O esforço internacional pelo fim da violência de gênero

3 de novembro de 2022

Renata Gil Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)

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Problema que atinge quase todos os países do mundo – sobretudo, os menos desenvolvidos – a violência contra a mulher demanda uma junção de esforços entre governos e organizações da sociedade civil para que seja, efetivamente, debelada. Por esse motivo, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) tem liderado um movimento internacional pelo fim da criminalidade de gênero.

Estivemos na Europa, na Ásia e nos Estados Unidos para uma série de encontros multilaterais que tiveram como foco o combate ao preconceito e à discriminação contra mulheres. Na Reunião Anual da União Internacional dos Magistrados (UIM), em Israel, pudemos apresentar os resultados do trabalho desenvolvido no Brasil e estimular os colegas juízes a seguir pelo mesmo caminho. Na Suécia, em encontro com a Rainha Sílvia, tratamos da promoção de atividades conjuntas, que muito contribuirão para o avanço da conscientização geral.

Recentemente, a AMB também assinou um termo de referência com a Delegação da União Europeia no Brasil que prevê ações coordenadas para o enfrentamento à violência contra a mulher. A partir de agora, vamos nos dedicar à elaboração de estudos que indicarão as principais providências a serem tomadas e as estratégias fundamentais para a consecução dos objetivos.

É verdade que ainda somos uma das nações com os mais elevados índices de feminicídio, no entanto, aprovamos, nos últimos tempos, novos diplomas legais que devem servir de inspiração a todo o globo – em especial, a Lei nº 14.188/2021, que criminaliza violência psicológica contra a mulher e cria o programa de cooperação “Sinal vermelho contra a violência doméstica”.

A inovação legislativa é resultado de uma intensa articulação da AMB junto ao Congresso Nacional, que aprovou em prazo recorde esse projeto sugerido pela entidade – conhecido como “Pacote Basta!”. O texto institucionaliza a campanha de mesmo nome, criada em 2020 em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), quando as mulheres passaram a ter uma maior convivência com os agressores em razão do isolamento social provocado pela pandemia de covid-19.

Outra iniciativa brasileira que vem chamando atenção lá fora é a acolhida das juízas afegãs ameaçadas pelo Talibã. O grupo fundamentalista tomou o poder após a retirada das tropas norte-americanas e passou a perseguir mulheres que, no exercício da função jurisdicional, haviam condenado membros da facção. Diante do risco real à vida dessas pessoas, agimos para obter a concessão do visto humanitário do governo brasileiro e para reunir condições para receber os imigrantes. Cada vez mais integrados à comunidade nacional, eles já estão trabalhando e seus filhos frequentam a escola.

No livro “Tudo sobre o amor: Novas perspectivas”, a escritora norte-americana bell hooks (ela crava o próprio nome com iniciais minúsculas), publicado originalmente em 2000, escreveu que “no momento em que escolhemos amar, começamos a nos mover contra a dominação, contra a opressão. No momento em que escolhemos amar, começamos a nos mover e agir em direção à liberdade, de formas que libertam a nós e aos outros”.

A verdade é que apenas o amor dispõe da potência necessária para realizar transformações imprescindíveis a um futuro menos desigual, em que as mulheres desfrutem das mesmas oportunidades dos homens e no qual não se encontrem ameaçadas unicamente em função de sua condição de gênero.