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O juízo recuperacional operacional – Definição e alcance: Atos de constrição contra a recuperanda

10 de dezembro de 2018

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Introdução

Como qualquer arcabouço jurídico, a Lei no 11.101/2005 (Lei de Recuperação de Empresas e Falência) é desenvolvida a partir de um núcleo axiológico próprio e é a partir dele que as decisões judiciais, tomadas dentro ou fora dos processos sob sua regência, devem se nortear.

A grande inovação da nova Lei para o vetusto Decreto no 7.665/45 é, objetivamente, o instituto de pecuperação de empresas, consolidando o entendimento de que a atividade econômica exerce importante função social, devendo, portanto, se possível, ser preservada. Mas não se resume a isso. O legislador brasileiro, seguindo tendência mundial, editou a nova regra percebendo o interesse público, que subjaz à atividade empresarial, eminentemente privada, mas, ao mesmo tempo, suporte para o crescimento econômico e social da nação.

Nesse sentido, não se pode olvidar que, nestes 13 anos de vigência da LRE, apenas recentemente sua eficácia vem sendo colocada à prova e é nesse cenário que a força normativa dos princípios ganha enorme relevo.

Aquele que lida com tal diploma deve ter em conta, diuturna e cotidianamente, a primazia dos seus princípios, sendo imperioso consignar o da função social e o da preservação da atividade produtiva, como corolários da recuperação de empresas, como assim preconiza o artigo 47 da Lei no 11.101/05, pedra basilar da recuperação judicial.

Tem a empresa uma óbvia função social, nela sendo interessados os empregados, os fornecedores, a comunidade em que atua e o próprio Estado, que dela retira contribuições fiscais e parafiscais.

Nos dizeres de Fábio Ulhoa Coelho, o princípio da preservação da empresa reconhece que, em torno do funcionamento regular e desenvolvimento de cada empresa, não gravitam apenas os interesses individuais dos empresários e empreendedores, mas também os metaindividuais de trabalhadores, consumidores e outras pessoas; são esses interesses que devem ser considerados e tutelados na aplicação de qualquer norma de direito concorrencial.

Nesse sentido que o objetivo da nova Lei de Recuperação de Empresas é sanear a situação de crise econômico-financeira da sociedade devedora, salvaguardando a manutenção do emprego de seus trabalhadores e os interesses dos credores, e viabilizando, dessa forma, a realização da função social que lhe é inerente. Mais precisamente, visa a Lei a defender os interesses coletivos, pois, tendo em vista o poder econômico que exerce, urge que a empresa seja preservada.

2. O norte da recuperação judicial

Como já foi mencionado, a recuperação judicial, instituto introduzido na legislação pátria pela Lei no 11.101/2005, tem por escopo principal a preservação da empresa, conferindo-lhe a possibilidade de, num dado momento de dificuldade, reestruturar seus compromissos a fim de adequá-los a sua nova realidade econômico-financeira.

Destaca-se, com isso, a necessidade de compatibilizar a literalidade do texto legal com os princípios constitucionais que regem a recuperação de empresas, observando-se o artigo 47 da lei especial, que retrata o objetivo de manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo-se a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Importante salientar, nesse contexto, que o processo de recuperação judicial tem por norte, talvez em patamar como nenhum outro processo ostente, o princípio da cooperação. Isso porque a colaboração não se restringe às partes (devedora e credores), mas se estende ao administrador judicial, ao Ministério Público e ao próprio Poder Judiciário. Noutras palavras: todos os envolvidos no processo recuperacional tendem à salvação da empresa, numa verdadeira corrente do bem. Torce-se, por assim dizer, para o sucesso da empreitada. Frise-se isso.

Pois bem. Estando em termos a documentação exigida para a instrução da petição inicial, conforme artigo 51 da supracitada lei, o juiz proferirá a decisão deferindo o processamento da recuperação judicial.

Evidentemente, os efeitos dessa decisão são muito mais amplos do que os da distribuição do pedido. O conteúdo e efeitos da decisão de processamento da recuperação judicial, previstos em lei, são: a) nomeação do administrador judicial; b) dispensa do requerente da exibição de certidões negativas para o exercício de suas atividades econômicas, exceto no caso de contrato com o Poder Público ou outorga de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios; c) suspensão de todas as ações e execuções contra o devedor com atenção às exceções da lei; d) determinação à devedora de apresentação de contas demonstrativas mensais; e) intimação do Ministério Público e comunicação por carta às fazendas públicas federal e de todos os estados e municípios em que a requerente estiver estabelecida. Por fim, a decisão que determinar o processamento da recuperação judicial será o termo inicial para a apresentação do plano de recuperação judicial, ao qual o art. 53 confere um prazo de 60 dias improrrogáveis.

