O pensamento ruiano e a cultura cívica brasileira

2 de agosto de 2023

Julio Aurelio Vianna Lopes Pesquisador da Casa de Rui Barbosa

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Primeiramente […], não é a letra das Constituições escritas, mas o seu espírito, a índole do regímen político instituído em cada uma, o que designa, em cada povo, a sede real da autoridade preponderante, da soberania prática, no mecanismo interior do Estado. (Rui Barbosa durante seu primeiro mandato no Parlamento, 17 de março de 1879).

Mas nesta cidade as massas têm, por instinto, o sentimento das grandes questões nacionais. Como o oiro nos garimpos dos nossos admiráveis sertões, o gênio político assoma e ressurte aqui, do seio do povo, com a espontaneidade das prendas de raça debaixo de certos céus privilegiados. Cada homem do povo, nesta terra, como que traz no seio alguma coisa, uma intuição, um rudimento, um traço das qualidades do homem de Estado. Se daqui vos falasse agora um tribuno, iríamos assistir, esta noite, a um comício agitado e tumultuoso. Mas é um programa de governo que se vos endereça, e já não sois a multidão sedenta de emoções. Uma impressão nova e diversa vos vai transfigurar. Sobre essas cadeiras baixa a consciência de uma deliberação. (Rui Barbosa, conferência em Salvador durante sua primeira campanha presidencial, 15 de janeiro de 1910).

O Brasil não é isso. É isto. O Brasil, senhores, sois vós. O Brasil é esta assembleia […] São as células ativas da vida nacional. É a multidão que não adula, não teme, não corre, não recua, não deserta, não se vende. Não é a massa inconsciente, que oscila da servidão à desordem, mas a coesão orgânica das unidades pensantes, o oceano das consciências, a mole das vagas humanas, onde a Providência acumula reservas inesgotáveis de calor, de força e de luz para a renovação das nossas energias. É o povo, em um desses movimentos seus, em que se descobre toda a sua majestade. (Rui Barbosa, comício no Rio de Janeiro durante sua segunda campanha presidencial, 20 de março de 1919).

A vida pública de Rui Barbosa (5/11/1849 a 1/3/1923) percorreu casas legislativas (como deputado, ainda na Monarquia e senador da República), jornais (como “O radical paulistano’ e “Diário da Bahia”, onde nasceu), instituições privadas (como Instituto dos Advogados Brasileiros/IAB e Associação Brasileira de Letras/ABL, inclusive fundando a última e presidindo ambas) e públicas (como a elaboração do projeto de Constituição republicana, o primeiro Ministério republicano da Fazenda e a Corte Internacional de Haia), polemizando sobre temas nelas candentes (MAGALHÃES, 1999). Embora indubitavelmente liberal seu viés, em todos os temas, seu liberalismo (sempre democrático) evoluiu de federalista, ainda monárquico, à república presidencial durante 1889; do foco exclusivo na arquitetura institucional brasileira, em 1879, às reformas sociais do trabalho, em 1919 (MACHADO, 1999, pp. 2-4).

O período ruiano entre suas duas campanhas presidenciais (a civilista de 1909-1910, na qual criticou a suposta superioridade moral e técnica de militares para administração civil, pela candidatura do Marechal Hermes da Fonseca e a reformista de 1919, na qual também apresentou plano de reformas sociais, especialmente operárias), ambas derrotadas e críticas do controle oligárquico, local e regional, da quase totalidade das seções eleitorais num Brasil majoritariamente rural (LEAL, 1975 [1949]), formulou diagnóstico nacional caracterizando a sociedade brasileira como cindida entre tendências cívicas tolhidas, apesar de potencialmente majoritárias e tendências oligárquicas dominantes, ainda que de núcleos enquistados (CINTRA, 2016).

No diagnóstico nacional ruiano, a democracia era corrompida pela realidade social oligárquica que caracterizaria uma população cujas oligarquias a exploravam, simultaneamente, em termos políticos, econômicos e sociais. Tal exploração consistiria em tripla dominação tradicionalmente exercida, com ou sem representação política (farsesca quando havida) desde os jesuítas, passando pelos comerciantes de escravos, aos grandes fazendeiros da atualidade (CINTRA, 2016, pp. 211-212). De fato, Rui prenuncia diagnóstico, ou assemelhado, ao pensamento social brasileiro sobre a dependência pessoal de trabalhadores rurais ao respectivo patronato, inclusive eleitoralmente (LEAL, 1975 [1949]). Ou mesmo, mais amplo, porque explicitava como tríplice – política, econômica e social – exploração da população, em geral, na própria formação e manutenção de elites brasileiras tradicionais, enquanto oligárquicas como presenças institucionais adversas à formação da opinião pública:

[…] por todo o Brasil, como presídios da sua vontade, acostumada a não ser vencida, as seções rurais, mais ou menos distantes da ebulição civilizadora, ou esses outros núcleos urbanos, condenados, com nota usual de burgos podres, à estagnação crônica pelas circunstâncias especiais de sua história e destino. Aí se acastela, com o mandonismo de aldeia, a velha e sórdida fraude, amestrada na manifestação das atas eleitorais, que tem convertido as eleições entre nós “numa guerra de papéis” […] (BARBOSA, 1956b [1919], p. 207).

