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O advogado-geral da União e a ação direta de inconstitucionalidade

5 de janeiro de 2001

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A competência prevista no § 3Q do art. 103 da Constituição Federal é interpretada pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de constituir um múnus indisponível, tal como assentado no julgamento da questão de ordem suscitada na ADI nº 72, nos seguintes termos: ” … Erigido curador da presunção da constitucionalidade da lei, ao advogado geral da União, ou quem lhe faça as vezes, não cabe admitir a invalidez da norma impugnada incumbindo-lhe, sim, para satisfazer requisitos de validade do processo da ação direita, promover-lhe a defesa, veiculando os argumentos disponíveis.” (Relator ministro Sepúlveda Pertence, RTJ 131/958).

No mesmo sentido, o decidido na Questão de Ordem na ADIN nº 97/RO que orientou as considerações tecidas no julgamento da ADINQO 72/ES (RTJ-131/ 959) – possui a seguinte enunciação:

“Não existe contradição entre 0 exercício da função normal do advogado-geral da União, fixada no caput do art. 131 da Carta Magna, e 0 da de defesa de norma ou até inquinado, em tese, como inconstitucional, quando funciona como curador especial, por causa do princípio da presunção de sua constitucionalidade” (Relator ministro Moreira Alves, RTJ 131/470).

FIDELIDADE. Entendimento semelhante viu-se reiterado nos julgamentos do Agravo Regimental na ADIN/MC nº 1254/RJ (relator ministro Celso de Mello, DJ 19/9/ 97, p. 45530) e da ADINMC 1434/SP (relator ministro Celso de Mello, DJ 22/11/ 96, p. 45684).

Parece oportuno ressaltar, contudo, o necessário reconhecimento de uma redução teleológica no alcance da norma inserta no § 3º do art. 103 da Constituição Federal. Com efeito, o advogado-geral da União, na condição de órgão constitucional, ostenta um “dever de fidelidade a Constituição” e, por conseguinte, o exercício de seu múnus orienta-se igualmente por esse dever fundamental.

A jurisprudência do STF reconhece que, ao apreciar a constitucionalidade de determinada norma, a Corte assim procede em face de toda a Constituição. Dessarte, afigura-se legítima a pressuposição de que, uma vez examinada determinada tese jurídica, foram esgotados os argumentos relativos a sua legitimidade em face da integralidade do parâmetro de controle consubstanciado pelo texto constitucional (“2 …., pois, havendo, nesse processo objetivo, argüição de inconstitucionalidade, a Corte deve considerá-la sob todos os aspectos em face da Constituição e não apenas diante daqueles focalizados pelo autor. 3. É de se presumir, então, que, no precedente, ao menos implicitamente, hajam sido considerados quaisquer fundamentos para eventual argüição de inconstitucionalidade, inclusive os apresentados na inicial da presente ação.” (ADIN 1896/DF, Relator ministro Sydney Sanches, DJ 18/2/1999, p. 4).

Do mesmo modo, a eficácia erga nomes e o efeito vinculante – que, como sustentamos, são próprios à natureza e ao caráter bivalente do controle abstrato de normas (isto e, incorporando tanto as ações diretas de inconstitucionalidade como as ações declaratórias de constitucionalidade: vide, a respeito, Mendes, Gilmar Ferreira, “A ação Declaratória de Constitucionalidade: a inovação da Emenda Constitucional nº 3, de 1993”, in Martins & Mendes, ação Declaratória de Constitucionalidade, São Paulo, Saraiva, 1994, pp. 51-106) impedem ate mesmo o advogado-geral da União de recalcitrar na vincula9ao aos “fundamentos determinantes” das decisões anteriores e na sua observância quando da repeti9ao de hipóteses normativas semelhantes.

ISONOMIA. Por igual, é também o princípio da isonomia que impõe a aplicação da mesma orientação normativa – ou dos fundamentos determinantes da decisão aptos a caracterizar o efeito vinculante – as hipóteses normativas semelhantes. Por fim (e esta é a razão decisiva em face das exigências da jurisprudência desse Pretório Excelso), a existência de decisão anterior sobre a matéria elide a presunção de constitucionalidade da qual seria curador o advogado-geral da União.

Nessa medida, sustentar a obrigatoriedade de defesa do ate impugnado em havendo decisão anterior da Suprema Corte cujos fundamentos determinantes indicam a ilegitimidade do ate impugnado implicaria admitir a existência de um “advogado da inconstitucionalidade”.

Essa anomalia institucional e rigorosamente incompatível com os imperativos, a natureza e os efeitos da decisão típica do controle abstrato de normas – contrariando, de resto, o principio da máxima efetividade das normas constitucionais (Canotilho, J.J. Gomes, Direito Constitucional & Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 1998, 2ª ed. P. 1097).

Observe-se que, a esse respeito, o relatório da PEC 96-E (reforma do Judiciário) apresentado na Câmara dos Deputados contem solução radical: propõe a supressão do § 3Q do artigo 103 da Constituição Federal. Haver-se-ia ao menos, por conseguinte, de reduzir o alcance das exigências do § 3Q do art. 103 da Constituição Federal para aquelas hipóteses em que inexiste previa manifesta9ao do Supremo Tribunal Federal acerca das questões fundamentais versadas no processo de controle abstrato de normas.

Havendo decisão da Corte Constitucional sobre a matéria, impõe-se ao advogado-geral da União, no cumprimento de seu dever de fidelidade a Constituição (como órgão constitucional que e), a adução de um ótimo de informações relativas a jurisprudência constitucional sobre a matéria e a atuação apta a viabilizar a máxima eficácia da ordem constitucional – e, em especial, a realiza9ao da missão da jurisdi9ao constitucional.

A Advocacia-Geral da União tem seguido essa tese, e, nesse sentido, vem se manifestando pela inconstitucionalidade de atos que manifestamente contrariem a jurispru-dência do STF. Assim procedeu a AGU, por exemplo, nas ADlns 1.777, 1.776,1.914,2.079,2.093,2.101,2.115, 2.130,2.137,2.170,2.192 e 2.307, esperando que 0 Supremo Tribunal Federal reveja a jurisprudência iniciada com 0 precedente na ADINQO nº 72.