Entrevista com a Desembargadora Federal Mônica Sifuentes, Presidente do TRF6
Natural de Belo Horizonte, onde se graduou em Direito e fez mestrado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Mônica Jacqueline Sifuentes ingressou na magistratura federal em 1993, primeiro como juíza federal e depois, entre 2010 e 2022, como desembargadora do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), no qual integrou a 2ª Seção, especializada em Direito Penal, Improbidade Administrativa e Desapropriações. Dentre as diversas funções administrativas exercidas na Corte, foi Corregedora-Regional da Justiça Federal da 1ª Região, cargo que, segundo ela, a “municiou com informações e práticas importantes para o exercício da presidência no novo Tribunal que iria se constituir”.
Autora de três livros, incluindo um romance, é doutora em Direito pela Universidade de Lisboa, em Portugal. Durante quase 15 anos, entre 2006 e 2021, atuou como juíza de ligação para a Convenção da Haia de 1980 sobre Sequestro Internacional de Menores e também como ponto de contato do Poder Judiciário brasileiro na Red Iberoamericana de Cooperación Jurídica Internacional (IBERRED). Por sua atuação internacional, chegou a ser indicada para compor o Tribunal Penal Internacional, em Haia, na Holanda.
Seu mais recente desafio profissional surgiu no ano passado, quando foi designada pela Presidência da República para compor o recém-criado Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6) e logo depois foi eleita por seus pares para presidir a Corte. Com jurisdição sobre Minas Gerais, o TRF6 é uma antiga reivindicação dos juristas mineiros, que acreditam que com ele será possível acelerar a tramitação dos processos oriundos do estado, além de desafogar o TRF1 – que passou a julgar “apenas” os processos do Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Piauí, Rondônia, Roraima e Tocantins.
Na entrevista a seguir a magistrada apresenta o novo panorama da Justiça Federal em Minas Gerais e fala sobre o desafio de presidir o mais novo Tribunal do Brasil.
Revista Justiça & Cidadania – Poucos magistrados podem dar o testemunho dessa experiência. Qual é a sensação de presidir os primeiros passos de um novo tribunal? Até agora, passados pouco mais de seis meses desde a instalação do TRF6, quais foram as principais dificuldades e conquistas?
Desembargadora Mônica Sifuentes – Essa pergunta sobre qual é a sensação de presidir os primeiros passos de um novo tribunal é realmente interessante… Às vezes dá medo, pela grandiosidade da tarefa, mas, por outro lado, o desafio é instigante e motivador, pelas infinitas possibilidades de construção de um grandioso legado para os cidadãos de Minas Gerais.
Passados mais de seis meses, é muito bacana olhar para trás e ver o que já construímos. E digo sempre, essa obra não é individual, ela é cooperativa, colaborativa e participativa. Todos nós – desembargadores federais, juízes federais, servidores, terceirizados e estagiários – estamos dando o melhor para que este Tribunal dê certo. Essa vontade de superar os limites está internalizada no corpo funcional. Sabemos que temos uma oportunidade única de experimentar um novo modelo de administração e de prestação jurisdicional – e isso entusiasma a todos.
Estamos passando por vários problemas nessa fase inicial de implantação. Problemas relativos especialmente à carência de pessoal, aos limites orçamentários, ao grande volume processual herdado do TRF1 e aos sistemas informatizados. Estamos assistindo ao gradativo esgotamento do sistema PJe, que tem apresentado inúmeras inconsistências. Por isso, o TRF6 decidiu adotar o eProc, utilizado pela 4ª Região, que é um sistema mais vantajoso do ponto de vista técnico.
Foi necessário reorganizar a estrutura judiciária e administrativa da Seção Judiciária de Minas Gerais; receber e distribuir os processos oriundos do TRF1; elaborar o regimento interno do Tribunal em tempo recorde; criar um portal na Internet e novos sistemas informatizados; assumir a gestão de mais de 50 sistemas de apoio judicial, oriundos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Conselho da Justiça Federal (CJF), do TRF1 e de diversos outros órgãos externos, viabilizados por meio de parcerias e convênios firmados.
Tivemos e ainda temos problemas de espaço físico também, os quais foram temporariamente mitigados com racionalidade e criatividade. As instalações da Seção Judiciária de Minas Gerais precisaram ser adaptadas para receber os 18 desembargadores federais e suas equipes. O mesmo ocorreu na implantação do plenário da Corte. Aproveitamos as salas de audiências das extintas turmas recursais para a realização das audiências das turmas especializadas do Tribunal.
Nesse período da implantação até meados de dezembro, foram atendidos mais de dois mil chamados registrados através do serviço “Fale conosco”, do PJe, abertos pelos usuários externos do TRF6 – jurisdicionados, partes, advogados, procuradorias, Justiça Estadual e Polícia Federal. Foi necessário criar uma força tarefa para a migração de cerca de 170 mil processos que estavam em andamento no sistema PJe do TRF1 e redistribuí-los aos gabinetes dos desembargadores.