Em democracia, a lógica tão corruptora quanto reprodutora da oligarquia brasileira ainda mais se evidenciava, pela cooptação governamental cotidiana das instâncias fundamentais (legislativas e jornalísticas) à formação autônoma da opinião pública: 

Acabaram, a um tempo, com a tribuna e a imprensa. Encerraram as câmaras legislativas numa atmosfera de servilidade e mercantilismo. Os negócios invadiram o sagrado recinto dos procuradores da soberania nacional e os postos de vigia das sentinelas do povo à obra dos seus servidores. […] Comercializou-se a pena dos jornalistas e o voto dos legisladores. O poder achou-se de todo em todo sem fiscalização, nem freios, manejando a publicidade como encobrideira dos seus abusos, centralizando num mecanismo geral de clandestinidade a legislatura, o jornalismo, a telegrafia, e convertendo, assim o governo constitucional em governo conventicular. (BARBOSA, 1986 [1919], p. 20). 

Tal domínio oligárquico tolhia, mas não suprimia demandas cívicas inerentes à individualidade, cuja liberação caberia à política democrática (especialmente partidária e eleitoral) imbuída de papel cívico-pedagógico em geral: 

[…] bem longe de ser essa massa de papa-moscas, vilões e egoístas, indiferentes a tudo, como estão habituados a pintá-lo os que não conhecem, ou o caluniam, não há povo mais sensível aos nobres estímulos do civismo, do Direito ou da honra que o povo brasileiro, em aparecendo quem o procure, quem o alumie, que o convença, que lhe dirija a palavra com verdade, e na pureza das suas intenções lhe tenha dado motivos para acreditar. (BARBOSA, 1956b [1919], p. 200).

Para romper a oligarquização estrutural da sociedade brasileira, o programa ruiano (durante sua última campanha presidencial) visava interromper o corrompimento oligárquico reciprocamente exercido entre Executivo e Legislativo, União e estados (incluindo municípios), governos e empresas, patronato (já não apenas rural) e trabalhadores subordinados, à medida que tais corrupções diuturnas reproduziam as desigualdades brasileiras (políticas, econômicas e sociais). Assim, o Brasil continha uma questão democrática irresolvida – antagonismo geral entre oligarquias e demais segmentos sociais – a ser equacionada por ampla aliança entre outras elites (não oligárquicas, sejam do Estado, como burocracias profissionais ou do mercado, como empresas industriais) e todos os trabalhadores subordinados, urbanos e rurais (BARBOSA, 1986 [1919]). 

Neste sentido, ambas as medidas seguintes viabilizariam uma opinião pública cuja expansão progressiva superaria as oligarquias no Brasil:

– Através da primazia do Poder Judiciário (principalmente do Supremo Tribunal Federal/STF) como guardião republicano da independência institucional entre Executivo e Legislativo, governos e empresas (especialmente, jornais), elites e indivíduos comuns, pois “[…] que a liberdade constitucional significa alguma cousa mais do que a simples liberdade ordinária; ela consiste nos direitos civis e políticos, que são absolutamente garantidos, assegurados e preservados; nas liberdades dos indivíduos como homens e cidadãos – nos seus direitos de voto e nos seus direitos de ocuparem os cargos que exercerem…” (BARBOSA, 1981 (1919), p. 96, grifos meus).

– Através de direitos sociais compensatórios da subordinação do trabalho, rural e urbano: “Não será lícito, pois, que o deixemos ao domínio da contratualidade, que redundaria na preponderância incontrastável da parte mais forte sobre a mais desvalida” (BARBOSA, 1999b [1919], p. 52, grifos meus). 

Porém, a percepção ruiana de que a dimensão cívica da individualidade brasileira era cotidianamente tolhida, por alianças oligárquicas entre poderes políticos e socioeconômicos, tornando imprescindíveis canais públicos (ao ponto de infensos a oligarquias em qualquer âmbito) para que a livre expressão se convertesse em cidadania universalizante, no Brasil, não guiou somente suas duas campanhas presidenciais, mas permeou toda sua trajetória pública. 

A cultura cívica brasileira como latência antioligárquica – Neste sentido, sua crença num potencial cívico tão latente quanto antioligárquico de individualidade brasileira sempre animou todas as causas ruianas: 

Pela abolição da escravatura negreira (seu único conflito recorrente com parentes proprietários de escravos, inclusive o próprio pai) ingressou em sociedade abolicionista fundada em 1866 (presidida pelo poeta Castro Alves), associou-se ao ex-escravo Luis Gama na divulgação jornalística da causa, que foi o tema de sua primeira conferência (“O elemento servil”), feita no Clube Radical (liberal) ao qual ambos pertenciam (1869) e na qual denunciava a escravidão como abominação moral que corrompia a vida política e doméstica brasileira. Em 4/4/1870, proposta sua que condicionava ingresso na Maçonaria à alforria de escravos recém nascidos em casas de famílias maçônicas, foi aprovada pela Loja (núcleo maçônico) na qual ingressara. Proclamando-se abolicionista durante conferência em 1874, a partidários liberais não adstritos ao Clube Radical, ainda publicou o folhetim “Pelos escravos”, sob pseudônimo, em 1875 (MAGALHÃES, 1988, pp. 1-4). 

