SP (2ª T.), 170.220-6/SP (2ª T.) e 470.407-2/DF (1ª T.).
O STJ, de igual modo, pacificou a sua jurisprudência proclamando a natureza alimentar dos honorários de sucumbência, como se pode observar nos ERESP ns. 706.331/R (CE); 724.158/PR (CE), 854.535/RS (1ª S.), e inúmeros julgados das Seções e Turmas.
E o fez também com apoio nos artigos 19, parágrafo único, I, da Lei nº 11.033/04, e 649, IV, do CPC, que incisivamente estabelecem:
Art. 19. O levantamento ou a autorização para depósito em conta bancária de valores decorrentes de precatório judicial somente poderá ocorrer mediante a apresentação ao juízo de certidão negativa de tributos federais, estaduais, municipais, bem como certidão de regularidade para com a Seguridade Social, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS e a Dívida Ativa da União, depois de ouvida a Fazenda Pública. (Vide ADIN 3.453-7)
Parágrafo único. Não se aplica o disposto no caput deste artigo:
I – aos créditos de natureza alimentar, inclusive honorários advocatícios;
Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:
(…) IV – os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3º deste artigo; (CPC – Redação da Lei nº 11.382/06)
No direito brasileiro temos, pois, como verdade dogmática, que os honorários de qualquer espécie, inclusive os de sucumbência, pertencem ao advogado, e o contrato, a decisão e a sentença que os estabelecem são títulos executivos.
Não há, pois, como negar a propriedade do advogado sobre os honorários de sucumbência.
A sucumbência
O princípio processual da sucumbência, a disttrazione italiana, foi inserido no art. 20 do CPC, que dispõe:
Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Essa verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria.
A norma é imperativa: condenará. Ao Juiz não resta senão estabelecer o quantum dos honorários devido ao advogado, dentro dos parâmetros instituídos nos §§ 3º, 4º e 5º do art. 20.
A princípio, a jurisprudência condicionou a condenação nos honorários de sucumbência a requerimento formulado pela parte. A Súmula 256 do STF, porém, proclamou a desnecessidade de pedido expresso para a condenação nos honorários de sucumbência:
Súmula 256 STF. É dispensável pedido expresso para condenação do réu em honorários, com fundamento nos arts. 63 ou 64 do Código de Processo Civil.
Temos, então, que pertencem ao advogado os honorários de sucumbência, a cujo pagamento o Juiz, na sentença, condenará o vencido. Duas são as premissas inafastáveis ao silogismo:
i. O advogado é titular do direito patrimonial aos honorários de sucumbência, cujo pagamento o Juiz deverá impor ao vencido, haja ou não pedido expresso formulado nos autos.
ii. Poderá ocorrer, porém, que o Juiz, embora obrigado a condenar o vencido ao pagamento da verba honorária, não o faça.
Perguntar-se-á: quem poderá recorrer contra a omissão?
YOUSSEF CAHALI, o maior tratadista sobre a matéria, dilucidando sobre a autonomia do direito do advogado, ratificada pelo art. 23 da Lei 8.906/94, afirma a sua legitimidade para recorrer, em nome próprio:
“Mas também, referindo-se agora que tais honorários pertencem ao advogado, impende reconhecer que este encontra-se agora investido de legitimidade, também para recorrer, em nome próprio, da sentença proferida em favor do cliente, na parte referente aos honorários da sucumbência, seja no caso de ter sido negada a verba, seja igualmente no caso de ter sido esta fixada em quantia irrisória, ou desconforme às regras do art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC.” (In “Honorários Advocatícios”, 3. ed., RT, p. 809).
Vale notar que, nos autos da ação originária, o advogado atua em nome do cliente, mas a sentença, como ensina CHIOVENDA, faz nascer em seu favor o direito à verba honorária, o que assegura o direito de recorrer também em nome próprio.