Dentre esses, a consequência que nos interessa aqui é, certamente, a suspensão de todas as ações e execuções contra o devedor, a qual se analisará mais à frente, adiantando-se, desde já, que essa blindagem é essencial para o sucesso da empreitada recuperacional.

3. Dos créditos sujeitos e excluídos dos efeitos da recuperação

Nem todos os créditos contra a recuperanda estarão diretamente sob a égide do regime especial da recuperação judicial. Isso porque existem o marco temporal e o marco material de definição. Vejamos.

Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, nos termos do art. 49 da Lei. Nesse panorama, a data da distribuição do pedido é verdadeiro marco definidor, sob o critério temporal, de quais serão os créditos submetidos ao concurso (concursais) e quais serão os extraconcursais.

A recuperação atinge, em regra, todos os credores existentes ao tempo do pedido. Sendo assim, em sentido contrário, todos os créditos que se constituírem após o pedido serão excluídos dos efeitos da recuperação.

Importa salientar certa divergência doutrinária quanto a isso. É que parte da doutrina e jurisprudência considera a data do fato gerador do crédito, enquanto outra parte estabelece a data da sentença que o reconhece. De qualquer sorte, caberá ao juízo da recuperação definir o critério a ser adotado.

Além da definição temporal agora vista, estão também excluídos da recuperação os créditos fiscais, os de credores titulares de posição de proprietário fiduciário, entre outros, previstos nos §§ 3o e 4o do art. 49 da Lei. Esse seria o marco material de definição.

4. A competência do juízo da recuperação judicial – o juízo recuperacional operacional

Conforme já antecipado, o principal efeito do deferimento do processamento da recuperação judicial é a suspensão de todas as ações e execuções das quais a devedora é parte, por um período de 180 dias, nos termos do § 4a do art. 6o da Lei, o que a doutrina denomina de stay period. É com esse stay period que se permite a oxigenação da empresa devedora, uma vez que não poderá ser operado nenhum ato expropriatório a fim de não se prejudicarem as chances de soerguimento da empresa.

Em primeiro lugar, diferentemente da falência, não se pode dizer que há um juízo universal na recuperação judicial. Todavia, é inequívoco que o plano de recuperação judicial instaura uma concursalidade. A par disso, essa união de interesses e o objetivo maior de preservação da empresa produzem verdadeira vis attractiva do Juízo Recuperacional no que se refere à sina do patrimônio da recuperanda, uma vez que deve se evitar que os bens integrantes do ativo da empresa devedora sejam objeto de constrição.

Por essa razão, o entendimento consolidado na 2a Seção do Superior Tribunal de Justiça é que o destino do patrimônio da empresa em processo de recuperação judicial não pode ser atingido por decisões prolatadas por juízo diverso daquele da recuperação, sob pena de prejudicar o funcionamento do estabelecimento, comprometendo o sucesso do plano. Nesse sentido, cabe aqui colacionar o seguinte aresto do egrégio STJ:

“Conflito positivo de competência. Recuperação judicial. Ação de reintegração de posse. Suspensão das ações e execuções. Prazo de 180. Uso das áreas objeto da reintegração para o êxito do plano de recuperação. 1. O caput do art. 6o, da Lei no 11.101/05 dispõe que “a decretação da falência ou deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário”. Por seu turno, o § 4o desse dispositivo estabelece que essa suspensão “em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 dias contado do deferimento do processamento da recuperação”. 2. Deve-se interpretar o art. 6o desse diploma legal de modo sistemático com seus demais preceitos, especialmente à luz do princípio da preservação da empresa, insculpido no art. 47, que preconiza: “A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”. 3. No caso, o destino do patrimônio da empresa-ré em processo de recuperação judicial não pode ser atingido por decisões prolatadas por juízo diverso daquele da recuperação, sob pena de prejudicar o funcionamento do estabelecimento, comprometendo o sucesso de seu plano de recuperação, ainda que ultrapassado o prazo legal de suspensão constante do § 4o do art. 6o, da Lei no 11.101/05, sob pena de violar o princípio da continuidade da empresa. 4. Precedentes: CC 90.075/SP, rel. min. Hélio Quaglia Barbosa, DJ de 04.08.08; CC 88661/SP, rel. min. Fernando Gonçalves, DJ 03.06.08. 5. Conflito positivo de competência conhecido para declarar o Juízo da 1a Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Foro Central de São Paulo competente para decidir acerca das medidas que venham a atingir o patrimônio ou negócios jurídicos da Viação Aérea São Paulo – VASP.” (CC 79.170/SP, rel. min. Castro Meira, DJ 19.09.2008)