Foi uma das causas principais de sua campanha à reeleição, do mandato de deputado geral (já era desde 1878, após ter sido deputado provincial baiano), em 1881. Diante da correlação de forças políticas no Parlamento, apoiou a opção progressiva do governo no tema, redigindo o projeto de libertação somente aos escravizados sexagenários (1884) e, sob críticas escravistas ostensivas em periódicos jornalísticos, perdeu a reeleição seguinte. Retomou o tema em conferências pela Confederação Abolicionista, de 1885 a 1887, sob o lema “Primeiro a abolição, nada sem a abolição, tudo pela abolição”, inclusive apelando à Princesa Isabel quando ela assumiu o trono durante viagem paterna e imediatamente antes dela abolir a escravatura brasileira (MAGALHÃES, 1988, pp. 5-6, 12-13): “[…] na pátria de José Bonifácio […] coube-me, ainda estudante, consagrar a minha vida à civilização de minha pátria, protestando […] contra a ilegalidade impune, opulenta, victoriosa do captiveiro, sacudindo a verdade inflamada do Direito às faces da pirataria triumphante sobre a ruína da lei e dos tratados (aplausos)“(BARBOSA, 1885, p. 19).

Em artigos jornalísticos, entre 1888 e 1899, defendeu fundo governamental de assistência aos libertos, denunciando que sem educação e terras seriam cativos de outro modo, posteriormente lamentando tal omissão nacional crônica durante sua campanha presidencial de 1919 (MAGALHÃES, 1988, pp. 15-17). 

Para inviabilizar indenização de ex-proprietários de escravos (a qual sempre combatera no Parlamento), pleiteada por associação nacional, que para isso já organizara um banco próprio em vias de aprovação governamental e parlamentar, Rui emitiu parecer jurídico contrário e, ato contínuo, mandou queimar os arquivos escravocratas, em 1890, então depositados no Ministério da Fazenda, o qual assumira no governo provisório republicano de 1889 (LACOMBE, 1988, pp. 37).

 

Na promoção de jornais independentes de governos, destacando-se (como mídias regionalmente ou nacionalmente relevantes na época) a fundação do Radical Paulistano ou a direção do Diário de Notícias, Jornal do Brasil e A Imprensa (LACOMBE, 1984, pp. 9, 33, 63, 68-69) ou publicações regulares no Jornal do Comércio, mesmo durante seu exílio britânico (1893 a 1895) quando ameaçado pelo governo Floriano, que acusava de arbítrio governamental (MACHADO, 1999, p. 7).

Pelas denúncias de corrupção (interna ou externa) de serviços públicos: entre o fim do Império e início da República, a distribuição de favores governamentais sem mérito técnico tinha o nome de “patronato” e “filhotismo”. O meio pelo qual se exercia o patronato era a “proteção”. Se não era o emprego, eram os contratos, as subvenções, as garantias de juro, as empreitadas, os fornecimentos públicos. Durante seu período no Ministério fazendário (15/11/1889 a 21/1/1891), Rui foi assediado por 1.013 pedidos de emprego e outros favores privados de pessoas físicas (2,7 por dia), sendo apenas um deles de tipo republicano, recomendando indivíduo por sua qualificação técnica. Mas preferia as nomeações por concurso ou, no mínimo, justificadas pelo interesse do serviço público (CARVALHO, 2000, pp. 1-10). 

Desde 1874, através do Diário da Bahia, condenava tais subornos (nem sempre implícitos), internos e externos à administração pública. Em 1914, artigo jornalístico seu caracterizou parentes, amigos e sócios como categorias deletérias à racionalização do Estado. Seu relatório ministerial diz ter autorizado o funcionamento do Banco dos Funcionários Públicos, criado o Montepio dos Empregados do Ministério da Fazenda, reformulado a legislação sobre concursos e introduzido plano de reforma para tanto reduzir pessoal, quanto aumentar salários funcionais e acelerar o serviço prestado (CARVALHO, 2000, pp. 12-15).

De laicização do Estado: As relações entre Estado e religião definidas pela Constituição monárquica de 1824 seguiam uma estrutura pombalina, estabelecida ainda no período colonial. Liberdade acatólica de culto sofria, nos termos constitucionais, amplas restrições confirmadas pelas leis e regulamentações editadas sobre rituais, enquanto autoridades católicas dominavam a educação, a saúde pública e as obras assistenciais, com exclusividade na concessão de registros de nascimento, casamento e óbito (LEITE, 2011, p. 34). 

