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O mundo do trabalho em constante aprimoramento

2 de agosto de 2023

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Nos últimos anos, as empresas consideradas até então as mais valiosas do mundo enfrentaram mudanças significativas vindas com a tecnologia, levando muitas a se reinventarem e outras tantas a perderem espaço no mercado. De fato, a nova forma de economia, agora mais digital, impactou sobremaneira a vida e o cotidiano das relações interpessoais e de trabalho. 

Parte dessa reflexão foi feita pelo Vice-
Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro Luís Roberto Barroso, durante palestra no Sicomércio 2023, realizado em julho, em Brasília (DF). Organizado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o evento teve como tema central o compartilhamento de boas práticas no ambiente de negócios. 

De forma bem humorada e otimista, o ministro começou sua exposição apontando que a Internet trouxe avanços e comodidades com a possibilidade de resolver muitas demandas com um toque na tela do celular. No entanto, não ignora alguns efeitos negativos a longo prazo que deverão ser sentidos no Brasil e no mundo. 

“Tivemos de aprender um novo vocabulário. Vivemos esse admirável mundo novo da Internet das coisas e das novas tecnologias. (…) Da mesma forma que democratizou o acesso ao conhecimento, à informação e ao espaço público, também abriu caminho para um conjunto de coisas que precisamos enfrentar”, disse o ministro, citando as campanhas de desinformação, discursos de ódio e teorias conspiratórias mundo afora. 

O magistrado desempenhou papel importante nas políticas contra a desinformação durante a pandemia, quando presidiu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no biênio 2020-2022. Também foi alvo de ataques e perseguição no período eleitoral. 

Próximo na linha sucessória para a presidência da Corte constitucional do País, Barroso também defendeu a retomada do que chama de “patamar civilizatório”, no qual as pessoas dialoguem independentemente da escolha política e respeitando as escolhas do próximo: “A democracia tem lugar para todos: conservadores, progressistas, liberais. A vida é plural, a alternância no poder é desejável para renovar as instituições e visões”. 

Ao longo de sua palestra, o ministro apontou as transformações decorrentes das revoluções industriais e, mais recentemente, da revolução tecnológica, na qual o mundo das plataformas digitais e da inteligência artificial tem impacto na economia, no comércio e no mundo do trabalho. Um dos efeitos percebidos é a “virtualização da vida” e a dificuldade de fazer as pessoas voltarem a trabalhar presencialmente, inclusive na Justiça. 

Atento e preocupado com o cenário, o ministro citou algumas decisões da Suprema Corte que considera importantes no aspecto jurídico e econômico. Uma delas envolvia os planos de demissão voluntária, no qual o STF reformou a decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e fixou que o negociado prevalece sobre o legislado. Outra permite a terceirização da atividade-fim como sendo “uma opção legítima, desde que não haja fraude, e não necessariamente importa em precarização”. 

Ao relembrar das críticas sobre uma decisão que proferiu em 2022 suspendendo a criação do piso para trabalhadores da enfermagem, disse que a criação de pisos salariais nacionais “é extremamente discutível”. Um dos motivos é o fato do Brasil ter dimensões continentais, que acarretam não só diferenças culturais, mas ­principalmente ­econômicas entre as regiões. “A capacidade contributiva e custo de vida são diferentes”, pontuou sobre os municípios. “A União não pode criar piso para estados e municípios pagarem”, ­complementou. 

O ministro também mencionou o caso do rendimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que atualmente é menor do que o da poupança. Relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no 5.090, o ministro levou em consideração a utilização dos recursos do FGTS para fins sociais. Em seu voto, afirmou que “nada mais justo do que onerar a todos, sobretudo aos que têm mais, com o custeio de providências que são do interesse de toda a comunidade”. O caso ainda está em discussão na Corte. 

O futuro presidente do STF também quer entender os motivos da grande quantidade de processos trabalhistas no Brasil que, segundo ele, ultrapassam cinco milhões em tramitação. Barroso defendeu que seja feito um diagnóstico e que as regras vigentes sejam seguidas tanto pelos trabalhadores, quanto pelos empregadores, com o objetivo de equilibrar a proteção do hipossuficiente e o paternalismo. 

Uma de suas preocupações, que deverá ser prioridade ao assumir o STF, é a questão dos precatórios devidos pela União. Segundo ele, a situação vai gerar “uma bomba fiscal” e a postergação do pagamento é uma forma de “calote que está sendo armado” contra o setor privado. 

Relações trabalhistas após a reforma – O Centro Internacional de Convenções do Brasil (CICB), escolhido para sediar o evento, teve sua estrutura transformada numa nave futurística na qual os participantes puderam visitar exposições de produtos e serviços tecnológicos voltados para seus respectivos negócios. 

Ao longo da semana, empresários e executivos de todo o País estiveram reunidos na capital federal, além de representantes das federações e dos sindicatos empresariais do setor terciário. Cerca de 1.300 pessoas participaram do evento para acompanhar as palestras, painéis de discussão e workshops focados no fortalecimento, inovação e expansão do setor. 