Mas a autonomia do direito do advogado aos honorários não impede a execução da sentença em nome do cliente. É, aliás, dever do advogado fazê-lo, na hipótese de permanecer exercendo o mandato. Investido, pela sentença, do direito à percepção dos honorários de sucumbência, instaurar-se-ia, na execução da sentença proferida na ação originária, um litisconsórcio entre o constituinte e o advogado, como esclarece CAHALI:
“Com a titularidade do direito aos honorários da sucumbência, que agora lhe é expressamente atribuída, o advogado é introduzido, de alguma forma, na relação processual que se estabelece a partir da sentença condenatória nessa parte, quando antes, o processo seria quanto a ele uma res inter alios.( Id. Ib., p. 804)
……………………………………………………………………………
Com esta inserção do advogado no polo da relação executória, na parte referente aos honorários da sucumbência, sem a necessária ou concomitante exclusão do vencedor titular do todo da condenação principal, permite-se reconhecer agora, na hipótese, mesmo por analogia, o estabelecimento de um litisconsórcio facultativo entre o advogado e o cliente, fundado na solidariedade ativa que entre ambos se configura, na parte referente aos honorários da sucumbência, respeitado sempre o direito autônomo do advogado a tais honorários que lhe pertencem.” (Aut. ob. cit., id. p. 805).
Após afirmar que o advogado é credor da parte vencida por força do disposto no art. 23 do Estatuto, CANDIDO DINAMARCO positiva:
“A segunda das disposições contidas no art. 23, consistente na afirmação do direito autônomo para executar a sentença nessa parte, é de natureza processual e conceitua-se como norma concessiva de legitimidade ad causam ativa. Tal direito autônomo outra coisa não é senão a legitimidade para promover aquela execução (CPC, art. 3º). É uma legitimidade ordinária, não extraordinária, porque o profissional que promove aquela execução está a atuar em nome próprio, por um interesse próprio e não alheio. Essa é uma projeção do primeiro dos preceitos contidos no art. 23 porque obviamente, sendo ele próprio o credor e não o constituinte, o que vier a pedir será pedido para si e não para outrem.” (In “Fundamentos do Processo Civil Moderno”, 4. ed., M. t. I, p. 692)
Não mais permanecendo como patrono do cliente, o advogado terá direito a requerer o arbitramento dos seus honorários. Mas, se o substabelecimento ou a revogação da procuração ocorrer após o trânsito em julgado da sentença, os honorários da sucumbência lhe pertencerão, e deverá, na hipótese, promover a execução em seu próprio nome.
A coisa julgada
Transitada a sentença em julgado, temos formada a eficácia imutável e indiscutível, com força de lei nos limites da lide e das questões decididas.
Ora, é indiscutível que uma das questões imperativamente decididas será, sempre, em todas as ações ajuizadas perante o Estado (salvo a exceção em que se admite a defesa pela própria parte), a relativa à sucumbência, com a condenação impositiva do vencido ao pagamento dos honorários advocatícios.
Temos, então, que haverá sempre, na coisa julgada, a declaração de direitos: o reconhecimento da pretensão do Autor, se procedente a ação, ou a negação do direito reclamado, caso improcedente a ação; e, em qualquer hipótese, procedente ou não a ação, a condenação do vencido ao pagamento dos honorários de sucumbência, devidos ao advogado do vencedor, de natureza remuneratória alimentar, como já assentaram o STF e o STJ (RREE 470.407 e ERESP 706.331), pacificando a jurisprudência nacional, em consonância com o art. 22 e seguintes da Lei 8.906/94, art. 19, parágrafo único, I, da Lei 11.033/04, e art. 649, IV, do CPC, acrescentado pela Lei 11.382/06.
Ação rescisória
PONTES DE MIRANDA no seu “Tratado das Ações” classifica a ação rescisória como de natureza constitutiva negativa, positivando que “na ação rescisória há julgamento de julgamento. É, pois, processo sobre novo processo. Nela, e por ela, não se examina o direito de alguém, mas a sentença passada em julgado, a prestação jurisdicional, não apenas apresentada (seria recurso), mas já entregue. É remédio jurídico processual autônomo. O seu objeto é a própria sentença rescindenda — porque ataca a coisa julgada formal de tal sentença — a sententia lata et data. Retenha-se o enunciado: ataque a coisa julgada formal.” (Autor. ob. cit., tomo IV, RT, 1973, p. 499)
Continuando a ensinar, diz o mestre que “exercida a pretensão à rescisão e rescindida a sentença, ultima-se o juízo rescindente”, para concluir: “A sentença na ação rescisória, quanto ao juízo rescindente, rompe, cinde a sentença; havia sentença; não há mais”. (Aut. ob. cit., p. 509).