A Constituição republicana tornou laico o Estado, não mais negativamente discriminatório de religiões, mas a separação adotada foi a laicidade estadunidense (relativa) e não a francesa (absoluta), implicitamente reconhecendo a revelação cristã como tradição brasileira pela permissividade de símbolos cristãos no espaço público e Rui como seu autor intelectual na elaboração constitucional (LEITE, 2011, p. 41):

Ali [nos EUA] não se divisa nesses fatos o mínimo agravo à secularidade legal das instituições. O que lá não se toleraria, nem a nossa legislação tolera, é estabelecer distinções legais entre confissões religiosas, sustentar a instrução ou o culto religioso à custa de impostos, obrigar à frequência dos templos ou à assiduidade nos deveres da fé, criar embaraços de qualquer natureza ao exercício da religião, contrariar de algum modo a liberdade de consciência, a expressão das crenças ou a manifestação da incredulidade, nos limites do respeito às crenças e à liberdade alheias. […] Desde 1876 que eu escrevia e pregava contra o consórcio da Igreja com o Estado; mas nunca o fiz em nome da irreligião: sempre, em nome da liberdade. […] No Brasil o catolicismo era a religião geral; o protestantismo, o deísmo, o positivismo, o ateísmo, exceções circunscritas (BARBOSA 1903, pp. 368-383). 

Na invenção de campanha eleitoral: Pioneiramente exercida, no Brasil, por Rui como candidato a deputado (geral) em 1881, quando concorreu à reeleição mediante visitas (inéditas, até então) a eleitores, reagindo às críticas de jornais escravistas ao seu abolicionismo (por vezes, acusado até de “comunismo”). Também inaugurou excursões (São Paulo, Bahia e Minas) e comícios eleitorais na sucessão presidencial de 1909, durante sua primeira campanha à Presidência da República e cujo modelo ampliaria, destacando-se debates seguidos a conferências sobre temas nacionais, em sua última campanha presidencial de 1919 (LACOMBE, 1984, pp. 26-27, 51, 58-59). 

Pela federalização do território brasileiro: Antes de se tornar republicano, Rui defendera a forma federativa de Estado (autonomizando províncias) e abandonou a Monarquia após tentativas infrutíferas por sua adoção monárquica. Considerava que o meio americano, a natureza física, a heterogeneidade dos interesses regionais (inclusive locais) e mesmo o ódio provincial à centralização monárquica, tornavam a federação adequada ao Brasil, tanto para manutenção da unidade territorial, quanto expressiva de sua diversidade espacial, institucional e cultural (MARINHO, 1996, p. 6). 

Com a ascensão republicana, inclusive com sua adesão ao movimento republicano de 1889, continuou atento à unidade nacional herdada, agora como lastro federativo: 

Senhores, não somos uma federação de povos até ontem separados, e reunidos de ontem para hoje. Pelo contrário, é da união que partimos. Na união nascemos. Na união se geraram e fecharam os olhos nossos pais. Na união ainda não cessamos de estar. Para que a união seja a herança de nossa descendência, todos os sacrifícios serão poucos. A união é, talvez, o único benefício sem mescla, que a monarquia nos assegurou. E um dos mais terríveis argumentos, que a monarquia ameaçada viu surgir contra si, foi o de que o seu espírito centralizador tendia a dissolver a união pela reação crescente dos descontentamentos locais. Para não descer abaixo do Império, a República, a Federação, necessita de começar mostrando-se capaz de preservar a União, pelo menos tão bem quanto ele. Quando, sob as últimas trevas do regímen extinto, começou a alvorecer entre nós a aspiração federalista, o mais poderoso espantalho agitado pela realeza contra ela era a desintegração da pátria, a dissolução da nossa nacionalidade pelo gênio do separatismo inerente, segundo os seus inimigos, à forma federativa.” (BARBOSA, 1999b, p. 83).

Ao considerar que crescia a tendência constituinte, de federalização análoga à estadunidense, ainda compareceu à Assembleia que votava a Constituição republicana para ressaltar a especificidade brasileira de esfera federal como núcleo institucional das esferas regionais: 

Na União nascemos. […] Fora da União não há conservação para os estados. […] A federação pressupõe a União, e deve destinar-se a robustecê-la. […] Os que partem dos estados para a União, em vez de partir da União para os estados, transpõem os termos do problema. (BARBOSA, 1946 (1890), p. 148).

Concretizada sua premonição política sobre o conluio oligárquico entre governos estaduais e da União, inclusive pelo recorrente emprego de intervenção federal (ao longo da primeira República) para manter situações políticas regionais, Rui passou a apelar, constantemente, para o Supremo Tribunal Federal, exigindo a interrupção do intervencionismo abusivo (contra oposições locais no âmbito estadual) e exigindo que a Corte assumisse seu papel de guardião federativo (MARINHO, 1996, pp. 7-9).

• De eleição direta e sigilosa de deputados, com alistamento eleitoral judiciário de alfabetizados: Antes da reforma eleitoral de 1881, defendida desde seu primeiro mandato de deputado geral (1878/1881), as eleições para deputados e senadores, para a Assembleia Geral, eram realizadas de forma indireta e em dois graus: votantes elegiam quem elegeria os legisladores. O voto era masculino, aberto e obrigatório, com alta renda e alfabetização condicionando elegíveis (LEÃO, 2013, p. 40): 

Aos estadistas que os vêm trazer a eleição direta, cuja fundação, com os seus complementos inseparáveis, e um imenso melhoramento (muitos apoiados), seguirei, e aplaudirei, pois (conquanto ambicione muito mais que isso), com uma ressalva apenas: a de evidenciarmos, antes, durante e após essa concessão, a insuficiência dela; a de não aceitarmo-la senão como um ponto de partida, e, conseguida, convertermo-la em instrumento para exigir, impor, conquistar essas outras reformas tão intrinsecamente superiores a esta, quanto aos meios é intrinsecamente superior o fim que os determina. (BARBOSA, 1999b, p. 70).

