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O beijo da morte aos aposentados

5 de agosto de 2005

Presidente da Academia Amazonense de Medicina, Benemérito da Academia Nacional de Medicina

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Você que é aposentado ou pensionista do INSS… faça um empréstimo no Banco tal”.

Aí está oficializado o crédito com desconto na folha de pagamento ou no benefício recebido do INSS, regulamentado pelo governo brasileiro, de acordo com a Instrução Normativa nº 121.

O que aparentemente se apresenta como vantagem passa a ser um pesadelo a mais na vida dos sofridos aposentados do Brasil, atraídos por empréstimos a juros baixos (anunciados a pouco mais de 1% ao mês), quando na realidade, se computados a “Taxa de Abertura de Crédito”, o “Imposto sobre Operações Financeiras” e os juros sobre juros, chegam no final da conta a ultrapassar a casa dos 5,50% ao mês.

Anunciados na mídia por meio de propagandas enganosas, incluindo a participação de artistas conhecidos do grande público, as operações relacionadas ao crédito consignado com desconto no benefício recebido passaram a ser para os Bancos mais uma excelente fonte de renda e para os inativos e pensionistas um duro golpe em suas vidas.

Por envolver vultosas quantias de dinheiro – quase 8 bilhões de reais emprestados a mais de 3 milhões de aposentados e pensionistas, o que representa cerca de 17% dos benefícios da Previdência Social e mais de 30% dos créditos operados pelos Bancos – e não oferecer risco algum às Instituições Bancárias -, essa forma de empréstimo, que retira muito de quem tem muito pouco, passou a ser um grave problema aos brasileiros da terceira idade. Tudo isso contando com a anuência do governo e a omissão do Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária.

A atual política vigente no Brasil para os seus trabalhadores, no que concerne à aposentadoria, é com certeza uma das mais desiguais do planeta. Àqueles que ganham polpudos salários e que são detentores de mordomias advindas dos cargos que ocupam, a aposentadoria, que comumente só acontece no limite da idade compulsória (hoje aos 70 anos), é concedida integral e corrigida. No entanto, para a grande maioria dos trabalhadores, que recebem baixos salários, além do limite mínimo de idade (55 para mulheres e 60 para homens), a aposentadoria é paga com proventos defasados e não corrigidos integralmente quando comparada com os paradigmas dos que permanecem em atividade.

Essa grande maioria, mesmo tendo completado o tempo de serviço, por ser forçada a pagar pedágio do limite mínimo de idade, deixa de obter renda adicional quando ainda tem capacidade laborativa para fazê-la, e, com os proventos defasados, seus ganhos são insuficientes para sobrevivência, considerando-se que cerca de 30% dos seus rendimentos são gastos com medicamentos prescritos para uso continuado no controle de doenças crônico-degenerativas, tais como hipertensão arterial, diabetes, reumatismos e glaucoma, dentre muitas outras.

“O dinheiro extra” oferecido aos aposentados, na forma em que está sendo negociado, está a urgir por providências de reparo, por quem de direito, por ferir frontalmente o artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor e as normas emanadas da Associação dos Direitos Financeiros do Consumidor. Também o controle do lucro, das taxas de juros e da dinâmica das operações financeiras praticado pelos Bancos constitui-se numa das prioridades na prestação de contas do governo à sociedade.

Os aposentados, após terem sido vítimas de ações leoninas e extorsivas decorrentes de propagandas enganosas, e ludibriados na sua boa-fé, vendo-se impotentes e patéticos, só lhes resta uma alternativa: cortar dos seus parcos orçamentos os gastos com medicamentos imprescindíveis para o cuidado da saúde, o que se traduz, na prática, em cortar a própria carne e disso advirem tanto deficiências físicas e mentais quanto redução do tempo de vida.

Eis a dura realidade dos fatos: maior número de óbitos, maior gasto do Sistema Único de Saúde com os atendimentos de alta complexidade e aumento do número de deficientes, todos certamente agravados por essa situação inusitada e nada recomendável.

Se o governo brasileiro quisesse dar um óbolo à sua sofrida população de aposentados, poderia muito bem utilizar parte dos recursos dos seus Fundos de Pensão, muitas vezes utilizados de forma equivocada para salvar Bancos falidos (e.g. PROER), e emprestar (via suas instituições creditícias) aos inativos, com taxas de juros não superiores às aplicadas às cadernetas de poupanças, e distribuir gratuitamente, de forma regular e continuada, os medicamentos para o controle das enfermidades comuns à terceira idade.

Aí, sim, estaria o governo ofertando como prêmio um ósculo de amor aos seus retirados, pois permitindo continuar esse estado de coisas está ratificando que o conforto que deseja oferecer aos seus aposentados nada mais é que o BEIJO DA MORTE!