Edição 293
O papel do Ministério Público na tutela dos direitos das vítimas
2 de janeiro de 2025
Tarcísio Bonfim Presidente da Conamp
O fortalecimento dos direitos das vítimas tem se mostrado pauta cada vez mais urgente no sistema de Justiça brasileiro. Durante o 7o Congresso do Ministério Público da Região Nordeste, realizado em João Pessoa após intervalo de oito anos, discutimos intensamente o compromisso do Ministério Público com a promoção de processo penal mais justo e equilibrado. Nesse cenário, a proteção e o acolhimento das vítimas ocupam lugar central na missão institucional que abraçamos diariamente.
Historicamente, o processo penal brasileiro foi estruturado em torno da relação entre Estado e réu, relegando a vítima a uma posição secundária e, muitas vezes, invisível. É um erro persistir nessa visão tradicional que reduz a vítima a mero elemento de prova processual, como se seu caráter humano fosse distanciado e ela fosse objetificada. As vítimas são pessoas reais, com histórias e sofrimentos próprios, e merecem ser tratadas com dignidade e respeito em todas as fases do processo penal.
Como instituição que tem como uma de suas missões a defesa dos direitos fundamentais, o Ministério Público precisa ser protagonista na mudança desse paradigma. É nosso dever não apenas buscar a responsabilização dos agressores, mas também garantir que as vítimas tenham acesso à informação, à assistência integral e à reparação adequada. Isso significa atuar de forma acolhedora desde o início do processo, oferecendo suporte jurídico, psicológico e social em todas as etapas.
Sabemos que não faltam desafios para a implementação de sistema de Justiça que realmente acolha as vítimas. O Brasil ainda enfrenta barreiras estruturais e culturais que precisam ser superadas.
Um dos principais desafios para garantir os direitos das vítimas é a falta de recursos específicos. Políticas públicas voltadas para o atendimento e proteção das vítimas dependem de orçamento adequado para serem implementadas de forma eficaz. Sem o devido investimento financeiro, essas iniciativas não conseguem alcançar aqueles que mais necessitam de apoio, comprometendo o atendimento e a assistência integral.
Além da questão orçamentária, há necessidade urgente de promover mudança na cultura jurídica. Ainda prevalece no sistema penal brasileiro visão que subestima o papel das vítimas, tratando-as como meros elementos de prova. É preciso avançar para perspectiva que coloque a vítima no centro das preocupações da Justiça, respeitando sua dignidade e humanidade em todas as fases do processo.
É também fundamental estabelecer rede de apoio integrada para garantir a proteção e o acolhimento das vítimas. Somente por meio de atuação conjunta e coordenada será possível assegurar assistência integral e efetiva às vítimas, atendendo suas necessidades de forma humanizada e eficiente.
Para enfrentar esses desafios, podemos nos inspirar em modelos internacionais bem-sucedidos. A Ley General de Víctimas, implementada no México, por exemplo, reconhece a vítima como sujeito de direitos e prevê assistência integral em áreas como saúde, apoio psicológico e jurídico. Essa legislação inclui a figura do assessor jurídico de vítimas, garantindo que tenham voz ativa em todas as fases do processo penal.
No Brasil, iniciativas como a criação de Estatuto da Vítima são essenciais para que possamos consolidar sistema que verdadeiramente proteja aqueles que sofreram violações. Esse estatuto poderia garantir, entre outros direitos, o acesso facilitado à Justiça, a proteção contra represálias e o suporte contínuo durante e após o processo penal.
Durante o 7o Congresso do Ministério Público da Região Nordeste, ficou claro que o Ministério Público está comprometido com essa missão. Debates como o painel “Tutela efetiva dos direitos das vítimas” reforçaram a necessidade de aprimorar nossa atuação para garantir dignidade e justiça às vítimas. Ao reunir mais de 600 participantes, o congresso reafirmou que nossa instituição está atenta às demandas sociais e disposta a liderar os processos de transformação necessários.
É nossa responsabilidade, como membros do Ministério Público, promover atuação que não apenas busque a punição dos culpados, mas que também ofereça às vítimas o amparo e a proteção de que necessitam. Isso significa adotar práticas inovadoras, fortalecer políticas públicas e, sobretudo, garantir que a vítima tenha participação ativa e respeitada no processo penal e nas demais instâncias de serviços públicos que vier a necessitar.
Acreditamos que não há justiça plena sem a tutela efetiva dos direitos das vítimas. Esse é o compromisso que assumimos perante a sociedade e que, juntos, devemos continuar a construir.
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