O exercício da Advocacia e os questionamentos ao Exame de Ordem

23 de junho de 2013

Compartilhe:

No dia 26/10/2011 o Supremo Tribunal Federal (STF) negou provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 603583, reconhecendo a constitucionalidade do exame nacional aplicado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Nesse julgamento, por unanimidade, os ministros do Supremo decidiram que o Exame de Ordem, posto em conformidade com o artigo 22, XVI, da Constituição Federal (CF), deve prosseguir como requisito fundamental para o ingresso do bacharel em Direito na advocacia.

Com a decisão de mérito proferida pelo STF parecia sanada a contenda política e jurídica que visava pôr fim ao Exame de Ordem. Ledo engano. A partir da mobilização de entidades que agregam bacharéis em Direito e forças político-partidárias organizadas em nível nacional, veio a lume o Projeto de Lei (PL) 2.154/2011, de autoria do economista e deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ), ora apensado ao PL 5.801/2005.

No bojo de inúmeras denúncias de corrupção e malversação dos recursos auferidos pela OAB com as taxas cobradas para a realização do Exame de Ordem e com as anuidades devidas pelos advogados, denúncias que merecem ser devidamente apuradas a bem da advocacia e da própria sociedade civil, as entidades dos bacharéis em Direito e suas bases parlamentares continuam sua luta pelo fim do referido Exame, de resto previsto no art. 8º, IV, da Lei 8.906/1994. Que argumentos embasam essa pretensão?

Baseados nos princípios da “livre expressão da atividade intelectual” (art. 5º, IX, CF) e do “livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão” (art. 5º, XIII, CF), o PL 2.154/2011 argumenta que: a) a constitucionalidade do Exame de Ordem estava sendo discutida no STF, com parecer do Ministério Público Federal (MPF) pela inconstitucionalidade; b) vários bacharéis não conseguem passar no Exame da primeira vez, gastam dinheiro com inscrições, pagam cursos suplementares, o que faz do exame em tela um autêntica pós-graduação em Direito com efeito de validação da graduação já obtida; c) o Exame cria uma obrigação descabida, que não é prevista em outras carreiras, igualmente ou até “mais importantes”, como a medicina; e d) o Exame é uma exigência absurda que cria uma avaliação paralela das universidades, com poder de veto sobre o regular e legítimo exercício profissional. Os argumentos expostos são contundentes. Possuem forte carga axiológica e evidente impacto político-social, além de exalarem o fumus boni iuris. Por isso, merecem ser apreciados com respeito e atenção.

A alegação de inconstitucionalidade restou afastada pelo STF no julgamento do RE 603583, citado supra. Embora a decisão do Supremo não baste para elidir o debate sociopolítico e filosófico sobre os temas postos sob sua apreciação, é competência precípua dessa Corte a guarda da CF, cabendo-lhe, nos termos do art. 102, III, “a” da Carta Magna, julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida contrariar dispositivos da Constituição.

Quanto ao fato de que muitos bacharéis são reprovados no Exame de Ordem, cumpre arguir se esse é o real motivo que move os opositores do Exame. Afinal, se o Exame fosse mais simples e “facultasse” maior índice de aprovação ele então seria mais legítimo e tolerado? O esforço pessoal indispensável para realizar com êxito o Exame não deve contar nessa discussão? Com essa reflexão em aberto, é certo que, diversamente do exposto no PL 2.154/2011, o Exame de Ordem não equivale a curso de pós-graduação. Esse, segundo o Ministério da Educação (MEC), é um programa de especialização profissional que possui duração mínima de 360 horas e está aberto a candidatos diplomados em diferentes cursos superiores, conforme o art. 44, III, Lei 9.394/1996.

Quanto à inexigibilidade de exame congênere em outras carreiras, primeiramente o Direito Comparado auxilia nessa reflexão. Assim, v.g., alguns dos países mais desenvolvidos do mundo exigem Exame de Ordem ou equivalente. Dentre esses estão EUA, França e Inglaterra. Outrossim, impende gizar que exames congêneres estão sendo cogitados em outras profissões brasileiras, inclusive a medicina. A título de exemplo, recentemente o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) determinou que os recém formandos terão que fazer uma prova para testar os conhecimentos e permitir uma avaliação global da qualidade do ensino. Outros órgãos de classe caminham na mesma direção.

Por fim, quanto à alegação de que o Exame de Ordem é absurdo porque cria uma avaliação das universidades com poder de impedir o exercício profissional daqueles que não auferem o êxito necessário, essa, antes do que uma objeção, é a razão maior para sua defesa. De fato, os 594,5 mil alunos matriculados em 1.092 cursos de Direito registrados no MEC fazem com que o Brasil, hoje com aproximadamente 700 mil profissionais, seja um dos países com maior número de advogados no mundo. Ocupa o 2º lugar em números relativos, atrás somente dos EUA, e o 3º lugar em números absolutos, logo atrás de EUA e Índia. É um número absurdo!

Muitos desses alunos estão matriculados em cursos de baixa qualidade relativa que surgiram no boom do Ensino Jurídico ocorrido nos anos 1990. Quando confrontados com resultados negativos auferidos pelos seus estudantes no Exame de Ordem e no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE), muitos desses cursos procuram qualificar seu corpo docente e técnico-administrativo, melhorar sua infraestrutura e adensar suas ações didático-pedagógicas, estabelecendo projetos perenes de qualidade. A maioria, contudo, queda-se inerte, ciente de que os mecanismos oficiais de regulação do Ensino Jurídico ainda não são suficientes para superar os obstáculos impostos tanto pela continentalidade do país, quanto pelo patrimonialismo e pelo compadrio que frequentemente impedem avaliações verdadeiramente pedagógicas do ensino ministrado, bem como a eficácia das sanções advindas da atividade regulatória do Estado.

Por isso, no rastro do iminente fracasso da Educação brasileira, calcanhar de Aquiles do desenvolvimento nacional, há que se reconhecer que para além da própria OAB, o Exame em tela cumpre uma função inafastável na defesa da cidadania e dos direitos fundamentais. De fato, ao constituir um advogado, o cidadão nele deposita alguns de seus bens mais preciosos, como a liberdade, a honra e o patrimônio. Ao lado da ética e do senso de Justiça, a adequada formação profissional é um requisito indispensável para o bom exercício do Direito. Nesse contexto, em nome dos mais elevados ideais brasileiros, o Exame de Ordem deve ser vivamente defendido pelos advogados, pelos poderes públicos e pela própria sociedade, sua última e maior beneficiária.