Destaca-se, nesse ponto, a existência, então, de créditos sujeitos à recuperação e de créditos não sujeitos a ela. Nesse panorama, é fácil deduzir que os credores sujeitos à recuperação estarão reunidos num mesmo procedimento e, mais à frente, abrangidos por um só plano de recuperação. Ou seja: haverá, na condução de seus interesses, certa harmonia com a intenção maior, qual seja, o soerguimento da empresa.

De outro lado, contudo, estarão os credores não sujeitos à recuperação e estes, como se viu, não estarão concentrados. Antes, ao contrário, estarão espalhados pelos mais diversos rincões, no mais das vezes, sem, sequer, conhecerem-se ou estabelecerem comunicação.

Simples perceber que a atuação isolada de cada um desses credores, ou mesmo dos juízos a que estiverem submetidos, criaria uma verdadeira atividade predatória ao patrimônio da empresa que, sufocada, sucumbiria.

Firmada essa ideia, compreende-se o porquê do entendimento jurisprudencial que confere ao juízo recuperacional o bastão de regência sobre o patrimônio da recuperanda.

O posicionamento do STJ cria, por assim dizer, não um juízo recuperacional substituto dos demais. Nem mesmo o transforma num juízo universal, como na falência. O que se tem é a figura de um juiz operacional, aquele que tem a função de acomodar os mais diversos interesses, buscando propiciar a satisfação dos créditos sem extirpar do mercado a atividade produtiva.

Estabelecer, então, um núcleo de operações mostra-se medida das mais acertadas, porque cria um diálogo entre os mais variados personagens que gravitam em torno do processo recuperacional e que, como visto, não se restringem àqueles sujeitos ao plano.

Note-se que, definida a questão de fundo pelos juízos com diferentes competências e estabelecidos o an e o quantum debeatur, a tarefa de execução de tais créditos migra para o juízo recuperacional, porque é ele que detém as preciosas informações acerca da situação econômico-financeira da empresa e, por consequência, a maestria para reger tais atos sem predação patrimonial.

A quaestio que se descortina a partir de então ganha contornos ainda mais complexos ao considerarmos que com a galopante e insistente crise vivenciada em nosso país em todos os setores da economia, o instituto da recuperação judicial deve se mostrar como instrumento cada vez mais efetivo de tratamento da crise das empresas de forma conjuntural. Diversas são as questões práticas postas ao crivo do juízo recuperacional que espelham a variedade e complexidade das relações da empresa intra societatis e com seus stakeholders, que precisam ser enfrentadas a fim de se evitar um pernicioso non liquet e com o intento de afastar a insegurança jurídica que, se sabe, fere de morte a atividade empresária.

Um verdadeiro dilema se estabelece, pois por um prisma não pode o juízo recuperacional servir de panaceia para todos os males da empresa recuperanda, mas também, não pode o magistrado olvidar seu relevante papel de fiel da balança dos interesses, muitas vezes contrapostos, no processo de recuperação judicial, evitando-se que litígios singulares possam vir a prejudicar o projeto de soerguimento no sentido lato.

Então, quais seriam os limites de agir, no que se refere ao espectro de conhecimento e disciplina por parte do juízo recuperacional? Trata-se, decerto, de uma membrana de difícil consolidação doutrinária, mormente se considerando as relações jurídicas e créditos não sujeitos ao processo de recuperação judicial. Assim, para facilitar o entendimento da questão, foca-se, neste primeiro estudo, em alguns aspectos correlatos aos atos de constrição contra as recuperandas.