Em época eleitoral, sob o controle oligárquico no meio rural (quase todo Brasil de então), destacavam-se os seguintes especialistas em trapacear nas eleições: o cabalista, o capanga e o fósforo. O “cabalista” era o responsável por incluir, na lista de votantes, o maior número que conseguisse de partidários de seu chefe, ao qual garantia o voto dos que alistava. Já o “capanga” ameaçava, atordoava e amedrontava os adversários, intimidando-os. Frequentemente, entravam em lutas com os “capangas” dos adversários de seu chefe político. Por fim, o “fósforo”, um homem que se fazia passar pelo verdadeiro votante (LEÃO, 2013, p. 41).

Embora a reforma não elevasse o censo pecuniário (apesar de Rui preferir suprimi-lo) e incluísse acatólicos e libertos (da escravidão) entre eleitores, ela excluiu analfabetos. Única exclusão do projeto com o qual Rui concordava, ele entendia sua verificação (que denominou censo literário) judicial congruente com a moralização eleitoral e o fortalecimento educacional público que defendia, à medida que jornais ainda eram as únicas fontes de ciência do cotidiano nacional (LEÃO, 2013, p. 68): 

Quando se inaugura uma liberdade parcial mediante comum acordo entre a escola radical e as outras, não é a escola radical quem faz a concessão; é antes ela quem a recebe. Coisa inteiramente diversa de uma filosofia é a política; sua condição é ser prática, ou não ser nada. A política radical aspira a plena e completa fruição da liberdade; mas caminha para lá conquistando sucessivamente as liberdades possíveis. É radical, porque pretende o todo, e não descansa antes de havê-lo alcançado integralmente; mas não tem nem a esperança de reformar tudo numa hora, nem a estultice de desdenhar reformas incompletas, que possam facilitar a reforma definitiva. (BARBOSA, 1999b, p. 71).

Por introdução de educação física escolar (1882) e fortalecimento de ensino público, inclusive universitário (desde 1883): Durante seu segundo mandato como deputado geral, sugeriu: 

[…] a instituição de uma sessão especial de ginástica nas escolas e sua inclusão […] em horas distintas das do recreio e […] estendendo sua prática a ambos os sexos […]. Preconizava, ademais, a equiparação, em categoria e autoridade, dos professores de ginástica às outras disciplinas, pois entendia que era necessário que o desenvolvimento intelectual e o físico caminhassem paralelamente. (ARRUDA, 2014, p. 153). 

Considerava-a parte da autonomização própria a indivíduos (MARINHO, 1980): “Não pretendemos formar acrobatas nem Hércules, mas desenvolver na criança o quantum de vigor físico essencial ao equilíbrio da vida humana, à felicidade da alma, à preservação da pátria e à dignidade da espécie” (BARBOSA, 1882).

Seus pareceres parlamentares ainda versaram sobre maior obrigação de frequência escolar, de investimentos em escolas públicas e melhorias específicas ao ensino secundário, versando também sobre o ensino superior: criação de universidade no Rio de Janeiro; aulas práticas nas escolas de medicina, ampliando seus laboratórios; e até reformulação do ensino jurídico que enfatizasse seu aspecto prático e maior rigor científico (BEVILAQUA & MACHADO, 2005, pp. 99-103; BARBOSA, 1882).

De diversificação industrial por medidas monetárias e creditícias (1889/1890) cuja adoção foi a primeira política econômica heterodoxa no Brasil, apesar de sua formação economicamente ortodoxa (papelista). Enquanto ministro (primeiro republicano) da Fazenda, aproximou-se de políticas posteriormente associadas ao desenvolvimentismo brasileiro (a partir do Governo Vargas), acarretando expansão empresarial que resultou especulativa e inflacionária, mas fortaleceu os setores de alimentação e vestuário, beneficiados pelo acesso tarifário a matérias-primas pelo Decreto 836/1890 (SALOMÃO & FONSECA, 2015, pp. 169-174). 

Mesmo após sair do Ministério fazendário, continuou debatendo no Senado, as questões com que se deparara durante a implementação do encilhamento (política econômica e monetária com a qual estimulara disseminações empresariais no Brasil) financeiro-empresarial, o qual redundara em falências especulativas exponenciais e cuja prevenção legal-judicial converteria, eventualmente, em próspero ambiente de negócios o mercado interno brasileiro: 

A febre das especulações de Bolsa não nasceram, pois, das finanças republicanas. Era enfermidade preexistente que, durante as últimas semanas da Monarquia, se exacerbara até às proporções de delírio agudo. Não será, pois, estranha a impavidez, com que os representantes dessas tradições, os que nelas se opulentaram, apedrejam atualmente, os governos republicanos como autores da propaganda desse mal? Têm […] o direito de responsabilizar-nos pelo desenvolvimento da infecção, que eles mesmos, a benefício de seus interesses, inocularam nos costumes da praça?”  (BARBOSA, 1981, p. 177-178). “[…] porque da justiça nasce a confiança, da confiança a tranquilidade, da tranquilidade o trabalho, do trabalho a produção, da produção o crédito, do crédito a opulência, da opulência a respeitabilidade, a duração, o vigor” (BARBOSA, 1896, p. 37).

