Discurso proferido pelo Desembargador José Fernandes de Lemos FERNANDES DE LEMOS, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, na abertura do LXXXIV Encontro do Colégio Permanente de Presidentes de Tribunais de Justiça do País
‘Belo Menino!
Diga, Irmão
De onde vieste?
Da amplidão
A que vieste?
Vim em missão
O que trouxeste?
O meu perdão
Queres ouro, prata ou latão?
Quero paz, justiça e pão.’
Com esses versos do teatrólogo Luiz Marinho, o Desembargador Benildes de Souza Ribeiro, então Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, deu início, em 8 de agosto de 1984, há 26 anos, ao I Encontro dos Presidentes dos Tribunais de Justiça de todos os Estados da Federação, onde nasceu a ideia de um Colégio Permanente de Presidentes.
O espírito vibrante e inovador de Sua Excelência — pernambucano que corporifica a devoção dessa Terra à pátria, à liberdade, enfim, à causa pública — idealizou um Encontro que reunisse os representantes máximos de todos os Tribunais de Justiça do País com o objetivo — nas suas palavras — ‘de labor e de estudos, na defesa de teses, no contato recíproco e na convivência mútua, extraindo ensinamentos, experiências vividas para se encontrar nesse universo de costumes e civilizações diferentes, do Oiapoque ao Chuí; e sugerimos, através de um documento que reflita a harmonia desse mundo de peculiaridades, se bem que não conflitantes, mas bem diferentes (…)’.
Passados 26 anos, impressiona e inquieta a atualidade dessa manifestação. Àquela altura, amedrontava o Judiciário a hipertrofia do Executivo, que vinha num movimento de menoscabo com a independência funcional, administrativa e financeira do Judiciário. Hoje, o que assombra é a tendência de esmagamento e absorção do autogoverno dos Tribunais. Agora, como ontem, é necessário formar no Judiciário a mentalidade da unidade nacional.
À época da sua instalação, o Conselho Nacional de Justiça, animado — é verdade — pelos mais altos ideais políticos e republicanos, desenhou perante a opinião pública brasileira o Judiciário como uma instituição carcomida, impura e necessitada de um movimento subversivo, capaz de inverter toda a sua prática histórica. Com todas as vênias, pôs em risco o prestígio da instituição, forjada lentamente desde a 1ª República, na cultura, inteligência, decência e dedicação da imensa maioria, quase que totalidade, dos nossos magistrados. Ignorou que o desprestígio dos Juízes desarruma os ícones da democracia. Pesquisas de opinião, as mais diversas, já diagnosticaram que o povo não acredita mais nos políticos e nos Poderes. Deixará de acreditar na própria democracia se o déficit de credibilidade atingir os seus Juízes.
Estavam lançadas as bases para um confronto demolidor, fincado no ódio, no temor, na quebra de braço, na irracionalidade e sobremaneira na desconfiança de propósitos.
Felizmente, as expectativas em torno de um grande embate institucional não se confirmaram. A maturidade política da nação levou à fácil superação das divergências. Prevaleceu, ao fim, a racionalidade constitucional. Há sinalização clara na direção de que o Conselho Nacional de Justiça volta-se, sem descuidar da atuação correicional, para a formulação de políticas públicas ligadas, direta ou indiretamente, à atividade judicial. E melhor: há espaço para o diálogo.
Os resultados práticos dessa nova postura são ardentes. Todos nós temos a plena percepção de que é necessário expungir do corpo judiciário os maus magistrados, como forma de manter a integridade da própria instituição. É forte a ideia de que não basta o julgamento com justiça, imparcialidade e independência. A sociedade contemporânea, envolvida numa dinâmica alucinante, exige compulsivamente decisões rápidas, cada vez mais rápidas, posicionamentos uniformes, celeridade nas conclusões. Hoje há consenso quanto ao único caminho a ser percorrido em busca da eficiência dos serviços judiciários: planejamento estratégico de longo prazo. Tem-se certeza de que a crise da vez — sem superação da crise do acesso e da crise da efetividade — é a crise de gestão. Todas essas percepções são, hoje, uníssonas entre nós.
Nesse novo cenário de certezas e consciências, crescem em significado e relevância reuniões das cúpulas dos Tribunais para o exercício do diálogo, na busca da unidade do Judiciário. Consolida-se o sentimento de que o Judiciário é uno, antes assim compreendido apenas no meio acadêmico. Mais do que um sentimento, a unidade apresenta-se como uma necessidade.
