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O ônus da prova

5 de abril de 2001

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Somente em casos excepcionalíssimos inverte-se o ônus da prova. A hipótese mais freqüente é a hipossuficiência financeira daquele que alega. Nesse caso, a permanecer a regra geral, inviabilizar-se-á até mesmo a instauração do litígio para compor os prejuízos. Nas relações de consumo residem as maiores freqüências de inversão do ônus da prova. Já no âmbito criminal, a regra geral não varia (art. 156, do CPP). Quem imputa a outrem a prática de algum delito não se exime do ônus da prova, ou de apontar os indícios a ela conducente. Qualquer do povo pode provocar a iniciativa da autoridade policial ou do Ministério Público, em casos em que caiba ação pública, fornecendo informações sobre o fato e a autoria, assim como indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção.

A instigação à autoridade policial pode ser verbal ou por escrito (art. 5º, 3º, do CP). Ao MP, só por escrito (art. 27, CP). Nada obstante esses claros preceitos legais, ultimamente tem-se observado na República uma série de atitudes de grandes repercussões políticas, ao que parece sem muito apreço às exigências jurídicas de tais comportamentos. Sem respaldo probatório ou indiciário, autores de denúncias poderão, até, responder por crime de denunciação caluniosa, além de arcar com as perdas e danos emergentes. Imunidade parlamentar não oferece passaporte de impunidade para que certas atitudes sejam tomadas, desviadas da legalidade.

Ainda se admitindo que as denúncias tenham sido formuladas ao abrigo das imunidades parlamentares, há de se ter presente que a tomada de conhecimento da ocorrência de um crime gera responsabilidades para quem dele veio a saber. Ninguém pode tomar conhecimento de um crime e se calar  — deixar de procurar as autoridades para as providências cabíveis, preferindo guardar o conhecimento do fato como uma “carta na manga” para ser usada ao sabor de conveniências pessoais e/ou políticas. A quebra do sigilo nas votações do Congresso constitui crime.Outras menções que têm sido feitas alhures, idem. Se o denunciante sabia de há muito da prática desses atos criminosos, e não os denunciou logo que deles tomou conhecimento, sua situação se torna bem complicada. Trata-se, nessa circunstância, de conhecedor de prática de ilícito que, ao calar, torna-se ipso facto et ipso iuri acobertador da atitude ilícita da qual tomou conhecimento.

Essa conduta é crime de prevaricação e/ou de condescendência criminosa (arts. 319 e 320 , do CP). Ninguém pode, nem mesmo (e principalmente) um parlamentar, tomar conhecimento de conduta criminosa e não denunciá-la imediatamente. Além de ilegal, a atitude seria supinamente antiética e imoral, a ferir de morte o indispensável decoro parlamentar. De outra banda, é jurídica e moralmente incompreensível, para dizer o menos, que se haja combinado palestra com representantes do MP federal para, verbalmente, em vez de por escrito, como manda a lei (e a prudência), fazer as denúncias que foram feitas. Não menos espantoso e reprovável, quando nada, é que um dos membros do MP federal tenha gravado o teor da conversa, sem a permissão prévia dos demais participantes, e tê-la divulgado também sem o conhecimento precedente dos interlocutores. E, depois, vir a público dizer que isso não é nenhum crime, e que o importante é o teor da gravação, e não a forma como foi usada. Concomitantemente, fazer suspense: a fita existia, não existia; foi destruída, não foi destruída. O último, mas não derradeiro ato dessa ópera kafkiana, foi se ter descoberto que os auditores do Banco Central do Brasil elaboraram três relatórios sobre um único ato: no primeiro, calam sobre a verdade; no segundo, falam meia verdade e, no terceiro, dizem toda a verdade. Mas escondem esse último. Não entregam toda a verdade a ninguém. Nem mesmo por requisição do MP, seja estadual, seja federal. Pobre Estado Democrático de Direito.