De ampliação da aplicação do habeas corpus (1892), cuja origem britânica (Magna Carta de 1215) fora específica contra prisões arbitrárias, mas cuja dicção constitucional de 1891 o tornava hábil também à proteção de quaisquer liberdades individuais, especialmente às inerentes a condições individualmente concretas, como imitir indivíduo na posse de coisa privada ou cargo público pertinente. Concebendo direitos imanentes, tanto a todos quanto a alguns indivíduos aos quais fossem, meritoriamente, conferidos, Rui interpretou o habeas corpus brasileiro com aplicação tão ampla que englobava as que só foram previstas (mandados de segurança e injunção, ação popular e habeas data) em Constituições brasileiras posteriores e, totalmente, somente em 1988. 

Também foi o instrumento ruiano pelo qual mobilizou o nascente STF, reiteradamente (desde 23/4/1892), como guardião de liberdades constitucionais, principalmente contra o Poder Executivo, especialmente na banalização de Estados de Sítio e outras situações inconstitucionais decretadas ao longo da República recém-inaugurada (LAGO, 2005): 

Cidadão, vejo que, se passar este aresto da força, todas as garantias da liberdade individual terão acabado neste País, e a liberdade política, anulada na sua origem, ficará sendo apenas um colar de miçangas e lentejoilas, deixado por ornato desprezível à inconsciência boçal da nossa abdicação. Advogado, afeito a não ver na minha banca o balcão do mercenário, considero-me obrigado a honrar a minha profissão como um órgão subsidiário da justiça, como um instrumento espontâneo das grandes reivindicações do Direito, quando os atentados contra ele ferirem diretamente, através do indivíduo, os interesses gerais da coletividade (BARBOSA, 1999b, p. 136). 

    

Por independência do Poder Judiciário, criação de Tribunal de Contas da administração pública (1890) e autonomia institucional ao Ministério Público (1893), inclusive interpretando ambos últimos como híbridos institucionais. 

No Ministério da Fazenda e ainda antes de concluída a Constituinte republicana (Decreto 966-A de 7/11/1890), propôs uma magistratura, tão especializada em temas administrativos, quanto intermediária entre a administração pública (principalmente do Executivo em seus vários níveis federativos) e o Legislativo. Um Tribunal de Contas com autonomia suficiente de ambas, conforme congênere italiano de então, ao ponto de disciplinar as receitas orçamentárias, preventivamente e pedagogicamente em geral, mas principalmente pelos gestores públicos do Executivo. (BARBOSA, 2001, pp. 60-70). 

Com a nova Constituição, também interpretou, a partir de 1893, o Ministério Público brasileiro cuja imparcialidade imperativa, na vigília das leis, em geral, o posicionaria como híbrido institucional entre o Executivo (do qual provinha) e o Judiciário (com a mesma imparcialidade) no Brasil (LOPES, 2000, pp. 76-80).  

Assim, também instruiu defesa de promotor de justiça ora demitido por governador estadual, em 1916: 

O que bem claro está, portanto, que para se confundir as duas numa só instituição, só se carece é de que o ministério Público seja nivelado ao outro braço da magistratura nas garantias de independência, até hoje quase em toda parte mais amplas com relação a este do que aquele. […] Se à magistratura judicante se tem indispensáveis todas essas garantias, quando as funções dessa magistratura se concentram num só Poder, não se atina porque se desfalcarão essas garantias, justamente quando se trata daquela dessas duas magistraturas que, entendendo com dois Poderes mais definida a via de estar contra as pressões da intolerância e do interesse, da corrupção e da força. Nem se concebe como, coincidindo na mesma entidade algumas funções executivas com as funções judiciárias, que a caracterizam, classificando-a como elemento integrante da ordem judicial, por amor das primeiras se subtraiam às segundas as condições de integridade profissional, que estas exigem, e que sem a independência assegurada pela inamovibilidade não podem existir (BARBOSA, 1916, pp. 67-68).

Ao vértice do Poder Judiciário (Supremo Tribunal Federal) considerava essencial, à República, à forma federativa de Estado e ao regime democrático no Brasil, sua assunção cotidiana sobre o Executivo e o Legislativo. O que legitimaria tanto a escolha conjugada (entre Poderes eleitos), quanto a vitaliciedade dos integrantes da Corte Suprema, fornecendo intérpretes constitucionais garantes da soberania popular plasmada na Constituição: 

Quem quer que saiba, ao menos em confuso, destas coisas, não ignorará que todos os juízes deste mundo gozam, como juízes, pela natureza essencial às suas funções, o benefício de não poderem incorrer em responsabilidade pela inteligência que derem às leis de que são aplicadores. […] Pois se, de revisão e de recurso em recurso, a um paradeiro havemos de chegar, onde se estaque, e donde se não tolere mais recurso, nem revisão, por que iríamos assentar esse último elo na política, em vez de o deixar na magistratura? Pois, se da política é que nos queremos precaver, buscando a justiça, como é que à política deixaríamos a última palavra contra a justiça? Pois, se nos tribunais é que andamos à cata de guarida para os nossos direitos, contra os ataques sucessivos do Parlamento ou do Executivo, como é que volveríamos a fazer de um destes dois poderes a palmatória dos tribunais? (BARBOSA, 1999b, p. 169).