BARBOSA MOREIRA, comentando o art. 485 do CPC, afirma que “enquanto não rescindida, apesar de defeituosa, a sentença tem força que normalmente teria, e produz os efeitos que normalmente produziria, se nenhum vício contivesse”, referindo-se a comentário do mestre Pontes de Miranda, em pé de página n. 151: “A eficácia da sentença rescindível é completa, como se não fosse rescindível” (In “Coment. ao CPC”, vol. V, 4. ed., Forense, p. 131).
A sentença rescindível, vale dizer, a coisa julgada, permanece eficaz enquanto não rescindida. E como estabelece o art. 24 da Lei 8.906/94, é título executivo, podendo processar-se a execução dos honorários nos mesmos autos da ação ou em outro processo próprio.
Assim, temos como verdades assentadas que a sentença condenará o vencido ao pagamento de honorários de sucumbência; que pertencem ao advogado do vencedor na lide; que a coisa julgada rescindível manterá eficácia enquanto não for rescindida; que o capítulo condenatório da sentença é título executivo, de propriedade do advogado; que a verba honorária é remuneratória alimentar e é absolutamente impenhorável (art. 649, IV, do CPC).
Citação necessária
Titular de direito líquido e certo constituído pela coisa julgada, poderá sofrer o advogado ameaça ao seu patrimônio sem ser citado para integrar a lide rescisória?
No Estado democrático de Direito da República do Brasil:
“A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, XXXV, CF); “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (art. 5º, XXXVI CF); “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (art. 5º, LIV, CF); “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (art. 5º, LV, CF).
Dúvidas não podem restar quanto à titularidade do direito do advogado aos honorários de sucumbência constituído pela coisa julga ex vi legis.
Direito material conferido pela sentença rescindenda poderá ser ameaçado, aniquilado, desconstituído pela sentença a ser proferida na ação rescisória sem que ao advogado, titular de direito substantivo executável, seja dada oportunidade de defesa? Poderá o causídico perder seu patrimônio, a contraprestação do seu trabalho de natureza alimentar, sem ser chamado à lide para exercer o contraditório?
A “citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender” (art. 213 do CPC) e “para a validade de processo é indispensável a citação inicial do réu” (art. 214 do CPC).
No direito brasileiro, a falta de citação do réu ou interessado, importa nulidade do processo (art. 245, parágrafo único c/c art. 248 CPC).
CÂNDIDO DINAMARCO, no seu livro “Instituições de Direito Processual Civil”, acentua que “a citação tem importância de primeiríssima grandeza no sistema do processo civil, porque dela depende estritamente a efetividade da garantia constitucional do contraditório”.
E não pode caber na cabeça de ninguém possa alguém ser ameaçado ou privado de seus bens sem o devido processo legal, de que são corolários o contraditório e a ampla defesa.
Aferram-se, porém, alguns na interpretação literal do art. 487 do CPC, negando ao advogado a condição de litisconsorte necessário na lide rescisória. Dizem que o advogado não seria parte na ação originária e, por isso, não poderia figurar na lide rescisória. Raciocinam, ainda, esclerosadamente, sob o enfoque de que a sucumbência teria o caráter de ressarcimento, pertencente a verba honorária ao cliente vencedor da lide.
Data venia, na vigência da Lei nº 8.906/94, o raciocínio é caduco, não resiste ao simples confronto com as leis vigentes e com a jurisprudência pacífica do STF e do STJ, uníssonas no proclamar a natureza remuneratória e alimentar dos honorários.
Os honorários de sucumbência pertencem ao advogado e a condenação do vencido constitui um dos capítulos necessários de toda e qualquer sentença, inclusive na de improcedência da ação.
O direito constituído pela sentença, o capítulo da coisa julgada que o inseriu na esfera jurídica do advogado vitorioso, não poderá ser anulado sem que o titular dele seja chamado à lide rescisória.
O advogado é, sim, litisconsorte necessário do cliente. A coisa julgada que lhe conferiu o direito não poderá ser rescindida sem que sejam, ambos, citados para a ação rescisória, de modo a que possam, de per se, em nome próprio, exercer o contraditório e a ampla defesa.