O Judiciário, sem a força das armas, impedido de atuar sob o manto de habilidades políticas, submetido a uma ética estrita, somente sobrevive intacto no coração do seu povo pela via da legitimidade, que se assenta na eficiência de resolver os conflitos sociais. A unidade organizacional e funcional é o caminho a ser perseguido como instrumento hábil a dar resposta, de modo mais eficiente, às demandas que lhe são submetidas.
Os excessos de uns, os desvios de outros, a ineficiência de alguns, ferem a credibilidade e a confiança indistinta da instituição, considerada em seu todo. O povo não identifica a diferença entre as diversas instituições e órgãos. Não sabe, nem lhe é exigido saber, as diferenças técnicas entre eles. O imaginário popular atribui ao Judiciário, ou mais precisamente à Justiça, as injustiças e as mazelas que suporta. Em outros termos, estamos todos presos ao mesmo destino.
A universalidade de resultados impõe a coletivização das soluções. A transformação das chamadas ‘ilhas judiciárias’ no continente reclamado pela cidadania depende, inevitavelmente, de decisões compartilhadas. As diferenças culturais, as diversidades na estrutura socioeconômica — ainda vivenciadas pela Federação —, aliadas aos inafastáveis postulados constitucionais da independência funcional dos magistrados e do autogoverno dos Tribunais, impedem soluções de gabinete, não obstante centralizadas e advindas de mentes geniais e bem intencionadas. A concentração das decisões quanto aos destinos do Judiciário pode levar ao desmonte dos profundos alicerces em que está fincada a Justiça brasileira.
É certo que o povo tem pressa e a ansiedade impulsiona os gestores públicos, mas o Judiciário clama por um processo constante, firme e corajoso de melhoria, em que se vença etapa por etapa, em que se avance de maneira gradual. O campo é próprio para reforma na gestão, e não para revolução institucional.
Hoje, mais do que em qualquer tempo, o ambiente é propício para o diálogo entre os Tribunais, para a ajuda e a aprendizagem mútuas.
Voltando para o campo prático, do qual sou, por convicção e por propensão natural, um devotado contumaz, cito a iniciativa do processo judicial eletrônico, o denominado ‘PJE’, como o exemplo mais próximo e prático de soluções coletivas voltadas à uniformidade organizacional. O Tribunal Regional Federal da 5ª Região, sediado aqui na cidade do Recife, desenvolveu o protótipo do processo judicial virtual, que servirá de modelo para todo o País.
Destaco, de igual modo, a imensa contribuição dada pelo Tribunal de Justiça do vizinho Estado de Sergipe na solução de um grave problema enfrentado por nós aqui em Pernambuco: a absoluta falta de controle da arrecadação dos senhores delegatários dos serviços de notas e de registro. A partir do sistema de controle das serventias extrajudiciais do Estado de Sergipe, Pernambuco desenvolveu o sistema informatizado denominado Sistema de Controle da Arrecadação dos Serviços Extrajudiciais – Sicase, disponibilizado no ambiente do endereço eletrônico do Poder Judiciário estadual, estabelecendo nova forma para a cobrança e o recolhimento dos emolumentos, da Taxa de Fiscalização de Serviços Notariais e Registrais – TSNR e dos recursos destinados ao Fundo Especial do Registro Civil – FERC, em que se destacam as funcionalidades de (a) emissão de guia exclusivamente pela Web, (b) cálculo automático dos valores, e (c) pagamento obrigatório na rede bancária.
O Tribunal de Justiça desenvolve sistema de expedição e cumprimento de carta precatória via web, com a peculiar função de o próprio juízo deprecante agendar a audiência a ser realizada no juízo deprecado. Esse sistema é tão simples quanto eficiente — e possível. Mas depende, por natureza, da colaboração de todos os Tribunais do País. Quero com isso afirmar que a união, a troca de experiências bem sucedidas, a colaboração mútua, o sonho em comum têm a força de elevar os serviços prestados pelo Judiciário ao nível de excelência exigido, com muita razão e oportunidade, pela cidadania brasileira.
Finalizo na convicção de que o LXXXIV Encontro de Presidentes de Tribunais de Justiça do Brasil contará com o envolvimento de todos nós na busca de alternativas e soluções coletivas, frutos de um diálogo prévio, permanente e construtivo, com vistas ao fortalecimento do Judiciário, à manutenção dos postulados do autogoverno, à melhoria dos serviços prestados à população brasileira e, sobretudo, à tão sonhada unidade judiciária.
Muito obrigado!