Pela fundação (1897) e presidência (1908) da Academia Brasileira de Letras, sucedendo seu primeiro Presidente e colega fundador (Machado de Assis), em cujo discurso fúnebre ressaltou a relevância histórica das letras brasileiras para a autoconsciência nacional (e o consequente papel institucional da ABL- Academia Brasileira de Letras) por sua valorização no Brasil:

Das riquezas da sua inspiração na lírica, da sua mestria no estilo, da sua sagacidade na psicologia, do seu mimo na invenção, da sua bonomia no humorismo, do seu nacionalismo na originalidade, da sua lhaneza, tato e gosto literário, darão testemunho perpetuamente, os seus escritos, galeria de obras-primas, que não atesta menos da nossa cultura, da independência, da vitalidade e das energias civilizadoras da nossa raça do que uma exposição inteira de tesouros do solo e produtos mecânicos do trabalho. (BARBOSA, 1908, p. 3).

Pela crítica (1904) e posterior defesa da vacinação obrigatória (1917): Durante vacinação da população carioca, coercitivamente conduzida pelas autoridades sanitárias, Rui se posicionou contrário à sua obrigatoriedade: “Assim como o poder humano veda invadir-nos a consciência, assim lhe veda transpor-nos a epiderme” (BARBOSA, 2006, p. 187). 

Posteriormente, porém, defendeu a obrigação vacinal, considerando a vacina, como tecnologia medicinal (aliada da liberdade, como toda Ciência), de utilidade geral por garantir liberdades individuais contra sua depreciação endêmica, mesmo quando epidemia não mate contaminados: “Se Deus não suscitasse a missão de Oswaldo Cruz, o Brasil teria o mesmo sol, […] mas o sol com a peste, com o impaludismo, com a febre amarela […] e não teria o bem logrado sol dos países saneados” (BARBOSA, 1999a, p. 61). 

Pela diplomacia pacifista por igualdade internacional, a partir de sua representação do Brasil na Conferência Internacional de Haia (Holanda) em 1907, quando defendeu reformas que conduziriam a uma nova mentalidade, sem que fosse necessário alterar a substância do sistema interestatal. As Conferências não tinham por finalidade uma mudança estrutural nas formas de relacionamento, até então, vigentes entre os Estados. Pretendiam tão-somente aperfeiçoar o sistema jurídico internacional já existente. (GARCIA, 1996, p. 121). 

As propostas ruianas tendiam a igualar nações em suas respectivas soberanias, versando sobre abolição da captura de navios, inviolabilidade da propriedade privada no mar, abolição do contrabando de guerra, contra transformação de navios mercantes em vasos de guerra, estadia de navios beligerantes em portos neutros, colocação de minas por nações neutras, comissões internacionais de inquérito e, pela arbitragem internacional obrigatória (BARBOSA, 2007): 

Consideramos como singularmente grave, para a adoção e para o futuro da arbitragem internacional, a inovação do tribunal obrigatório que, por uma evolução imprevista, procura gravar-se em algumas mentes, sobre a obrigação do julgamento arbitral. São duas normas distintas que devem estar absolutamente separadas. Pode-se admitir a arbitragem obrigatória para todos os conflitos internacionais sem com isso comprometer-se, para nenhum deles, à obrigação de um tribunal. Pode-se, ao contrário, submeter-se à obrigação do tribunal e restringir a da arbitragem a um número mínimo de casos (BARBOSA, 2007, pp. 115-116).

Dado o papel desempenhado por ele na Segunda Conferência de Haia, não seria errôneo afirmar que Rui Barbosa foi um dos pioneiros na formulação doutrinária que conduziu à aceitação universal do princípio da igualdade jurídica dos Estados, pedra basilar do multilateralismo diplomático contemporâneo em relações internacionais (GARCIA, 1996, p. 122). Ainda durante a guerra (primeira mundial), defendendo a unidade entre nações neutras em torno dos tratados prévios, voltou a destacar a superioridade das transações internacionais na prevenção e dissolução de conflitos bélicos: 

A própria vitória das armas, quando não corresponde à justiça, não os dirime solidamente: apenas se abafam e procrastinam para, ulteriormente, renascerem em novas guerras. Se a de 1870 não tivesse tomado à França a Alsácia e a Lorena, não teria perpetuado entre os vencidos o sentimento da desforra, entre os vencedores, o da conquista. Somente a moral, portanto, é prática. Somente a justiça é eficaz. Somente as criações de uma e outra perduram. (BARBOSA, 1999b, p. 223).