Nas sessões inaugurais de julgamento das quatro turmas especializadas do TRF6, nos dias 8 e 9 de novembro, foram julgados 830 processos. Depois, até dezembro de 2022, foram julgados 246 processos pelas seções especializadas e 2.834 processos das sessões das turmas. Houve um julgamento recorde em nosso Tribunal, no dia 7 de fevereiro, quando a 2ª Turma julgou 832 processos em sua primeira sessão de 2023. Assim, considero que estamos tendo resultados de alta produtividade.
A Subsecretaria de Precatórios e Requisições de Pequenos Valores está acompanhando a gestão dos precatórios junto ao TRF1. Foram autuadas mais de 12 mil requisições no Sistema de Requisições de Pagamento Ágil (Sirea) até dezembro de 2022. Este ano, o TRF6 assumiu a gestão dos precatórios expedidos pelos juízos de execução vinculados à 6ª Região.
Felizmente, nesses seis meses, constatamos também várias conquistas: A Escola da Magistratura da 6ª Região, que está marcando presença na cena jurídica de Minas Gerais, com vários eventos de destaque, iniciou suas atividades com um belo evento cultural, realizado no dia 29 de novembro de 2022, em comemoração ao Dia da Consciência Negra; no dia 29 de agosto de 2022, apenas dez dias após a inauguração do TRF6, durante sessão plenária extraordinária, foi definida a organização das turmas e seções do TRF6 e as respectivas competências; no dia 29 de setembro subsequente, foi realizada a sessão plenária inaugural do Tribunal, pouco mais de um mês após a inauguração do Corte; no dia 24 de outubro de 2022, o Pleno do Superior Tribunal de Justiça referendou o Regimento Interno do TRF6; e nos dias 8 e 9 de novembro, as quatro turmas especializadas do TRF6 realizaram suas primeiras sessões de julgamento, todas no formato presencial. Estamos, portanto, já em dinâmico funcionamento, a despeito dos múltiplos desafios.
RJC – O TRF6 foi instalado em Belo Horizonte com o objetivo de acelerar o julgamento de processos no Estado de Minas Gerais e descentralizar a Justiça Federal no Brasil. Na competência anterior do TRF1, com jurisdição sobre 14 estados brasileiros – o equivalente a 80% do território nacional – as causas “mineiras” representavam 43% do total de processos. Qual é o tamanho e o teor do acervo com o qual os magistrados do TRF6 têm que lidar nesse começo das atividades do Tribunal?
DMS – Temos os dados da tramitação no período de 1º de setembro de 2022 a 22 de fevereiro de 2023. No TRF6, especificamente no segundo grau, tramitam 201.827 processos, foram distribuídos 39.392 e julgados 5.349. Podemos dizer que no segundo grau, em 22 de fevereiro de 2023, contamos com 199.526 processos em tramitação ajustada. Já no primeiro grau tramitam hoje 1.058.822 de processos. Foram distribuídos 128.856 processos e julgados 110.339 processos. Em tramitação ajustada, no primeiro grau, na mesma data, temos 595.502 processos.
RJC – Quais são as peculiaridades das demandas da Justiça Federal em Minas Gerais? Há diferenças de perfil em relação aos processos e recursos que chegam ao TRF-1?
DMS – A competência é a mesma do TRF1, sendo que temos um grande número de ações previdenciárias. Temos também ações ambientais importantes e de grande impacto, como as decorrentes dos desastres de Brumadinho e Mariana, processos para os quais a Presidência do Tribunal e a Corregedoria estão fortemente empenhadas para dar o suporte necessário aos juízes responsáveis pelos casos.
RJC – Há metas para reduzir o tempo de julgamento desses processos? Quais são as estratégias?
DMS – O TRF6 segue o Plano Estratégico da Justiça Federal para o período 2021-2026, acompanhando as metas definidas pelo Plano. Essas metas estão em fase de desdobramento no TRF6, pela equipe de Planejamento Estratégico, especificamente a Assessoria de Gestão Estratégica e Ciência de Dados (ASGES), juntamente com o Comitê de Gestão Estratégica da Justiça Federal da 6ª Região (CGER-JF6). Foi também elaborado o Mapa Estratégico do TRF6, que está em revisão, neste momento. Uma das metas principais, inclusive, é a Meta 1 de 2022, julgar mais processos que os distribuídos, ou seja, julgar uma quantidade maior de processos de conhecimento do que os distribuídos no ano corrente.
RJC – A senhora recentemente falou em dotar o TRF-6 de uma linguagem mais fácil de ser compreendida pela população. De que forma pretende alcançar esse objetivo?
DMS – O IluMinas, o Laboratório de Inovação do TRF6, desenvolveu uma cartilha de Linguagem Simples e de Visual Law, como resultado de uma capacitação feita em novembro de 2021, em parceria com o Laboratório de Inovação da Justiça Federal do Paraná. Esse estudo está avançando no TRF6, para que possamos implantar a linguagem simples de forma mais sistemática. A Cartilha está disponível em nosso portal (https://portal.trf6.jus.br/cartilha-de-termos-usados).