Outra não pode ser a conclusão lógica face aos termos dos art. 46, II, e 47 do CPC, que valem transcritos:
Art. 46. Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando:
(…) II – os direitos ou as obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito;
Art. 47. Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo.
O capítulo condenatório da sentença em honorários de sucumbência estará sempre imbrincado ao direito da parte vitoriosa, seja ou não procedente a ação ou procedente em parte, como enuncia a Súmula 306 do STJ:
Súmula 306. Os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte.
Pertencendo ao advogado os honorários da sucumbência, é indubitável que a sentença o faz integrante da lide desde a ação originária, com direito patrimonial próprio, autônomo, executável. Credor de honorários conferidos pela coisa julgada ex vi legis, o advogado tem legítimo e indiscutível interesse jurídico a defender na ação rescisória. O seu direito não poderá ser ameaçado ou desconstituído sem a sua presença na lide rescisória para exercer o imprescindível exercício do contraditório e da ampla defesa. O Professor FREDERICO MARQUES, no seu “Manual de Direito Processual Civil”, ensina: “Legitimado passivo, na ação rescisória, é aquele em favor de quem foi proferida a sentença passada em julgado, bem como seu sucessor a título universal ou singular”.
O Ministro LUIZ FUX, renomado processualista, positiva que “o processo tem que ter a participação de todos aqueles em relação aos quais a sentença vai influir na esfera jurídica”.
Por óbvio, a pretensão rescisória poderá restringir-se a vício contido no capítulo da sentença condenatória relativo aos honorários de sucumbência. Na hipótese, indiscutível a legitimação ad causam do advogado. O saudoso Ministro COQUEIJO COSTA já a afirmava na vigência da Lei 4.215:
“Na rescisória, proposta pela parte condenada na ação originária, indevida ou irregularmente, em honorários advocatícios, o réu legitimamente passivo é o advogado, já que o crédito de tal parcela sentencial lhe pertence de direito, autorizando-o a mover ação de execução independente para cobrar a verba honorária, ou, se for o caso, pedir precatório expedido em seu nome. É o que dessume da Lei 4.215, de 27.04.63.” ( Aut. ob. cit., 7. ed., revista e atualizada pelo jurista Gustavo Lanat Pedreira de Cerqueira, que em nota ao item 94 reafirma a lição face a Lei 8.906/94)
O eminente Ministro CLÁUDIO SANTOS, festejado processualista, em artigo intitulado “O advogado credor de honorários na sentença e a ação rescisória”, assinalou:
“O direito material disciplinado em lei (Estatuto da Advocacia), ou seja, a titularidade dos honorários, e surgido na sentença, entretanto, somente pode ser atingido, através da desconstituição daquela sentença, se presente o verdadeiro interessado na verba honorária, o seu proprietário, tanto mais que transitada em julgado a sentença, surgida a coisa julgada, torna-se imutável e indiscutível.
Portanto a ação rescisória com o objetivo de rescindir a sentença, no concernente à sucumbência, como no caso, importa em ameaça de desfalque ao patrimônio do advogado, o que torna imperativa sua indispensável presença no processo, como parte. Se assim não se entender, inafastável é a ideia de estar-se diante de uma espécie de litisconsórcio necessário, por força dos vínculos de direito material antes demonstrados, decorrentes da lei (Estatuto da Advocacia) ou mesmo da natureza da relação jurídica (art. 47 do CPC).
Daí a decisão proferida na ação rescisória contra a parte, necessariamente, deveria ser uniforme em relação àquela e ao verdadeiro titular dos honorários, o advogado, o que não é possível por não terem sido estes citados ou chamados para integrar o polo passivo da ação rescisória” (Aut. ob. cit., publ. in “Revista de Direito Renovar”, n. 13, pp. 15 e 20, jan/abril de 1999).
FREDIE DIDIER JR. e LEONARDO JOSÉ CARNEIRO DA CUNHA, no “Curso de Direito Processual Civil”, embora classificando o advogado como terceiro na ação rescisória, positivam:
“Merece consideração especial a possibilidade de que seja legitimado para integrar o polo passivo da ação rescisória terceiro que não integrou a relação processual da ação matriz. Essa possibilidade depende diretamente do pedido deduzido no juízo rescisório.