Os dois primeiros dias (10 e 11 de julho) foram dedicados ao Conecta, evento voltado para as Federações que integram o Sistema Comércio, com participação do Sesc e do Senac. O restante do encontro teve programação mais ampla, com espaços temáticos realizados em paralelo, que tratavam de outros debates relevantes: as relações sindicais e institucionais, representação, atuação gerencial, comunicação institucional e desenvolvimento de negócios. 

Um dos palestrantes foi o Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Douglas Alencar Rodrigues, que falou sobre a negociação coletiva e a flexibilização para o cumprimento das cotas de aprendizagem e de pessoas com deficiência. Ao abordar a proteção das atividades econômicas, o ministro fez importante reflexão sobre a inclusão de todas as pessoas na sociedade, bem como a proteção e a garantia dos direitos fundamentais dos trabalhadores. “Não queremos viver numa sociedade dividida em guetos”, disse. 

O ministro avalia que a reforma trabalhista de 2017 (Lei no 13.467) melhorou a forma como era vista a negociação coletiva e trouxe maior segurança jurídica para as partes. Citou como importante o precedente do STF, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, no Tema 1.046 da Repercussão Geral (ARE 1.121.633). Neste caso, a tese fixada dispõe sobre a constitucionalidade dos acordos e das convenções coletivas que, “ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”.

A valorização e fortalecimento do processo de negociação coletiva foram defendidos na palestra do Ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho. Ao tratar do estímulo ao diálogo entre as partes, ele reafirmou que não haverá “revogaços” na área e concordou com a necessidade de se retomar o papel dos sindicatos dos empregadores e trabalhadores em relação às finanças e custeios. 

Coube ao advogado Roberto Lopes, da CNC, e ao Ministro aposentado do TST Vantuil Abdala abordar as negociações coletivas de trabalho do ponto de vista jurídico. Aos 80 anos e com ­atuação em diversas áreas do Direito do Trabalho, Abdala testemunhou as mudanças nas relações trabalhistas e é crítico da resistência de parte dos magistrados em aplicar a lei de 2017. 

A negociação, segundo o especialista, é uma das prerrogativas mais relevantes dos sindicatos, como uma forma de regular as novas ­modalidades de trabalho. Considerando positivo o negociado sobre o legislado, ele disse que já ficou para trás a ideia de que tudo deveria estar na lei. Afirmou, ainda, que o fortalecimento da convenção coletiva, que acontece entre dois ou mais sindicatos, precisa da boa-fé por parte dos negociadores. 

Já o advogado Roberto Lopes chamou a atenção para as funções do sindicato – que vão desde a assistência até a representação, negociação e arrecadação – e destacou o que não pode ser feito, como o desenvolvimento de atividade políticopartidária, por exemplo.

Inovação e sustentabilidade – Estar em conformidade com a lei é uma das principais demandas dos empresários. Atualmente as empresas também precisam inovar pensando na manutenção do negócio a longo prazo e devem praticar ações sustentáveis ligadas aos princípios ESG (Ambiental, Social e Governança, na sigla em inglês). 

Uma pesquisa feita pela CNC e apresentada no Conecta 2023 mostra que muitas empresas praticam as ações sustentáveis, mas nem sempre sabem ou contabilizam isso. “O conceito ESG é o viés da sustentabilidade pelo olhar do mercado. O varejo de rua sofre com as enchentes e essas empresas precisam identificar os riscos do meio ambiente para mitigá-los”, exemplificou Fernanda Ramos, analista da CNC e coordenadora técnica na entidade do Programa Ecos de Sustentabilidade. 

O consenso é que a prática pode ajudar nos ganhos para as empresas. A economista Izis Ferreira, também da CNC, complementou a ­exposição, afirmando que as empresas do comércio e do turismo já estão contratando ­fornecedores com boas práticas, embora ainda haja um percentual expressivo que não consegue vislumbrar uma oportunidade de ganhos reais. 

Reforma tributária em pauta – Um dos temas que permeou a semana de conversas foi a proposta de reforma tributária aprovada na Câmara dos Deputados, com foco na simplificação dos impostos sobre o consumo. Para o Ministro Barroso, o texto aprovado representa um avanço: “Precisamos diminuir a litigiosidade tributária no Brasil, que é fonte de imensa insegurança para as empresas e para o governo”.

O Presidente da CNC e anfitrião do evento, José Roberto Tadros, ressaltou a atuação da entidade para propiciar segurança jurídica e criar um ambiente saudável para os negócios e para o estímulo ao empreendedorismo. “Se não é a reforma ideal, tenham a certeza de que trouxemos avanços significativos, que beneficiam o setor terciário. E precisamos mostrar isso para as empresas”, afirmou, levando em consideração a “paz social no âmbito das relações de trabalho” e o fim do paternalismo. 

Já o Vice-Presidente da República Geraldo Alckmin defendeu a necessidade de restabelecer uma agenda de competitividade no País, considerando três fatores: juros, impostos e câmbio. Alckmin, que acumula o cargo de ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), também elogiou o trabalho do Congresso Nacional na aprovação da reforma e do arcabouço fiscal, especialmente quanto à busca pela diminuição da carga tributária. 

“A simplificação [dos tributos] pode reduzir o Custo Brasil, diminuir a judicialização, trazer melhor segurança jurídica, desonerar completamente investimento e exportação”, afirmou o vice-presidente. Aprovada na Câmara em julho, a reforma deve começar a ser analisada no Senado em agosto.