Edição

O juiz do terceiro milênio – Estado Democrático de Direito tem como seu guardião maior o Poder Judiciário.

5 de abril de 2002

Compartilhe:

Sem duvida que, de nada valeria ou teria qualquer proveito, a mera e isolada inscrição nominal na Carta Política da Republica o elenco dos direitos e garantias fundamentais, inclusive as recém introduzidas, mandado de injunção e habeas data, sem a concorrência de um órgão estadual independente, com poder e prestigio suficientemente, a impor o cumprimento e o resguardo de tais conquistas.

É inquestionável que um Estado Democrático requer uma Justiça célere, acessível a todos, apta a dar resposta rápida aos desafios que uma sociedade em transformação acelerada apresenta. O pressuposto para isso é a autonomia e a não dependência do Poder Judiciário dos outros Poderes do Estado. Não ha duvida que a grande aspiração de brasileiros e estrangeiros residentes no pais e uma Justiça efetiva e eficaz, compatível com o poder estadual, norteada pelos grilhões da independência, que lhe ensejam absoluta imparcialidade e isenção.

Inclusive, como inscrito no inciso ‘XXXV do art. 5° da Constituição Federal, a preserva­ção permanente da ordem jurídica, quando lesada, e tarefa precípua do Poder Judiciário. No entanto, a postura judicial que se aspira para o “terceiro milênio” e aquela que liberta o juiz da camisa de força de se adstringir ao excesso de formalidade e burocracia, isolado numa redoma de cristal, para que é ao contrario, alcançar as realidades do ambiente em que atua, adaptado vetustos comportamentos as novas expectativas e a dinâmica social, através do pluralismo participativo com as demais instituições da sociedade.

Nada obstante, os Juízes, no afã de implementar a tripartição e cumprir a lei, devem manter um vigilante pensamento crítico a dogmática e a hermenêutica tradicionais. Afinal, a norma positiva não e um conjunto de preceitos rijos, cadavéricos, mas uma forma viva operante, suscetível de desenvolvimento, no dizer de MAX SALOMON.

As sentenças deverão ostentar como requisito intrínseco de validade “a justiça que encerram”, vindo, ao depois, a verificação da adequada “roupagem jurídica”. Uma sentença em que se constrói o “jurídico” antes do “justo”, se equipara a uma casa onde se erige o teto antes do solo… Em suma, numa visão Aristotélica, caberá a magistratura, no primeiro momento, secundum legis, constituir a “justiça do caso concreto”, ensejando uma era frutuosa de notável “poder criativo dos juízes”.

PLAUTO FARRACO DE AZEVEDO, na sua notável “Critica a Dogmática e a Hermenêutica Judiciária”, almeja essa era do poder judicial criativo que enseje a harmonia social e o aperfeiçoamento da ordem jurídica, “um poder que atenda as exigências de justiça perceptíveis na sociedade e compatíveis com a dignidade humana, um poder para cujo exercício o juiz se abra ao mundo, ao invés de fe­char-se nos códigos, interessando-se pelo que se passa ao seu redor conhecendo o rosto da rua, a alma do povo, a fome que leva o homem a viver no limiar da sobrevivência biológica”.

Enfim, um juiz humanizado e que empreste essa sensibilidade a sua função, para que o tempo testemunhe a luta da justiça em prol da vida e da esperança do homem.

Advirta-se, no entanto, que não ha as­pirações que não passem pela premissa do “humano”.O direito e as sentenças valerão tanto quanta valham os operadores jurídicos do terceiro milênio. PLATÃO, cuja utopia tanto sucumbiu ao racionalismo aristotélico, legou a história uma afirmação insuperável de que: “Não pode haver justiça sem homens justos”.

A não ser pela inércia de um discurso ideológico secularmente veiculado nas rodas jurídicas e, em consequência, reproduzindo em grande parte da literatura jurídica, não ha porque pretender do juiz, circunscrever a investigação realizada pela Dogmática jurídica a enunciação de “puros juízos de constatação”, rigidamente separados de quaisquer outras in­dagações a ela referentes.

O “pensar” estritamente dogmático, engessado pelo reducionismo lógico-formalista, pode fazer escapar ao juiz a ratio essendi da matéria prima que adquire nas faculdades e que se destina a solução dos “multifários dramas humanos”.

Como formar homens sensíveis, justos, críticos, se continuar a se fazer um Magistrado num circuito fechado?

O terceiro milênio reclama uma opção translúcida sobre uma nova proposta do Poder Judiciário no seio da sociedade.

Impossível e resistir aos nossos invasores, porquanto a historiarão da Justiça sem a necessária visão interdisciplinar, afasta o jurista do mundo, criando um universo apartado da realidade onde sobressaem a limitação, a perplexidade e a notável perda de prestigio, frustrando os anseios e as esperanças que se depositam historicamente nos corações e nas mentes dos “bacharéis”.

A ênfase a visão interdisciplinar do direto assume no momento atual, no campo da distribuição da Justiça papel relevantissimo, co­locando-se, inclusive, no altar mor a que fazem jus a filosofia, a sociologia, a hermenêutica e a história das instituições, que muito colaborará na sagrada missão do sacerdócio do magistrado.

O caminho do juiz, sabe-se, e árduo, por ele passaram e continuam a passar as mentes mais privilegiadas da humanidade, em prol da disseminação dessa virtude que e a justiça, o Senhor de todas as ideias e de todas as palavras morreu na cruz, mas este ainda é o sonho da humanidade. É o grande valor sobre o qual repousam as perspectivas do terceiro milênio a desafiar a sensibilidade dos homens sob a forma de indagação: o que é a Justiça?