A possibilidade acima referida relaciona-se perfeitamente com o caso de uma ação rescisória que objetiva exclusivamente a desconstituição do capítulo da sentença reservado à condenação ao pagamento dos honorários advocatícios. O advogado da parte do processo originário, à época um terceiro, apresenta-se, nessa oportunidade, na posição de parte da relação jurídica material que está sendo objeto da discussão em sede de rescisória. Assim, parece claro que essa ação rescisória trata de questão de interesse somente do advogado e não mais de seu cliente/representado, o que torna imprescindível a participação daquele na relação processual estabelecida.
Enfim, a legitimidade passiva na ação rescisória deve observar o capítulo da decisão que se busca rescindir, para identificar quem é o titular atual do direito ali certificado, que será a parte legítima nessa ação autônoma de impugnação.” (Aut. ob. cit., 3. v. p. 258)
Há quem defenda a tese de que o crédito aos honorários advocatícios só poderá ser rescindido se houver pedido explícito de rescisão dessa parte do julgado, por isso que corresponde tal verba à contraprestação de serviços profissionais prestados na ação originária. Penso que não, embora não afaste a possibilidade de rediscutir a tese. É que, nascendo com a sentença o direito aos honorários de sucumbência, uma vez anulada, cessarão os seus efeitos. Por certo se os vícios da sentença disserem respeito apenas ao capítulo dos honorários, será o advogado credor o legitimado para responder a ação rescisória. Mas, se o objeto da ação for a rescisão integral da sentença, todos os direitos por ela constituídos estarão ameaçados de aniquilamento, inclusive o direito aos honorários devidos por uma sucumbência submetida à anulação.
São vários os precedentes jurisprudenciais de ações rescisórias propostas contra advogados, valendo transcritas as suas ementas:
AÇÃO RESCISÓRIA LIMITADA A VERBA HONORÁRIA. ESTANDO O ADVOGADO, CONFORME A LEI ESPECIAL, LEGITIMADO PARA COBRAR A VERBA HONORÁRIA, HAVENDO PRETENSÃO RESCISÓRIA QUE BUSCA EXATAMENTE A REDUÇÃO DOS HONORÁRIOS É ELE LEGITIMADO PASSIVAMENTE.
(Ação Rescisória nº 598470615 – Rel. Des. Cezar Tasso Gomes, Rel. p/ acórdão Bayard Ney de Freitas Barcellos, 6º Grupo de Cam. Cíveis do TJ/RS, julgado em 24/11/2000).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO RESCISÓRIA – HONORÁRIOS EM MANDADO DE SEGURANÇA – ADVOGADOS – LEGITIMIDADE PASSIVA – VIOLAÇÃO DE LITERAL DISPOSIÇÃO DA LEI – QUESTÃO DIRIMIDA PELA JURISPRUDÊNCIA – INOCORRÊNCIA – JURISPRUDÊNCIA.
Considerando que, embora não titulares da causa, os advogados do vencedor são os destinatários dos honorários deferidos pela sucumbência, tendo, inclusive, legitimidade para, na forma autônoma, executar dita verba, podem e devem eles figurar no polo passivo da rescisória onde o que se busca é exatamente desvalidar a condenação ao pagamento de honorários advocatícios.