Ab initio, tomemos como exemplo o case submetido à apreciação do Juízo da 4a Vara Empresarial da Capital do RJ, no qual milita este subscritor, mediante a alegação da recuperanda de que teve grande parte dos insumos que seriam utilizados para a consecução das suas atividades comerciais penhorados pelo juízo federal. A celeuma gravitou, então, em torno da discussão sobre a possibilidade da prática de atos de constrição e expropriação de bens essenciais à manutenção da atividade da empresa em sede de execução fiscal, quando em curso o processo recuperacional.

Na esteira do reconhecimento da essencialidade dos bens penhorados na execução fiscal, condição que veio corroborada pela administradora judicial após profunda análise da situação da empresa, concluiu-se que a constrição inviabilizava as atividades da recuperanda, o que não se coadunava com o princípio da preservação da empresa.

Assim, no desempenho do mister legal de buscar a recuperação, considerou-se os insumos penhorados indispensáveis à manutenção da atividade produtiva, ponderando, ainda, a necessidade de sua premente utilização para o giro dos negócios, o que acarretou a solicitação de cooperação entre as Justiças Federal e Comum, para o fim de levantamento do gravame imposto sobre os bens de capital arrolados no auto de penhora.

Adotou-se a premissa de que, reconhecida a essencialidade dos bens inicialmente constritos e a necessidade de levantamento do gravame para salvaguardar a efetividade da recuperação judicial, incumbe ao juízo recuperacional apenas repassar a informação ao juízo da execução para que o mesmo possa retomar o andamento do feito com a intimação do exequente para indicação à penhora de outros bens que não se mostrem essenciais à atividade empresarial. Com corolário, em caso de nova indicação, cabe novamente ao juízo executório submeter ao juízo recuperacional a efetivação da eventual nova constrição.

A decisão, sub examine, arrimou-se justamente no já mencionado entendimento consolidado da 2a Seção do STJ, que reconhece a necessidade de o ato de constrição determinado sobre o patrimônio de empresa em recuperação judicial ser submetido à prévia análise do juízo recuperacional.

Não se deixa, contudo, de mencionar que, em que pese a Corte Especial ter definido a competência interna da 2a Seção para julgar o conflito de competência entre o juízo recuperacional e o juízo fiscal executório, as Turmas de Direito Público continuaram sendo demandadas para o exame dos recursos especiais interpostos envolvendo matérias correlatas à constrição de bens de empresas em recuperação judicial, por ordens emanadas em executivos fiscais.

Certamente com o intuito de pacificar as divergências de entendimento entre tais Turmas, a questão foi afetada à Corte Especial através do procedimento previsto no artigo 16 do RISTJ, nos autos do Conflito de Competência no 144.433/SP, bem como através do Tema 987 dos Recursos Repetitivos (REsp. no 1.712.484/SP, REsp. 1.694.261/SP e o REsp. 1.694.316/SP).

Mas ainda resta, in casu, a aplicação da afetação do suso referido Tema 987, “possibilidade da prática de atos constritivos, em face de empresa em recuperação judicial, em sede de execução fiscal”. Ou seja, qual seria o efeito prático para o deslinde do caso concreto, onde temos um juízo federal com uma penhora de insumos, qualificados posteriormente como sendo essenciais para a viabilidade da empresa pelo juízo da recuperação judicial, considerando-se, ainda, a afetação do Tema, e seu efeito processual de suspensão de todos os processos que versem sobre a questão?

Vejamos. O caso concreto foi, após a afetação do Tema, levado ao crivo do Tribunal da Cidadania, através de Conflito de Competência, que, em decisão liminar, sedimentando que “na execução fiscal não é permitida a prática de atos que comprometam o patrimônio do devedor ou excluam parte dele do processo de recuperação judicial”, determinou que o juízo fiscal federal se abstenha de praticar atos de constrição de bens e valores da recuperanda designando-se, em consequência, o juízo recuperacional para resolver, em caráter provisório, as medidas urgentes.

Já no segundo caso concreto, a celeuma ganha contornos ainda mais intrincados pela sua peculiaridade. Analisemos: nesse caso, noticiou a recuperanda (empresa do ramo de construção civil) que uma universidade federal teria “rompido unilateralmente” um contrato de empreitada, existindo forte dúvida sobre o que se passava no contexto contratual e quanto às razões que teriam motivado a rescisão (no caso, se seria resilição ou resolução).

