O papel das mulheres na construção de um Judiciário igualitário

3 de março de 2023

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O honroso convite para escrever um artigo em comemoração ao Dia Internacional da Mulher trouxe para mim a responsabilidade de resgatar a importância histórica da data e a necessidade do debate acerca da participação feminina na magistratura. 

Inspirado na luta de mulheres americanas por melhores salários, condições de trabalho e direito ao voto, a data de 8 de março foi oficializada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1975.

Entre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável com vistas ao atendimento da Agenda 2030 da ONU estão alcançar a igualdade de gênero e garantir a “participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública”.

Assim, a igualdade de gênero deve ser refletida em todas as esferas sociais e a magistratura não pode ser exceção a essa regra.

A participação feminina nos espaços de poder vem aumentando, mas ainda é enorme a diferença entre o número de homens e mulheres dentro do Judiciário brasileiro, representando aquelas pouco mais de um terço de toda a magistratura, participação que fica ainda menor quando se trata dos tribunais superiores.

Entre as causas dessa desigualdade, que, como exposto, é maior nas instâncias superiores, podemos destacar a maior dificuldade para as mulheres participarem de concursos de promoção, especialmente quando envolve mudança de cidade e concorrência por critérios de merecimento. 

Nas associações de classe a baixa representatividade feminina ainda é uma realidade, embora em muito tenhamos avançado. Após 25 anos, assumi a Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul (Ajufesp) como a primeira mulher presidente e na diretoria, embora não tenhamos atingido a paridade entre o número de homens e mulheres, chegamos a um terço de juízas, tendo sido criada recentemente a Diretoria de Diversidade e Inclusão.

Ter uma mulher na presidência de uma associação de classe é sem dúvida um passo importante e é resultado também das políticas de inclusão. É também um trabalho pessoal de romper barreiras, de ter coragem de adentrar num universo essencialmente masculino, de falar e expor sua opinião.

A criação da Comissão Ajufe Mulheres, em 2017, é outro marco histórico da maior representatividade feminina nas associações de classe da magistratura, e de cuja fundação tive a honra de participar, à época, como vice-presidente da Ajufe na 3ª Região.

Também é exemplo concreto da importância da diversidade e representatividade na composição das instituições, na medida em que o olhar feminino para questões que antes passavam despercebidas fez chamar a atenção, a edição pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) da Resolução nº 255/2018, que instituiu a Política Nacional de Incentivo à Participação Feminina no Poder Judiciário, que hoje é uma diretriz que deve ser seguida por todos os tribunais, a fim de assegurar a igualdade de gênero no ambiente institucional e incentivar a participação de mulheres nos cargos de chefia e assessoramento, em bancas de concurso e como expositoras em eventos institucionais. 

Por outro lado, sob o ponto de vista do jurisdicionado, a adoção do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero representa os esforços empreendidos pelo Brasil e pelo Judiciário para a promoção da igualdade de gênero também nas decisões judiciais e foi resultado dos estudos desenvolvidos no âmbito do CNJ, tendo incorporado em seu corpo parte do texto da Cartilha Ajufe Mulheres “Julgamento com Perspectiva de Gênero: Um guia para o direito previdenciário”, lançada em dezembro de 2020.

Num mundo masculino – e o meio jurídico ainda o é, especialmente nos centros de poder – adentrar e permanecer nesses espaços é um desafio ainda maior para as mulheres, das quais por vezes se espera e se cobra muito mais que dos homens; mais dedicação, mais comprometimento, mais esforço, mais renúncias, infalibilidade.

De toda forma, os avanços que atingimos atualmente só foram possíveis porque trouxemos à tona o problema da desigualdade.

Hoje já causa estranheza e reações contrárias uma mesa de congresso ou seminário composta somente por homens ou bancas de concurso sem a participação de mulheres, mas foi às custas de muita insistência e trabalho.

O Dia Internacional da Mulher, portanto, deve ser comemorado, relembrado, celebrado.

A igualdade é um direito fundamental e um valor exaltado pela Constituição brasileira, fundamento do Estado Democrático de Direito. O resgate da democracia, tão abalada por acontecimentos recentes, passa também pelo respeito aos direitos das mulheres, das minorias, da diversidade. 

É preciso percebermos que o problema da desigualdade não é apenas uma questão de números. O juiz, como todo ser humano, não toma apenas decisões baseado somente na razão; para isso bastaria a inteligência artificial. Somos, porém, influenciados por nossas experiências, nossa herança cultural, pela nossa origem, nossos vieses. A falta de representatividade feminina no Judiciário, especialmente nos cargos de direção, facilita a perpetuação de desigualdades, pois as soluções são pensadas do ponto de vista peculiar de parte apenas de seus destinatários. E assim também as decisões jurisdicionais propriamente ditas. 

Igualdade se efetiva com representatividade; mais mulheres, portanto, fazem um Judiciário mais representativo e democrático. Uma justiça equânime e plural em sua composição reflete também numa prestação jurisdicional mais equânime.

Cabe a nós, mulheres, portanto, ocuparmos nossos espaços e assumirmos também as funções que os homens naturalmente sempre ocuparam; não se trata de isolá-los e excluí-los do processo decisório, mas de compartilhar ideias e perspectivas diferentes, ensinando um ao outro ver o mundo com outros olhos, a partir de uma perspectiva diversa.

Afinal, o Judiciário sempre foi e continuará sendo a balança que equilibra as relações, que põe fim a abusos e violações de direitos, a discriminações. Mas um Judiciário que reflete apenas uma parcela da população brasileira não garantirá a igualdade plena aos jurisdicionados. Que nós possamos assim desempenhar nosso papel como juízas e contribuir para uma sociedade mais justa e igualitária.

Para finalizar, presto minhas homenagens a todas as juízas do Brasil, e a todas as mulheres que derrubaram barreiras e ocuparam lugar de destaque na magistratura, abrindo o caminho para que outras as seguissem com a certeza de que assim construiremos juntas um Judiciário mais democrático.