(Ação rescisória nº 1.0000.04.409417-5/000 [I] – Rel.Des. Moreira Diniz, 7º Grupo de Câmaras Cíveis do TJ/MG, publ. em 24/11/2006)
E não são poucos os feitos em que o cliente e o advogado são chamados à lide rescisória, com se pode observar na AR 3219-RS, julgada pela 2ª Seção do STJ:
AÇÃO RESCISÓRIA Nº 3.219 – RS (2004/0173585-6)
RELATOR: MINISTRO JORGE SCARTEZZINI
R.P/ACÓRDÃO: MINISTRO CASTRO FILHO
REVISORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
AUTOR: BANCO DO BRASIL S/A
ADVOGADO: ORIVAL GRAHL E OUTRO(S)
RÉU: MARSIAJ OLIVEIRA INCORPORAÇÕES IMOBILIÁRIAS LTDA – MASSA FALIDA
REPR. POR: OTÁVIO AUGUSTO FONTOURA – SÍNDICO
RÉU: PAULO MARSIAJ OLIVEIRA
RÉU: PAULO ANNÍBAL BECK OLIVEIRA
RÉU: JOSÉ AUGUSTO GOMES MARTINS
RÉU: MARTHA BECK OLIVEIRA MARTINS
RÉU: MYRIAN LAIS CUNHA BECK DE OLIVEIRA
RÉU: OSWALDO SÉRGIO DA CUNHA BECK – ESPÓLIO
REPR. POR: OSWALDO SÉRGIO FERREIRA BECK
RÉU: CECI FERREIRA BECK – ESPÓLIO
REPR. POR: PAULO ANNÍBAL BECK OLIVEIRA
LITIS.: FERNANDO CHAGAS CARVALHO NETO E OUTRO
ADVOGADOS: PAULO ROBERTO SARAIVA DA COSTA LEITE SILAS NUNES GOULART
EMENTA
AÇÃO RESCISÓRIA COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO.DESCABIMENTO.
A ação rescisória não é sucedâneo de recurso não interposto no momento apropriado, nem se destina a corrigir eventual injustiça de decisão. Constitui demanda de natureza excepcional, de sorte que seus pressupostos devem ser observados com rigor, sob pena de ser transformada em espécie de recurso ordinário para rever decisão já ao abrigo da coisa julgada. Pedido rescisório improcedente.
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, após divergência inaugurada pelo Ministro Castro Filho, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Ari Pargendler julgar improcedente a Ação Rescisória, no que foi acompanhado pelo Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, a Seção, por maioria, julgar improcedente a Ação Rescisória, vencidos o Sr. Ministro Relator e a Sra. Ministra Nancy Andrighi, que a julgavam procedente, em parte.
Quanto aos honorários advocatícios, a Seção, por maioria, fixou-os em 10 % sobre o valor da causa, vencidos, no ponto, os Srs. Ministros Castro Filho e Carlos Alberto Menezes Direito.
Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Castro Filho.
Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Hélio Quaglia Barbosa e Cesar Asfor Rocha (art. 162, § 2º, RISTJ).
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa.
Brasília, 14 de fevereiro de 2007. (Data do Julgamento)
MINISTRO CASTRO FILHO
Redator p/ acórdão
Tem curso perante o Terceiro Grupo Cível da Comarca de Porto Alegre a ação rescisória registrada sob nº 70023973654, proposta contra as partes originais e seus advogados pela Central Distribuição de Alimentos Ltda., representada pelos ilustres advogados e renomados processualistas Adroaldo Furtado Fabrício, Athos Gusmão Carneiro, Carlos Alberto Álvaro de Oliveira e Jorge A.A. do Amaral. Dentre os advogados citados para responder a ação figura o jurisconsulto Sergio Bermudes.
Enfim, na ação rescisória devem figurar todos os titulares de direitos constituídos pela coisa julgada, cuja esfera jurídica seja ameaçada de desconstituição. É a lição dos mais eminentes processualistas brasileiros, consagrada pela jurisprudência dos tribunais.
Conclusão
Não é possível, no direito brasileiro, negar ao advogado a defesa do seu patrimônio constituído pela coisa julgada, em contraprestação dos relevantes e imprescindíveis serviços profissionais prestados na lide originária. Vigente a Constituição e o sistema legal democraticamente instituídos, não é possível imaginar possa alguém ser destituído de direito conferido pela coisa julgada sem ser chamado à lide rescisória para exercer as prerrogativas universais do contraditório e da ampla defesa, consoante o devido processo legal. O advogado credor de honorários de sucumbência será sempre litisconsorte necessário da parte Ré na ação rescisória para defender o direito material inserido na sua esfera jurídica pessoal pela coisa julgada. E se não for citado para dela participar, não poderá ser impedido o seu ingresso na lide, sob pena de nulidade do processo rescisório, pois no direito brasileiro ninguém poderá ser ameaçado ou perder os seus direitos sem o devido processo legal, dentre os quais o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, incisos XXXV, XXXVI, LIV e LV), pilares fundamentais do processo e da cidadania.