Fincado nesta premissa, o juízo recuperacional oficiou o ente para que suspendesse qualquer ordem de rescisão do contrato e apresentasse informações sobre o projeto básico licitado, as alterações sofridas e o compasso da obra. Ainda diante do princípio da cooperação, argumentou o juízo que seria salutar a designação de audiência especial para tentar equacionar o problema apresentado, conjugando os interesses públicos e a função social da empresa.

Em contrapartida, apesar das tentativas conciliatórias do juízo recuperacional, inclusive promovendo reuniões e determinando a realização de perícia, resolveu o ente emitir uma “ordem administrativa” decretando a “nulidade” do contrato. Concomitantemente, o litígio foi endereçado ao juízo federal que, em decisão em sede de Ação Civil Pública, “revigorou” os efeitos de uma tutela de urgência e determinou que a recuperanda realizasse a imediata paralisação do contrato com a desocupação do canteiro de obras.

Ante o conflito positivo, o caso também foi levado ao Superior Tribunal de Justiça que, citando precedentes da 1a e 2a Seção, e com base na inteligência do entendimento do conflito de competência da lavra do ministro Moura Ribeiro de que “os atos de execução dos créditos individuais promovidos contra empresas em falência ou em recuperação judicial, sob a égide do Decreto-lei no 7.661/45 ou da Lei no 11.101/05, devem ser realizados pelo Juízo Universal, ainda que ultrapassado o prazo de 180 dias de suspensão previsto no art. 6o, § 4o, da Lei no 11.101/05” reconheceu liminarmente a competência do juízo recuperacional, encampando, inclusive, pelo que se depreende, o conceito de concentração no juízo onde se processa a recuperação judicial.

Ambos os conflitos de competência aguardam
solução de mérito. De toda sorte, como se viu, existe uma imprevisível gama de situações que circundam o ambiente da empresa e suas relações, que, como o visto, podem vir a possuir uma gênese comum relacionada a “atos de constrição” em sua acepção mais genérica, o que traz a necessidade de se forjar uma interpretação mais extensiva de “ato constritivo”, para fim de defini-lo como todo ato que tenha a potencialidade de gerar abalo ou, ao menos, reflexo no projeto de soerguimento a merecer a tutela do juízo da recuperação judicial.

Dito isso, mas não dito tudo, serve o presente estudo para instigar a discussão sobre temas práticos da recuperação judicial através da ótica da mesma tese, aqui denominada Juízo Recuperacional Operacional como detentor transitório da batuta para sistematizar a disciplina dos atos de constrição contra a recuperanda, que parece estar sendo erigida na toada da contemporânea jurisprudência.

Essa empreitada poderá trazer a lume a questão das atribuições, competência e seus limites, do juízo recuperacional, a fim de melhor definir seu balizamento e rumos – tudo com o desígnio se afastar a insegurança jurídica e, assim, engrandecer a relevantíssima ferramenta jurídico-legal para o tratamento da crise da empresa, que é o instituto da recuperação judicial.

Notas________________________

1 C.C no159.998-RJ – 2018/0191541-0 – Relatoria do ministro Marco Buzzi.

2 CC 146.657/SP, relator ministro Moura Ribeiro, 2a Seção, julgado em 26/10/2016, DJe 7/12/2016)

3 C.C n° No 159.420 – RJ (2018/0158465-7)– a ser redistribuído para 1a.

4 Traz-se a colação trecho da festejada obra do ministro Luiz Felipe Salomão e do eminente doutrinador Paulo Penalva Santos: “Ao longo da história do direito falimentar, o legislador pretendeu, em verdade, seja com a moratória da Lei Carlos de Carvalho (em 1890), seja com a concordata já superada (apenas os credores quirografários eram sujeitos a ela, nos termos do art.147 do Decreto-lei no 7.661/45), ou ainda com a recuperação judicial e a falência (Lei no 11.101/2005), criar um processo coletivo, abrangendo os direitos e obrigações do devedor, para que os recursos obtidos possam ser repartidos entre os credores.

A ideia central, que permeia todo o processo coletivo frente ao devedor em crise, é a do “concurso universal”, de tal modo que o esforço individual não se reverta em proveito próprio, de maneira predatória e afoita, mas em prol da massa de credores”. (Recuperação judicial, extrajudicial e falência: teoria e prática/ Luis Felipe Salomão, Paulo Penalva Santos – 3a ed. Versão atualizada e ampliada – Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 179)