RJC – De que forma a instalação do TRF6 impactou a primeira instância da Justiça Federal em Minas Gerais? Houve mudanças no quantitativo de varas e magistrados?
DMS – Sim, houve uma modificação. De acordo com a Resolução nº 742/2021 do CJF, houve uma reestruturação das unidades do primeiro grau. Foram extintas três varas cíveis, duas varas de juizado especial federal e uma vara criminal, todas localizadas em Belo Horizonte. As secretarias dos juízos foram aglutinadas em quatro secretarias únicas – uma cível, uma criminal, uma de execução fiscal e uma de juizado especial federal. A sede da Seção Judiciária de Minas Gerais, em Belo Horizonte, passou a ser uma subseção judiciária, assim, a Justiça Federal de Minas Gerais passou a ter 27 subseções judiciárias.
RJC – Por uma determinação do CNJ, a Justiça Federal passou a ter varas que julgam delitos eleitorais. Acabamos de passar por um dos processos eleitorais mais conflituosos da história do País. Isso de alguma forma já se refletiu na vara especializada de Minas Gerais?
DMS – O Juízo da 2ª Vara Criminal/JEF (antiga 9ª Vara Federal) foi o escolhido pela Corregedoria Regional da Justiça Federal da 6ª Região para a especialização em delitos violentos com motivação político-partidária, na primeira instância. De acordo com informações daquela Vara, não foram localizados registros de casos no período.
RJC – O TRF6 vai aderir ao Pacto do Judiciário pela Equidade Racial, lançado em novembro passado, no CNJ, pelos presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF), do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST)? Há programas de promoção da igualdade racial e de gênero entre os servidores e magistrados da Corte?
DMS – Queremos que o TRF6, como Tribunal inovador, reverbere as lutas pelo avanço civilizatório que vêm sendo travadas na sociedade. Nesse sentido, formamos vários comitês e comissões para enfrentamento de questões cruciais como a igualdade racial, a violência doméstica e o assédio moral e sexual. Pretendemos que o TRF6 esteja na vanguarda dessas discussões importantes. Especificamente sobre o Comitê de Igualdade Racial, temos à frente o Juiz Auxiliar Grigório Carlos dos Santos, que está oferecendo uma enorme contribuição aos estudos do TRF6 sobre o tema.
RJC – A senhora atuou como juíza de enlace na Rede Internacional de Juízes da Convenção da Haia, tendo como foco a questão da subtração internacional de menores. Como se envolveu com essa temática?
DMS – Essa foi uma das grandes experiências da minha vida. Lidei como juíza de enlace para a Convenção da Haia de 1980, que trata da subtração internacional de crianças, por quase 15 anos. Eu e meu colega Jorge Maurique, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, fomos os primeiros a fazer esse trabalho, que consiste em intermediar a comunicação entre os juízes brasileiros e os juízes estrangeiros que estão para decidir esses casos. Em 2005, a Ministra Ellen Gracie, quando era Presidente do STF, resolveu criar um grupo de trabalho interinstitucional para tratar do tema e fomos ambos indicados a ela pelo CJF, para iniciar os estudos dos casos envolvendo os aspectos civis da subtração internacional de crianças. Até então o assunto era pouco conhecido no Brasil, assim, tivemos que começar do zero, inclusive publicando no site do STF os comentários à Convenção de 1980, obra coletiva de todos os membros do grupo. Hoje já temos um grupo coordenado pelo Desembargador Guilherme Calmon, do TRF2, do qual participam desembargadores de todos os Tribunais Regionais Federais. O representante do TRF6 no grupo é o Desembargador Pedro Felipe.
RJC – Além de magistrada, a senhora também é escritora. Um de seus livros, “Um poema para Bárbara”, tem como pano de fundo a Inconfidência Mineira e traz dentre os principais personagens um magistrado. Será que a experiência de presidir o TRF6 será capaz de inspirar novos romances?
DMS – Olha, esta aí uma outra boa pergunta (risos). Escrever o “Poema para Bárbara” foi um processo de imersão maravilhoso na história de Minas, meu estado natal, terra pela qual eu nutro verdadeira paixão. Tudo em Minas me emociona – o seu povo, as suas montanhas, a sua comida maravilhosa, a sua história… Voltar para casa, depois de morar mais de 20 anos em Brasília, está sendo uma experiência pessoal também com muitos desafios. Se eu vou conseguir escrever um novo romance histórico, nessa minha vida movimentada na Presidência, eu custo a crer…, mas a experiência de fazer parte do processo de nascimento deste novo Tribunal vai inspirar, sem dúvida, o romance da minha própria vida.
Notas__________________
1 TIBÚRCIO, Carmen; CALMON, Guilherme (organizadores). “Sequestro internacional de crianças: Comentários à Convenção de Haia de 1980. Editora Atlas.
2 SIFUENTES, Mônica. “Um poema para Bárbara”. Editora Gutenberg, 2015.