Pela valorização da política tout court como competência (especificamente) civil na administração pública (1909), desde sua primeira campanha à sucessão presidencial de 1910 e disputada contra o Marechal Hermes, cuja candidatura assumiria implícita superioridade moral e técnica de militares para a administração pública. A plataforma civilista de Rui assentava a competência administrativa de conflitos que só a política partidária conferiria, incrementada pela adoção de conteúdos programáticos explícitos pelas candidaturas presidenciais e banindo a política em quartéis (BARBOSA, 1999b, pp. 302, 312, 353-354, 358-359). 

Ainda neste sentido, acentuava a necessidade programática de candidaturas eleitorais, mormente presidenciais, embora não fossem ainda costumeiros programas governamentais: 

Grande como já é de si mesma, em meu favor, pelo simples cotejo aritmético, essa diferença avulta enormemente, em se considerando a diversidade entre os dois candidatos no tocante aos motivos, que determinam a existência das plataformas presidenciais. Se estas se requerem, não é, claro está, com outro intuito que o de formular e dar a conhecer as ideias políticas dos pretendentes à confiança do eleitorado (BARBOSA, 1999b, p. 301).

Pela Presidência do Instituto dos Advogados Brasileiros (1914) e formação de bacharéis compromissados com a democracia (1921): A retidão jurídica, objetivamente contraposta  ao domínio sociopolítico oligárquico, dependeria de operadores do Direito (carreiras jurídicas, especialmente judiciais) comprometidos com a democracia e valores republicanos e assim os convocava, tanto como Presidente do IAB (19/11/1914), quanto em sua última peroração a bacharelandos: 

Uma espécie de maldição acompanha, ultimamente, o trabalho ingrato dos que se votaram à lida insana de sujeitar à legalidade os governos, implantar a responsabilidade no serviço da nação, e interessar o povo nos negócios do País. A opinião pública, mergulhada numa indiferença crescente, entregou-se de todo ao mais muçulmano dos fatalismos. […] Ora, senhores, como todas estas calamidades se reduzem à inobservância da lei, e têm na inobservância da lei a sua causa imediata, não estranhareis que para elas vos chame a atenção numa solenidade como esta. Vosso papel está em serdes um dos guardas professos da lei, guarda espontâneo, independente e desinteressado, mas essencial, permanente e irredutível (BARBOSA, 1999b, pp. 158-159).

Ora, senhores bacharelandos, pesai bem que vos ides consagrar à lei, num País onde a lei absolutamente não exprime o consentimento da maioria, onde são as minorias, as oligarquias mais acanhadas, mais impopulares e menos respeitáveis, as que põem, e dispõem, as que mandam, e desmandam em tudo; a saber: num País, onde, verdadeiramente, não há lei, não o há, moral, política ou juridicamente falando.[…] Que extraordinário, que imensurável, que, por assim dizer, estupendo e sobre-humano, logo, não será, em tais condições, o papel da justiça! De nada aproveitam leis, bem se sabe, não existindo quem as ampare contra os abusos; e o amparo sobre todos essencial é o de uma justiça tão alta no seu poder, quanto na sua missão (BARBOSA, 2019, pp. 50-52).

Por direitos sociais para trabalhadores (1919), especialmente operários, no programa de sua última candidatura à sucessão presidencial e sua inclusão por revisão constitucional (passando a conceber a questão democrática brasileira também como questão social e não só industrial), os quais foram a habitação operária favorecida, limites semanais ao trabalho e de menores, prevenção e indenização de acidentes no trabalho, higiene industrial obrigatória, maternidade operária garantida, seguro operário, igualdade salarial entre homens e mulheres, extinção dos armazéns patronais de endividamento de trabalhadores, tornar especiais contratos de trabalho e extensão dos mesmos direitos de trabalhadores urbanos ao trabalho rural (BARBOSA, 1999b, pp. 384-401): 

O Brasil é este comício imenso de almas livres. Não são os comensais do erário. Não são as ratazanas do Tesoiro. Não são os mercadores do Parlamento. Não são as sanguessugas da riqueza pública. Não são os falsificadores de eleições. Não são os compradores de jornais. Não são os corruptores do sistema republicano. Não são os oligarcas estaduais. Não são os ministros de tarraxa. Não são os presidentes de palha. Não são os publicistas de aluguer. Não são os estadistas de impostura. Não são os diplomatas de marca estrangeira. São as células ativas da vida nacional. É a multidão que não adula, não teme, não corre, não recua, não deserta, não se vende. Não é a massa inconsciente, que oscila da servidão à desordem, mas a coesão orgânica das unidades pensantes, o oceano das consciências, a mole das vagas humanas, onde a Providência acumula reservas inesgotáveis de calor, de força e de luz para a renovação das nossas energias. (BARBOSA, 1999b, pp. 371-372).

[…] Operários brasileiros, que viestes hoje a mim, que me honrais com o desejo de me ouvir, que me estais dando a vossa atenção, a importância do elemento que representais cresce a olhos vistos, dia a dia, mas não principalmente por irdes crescendo em numerosidade […]; sim porque melhorais em moralidade; sim porque vos desenvolveis no sentimento de vós mesmos, do vosso valor no meio dos outros fatores sociais, das vossas necessidades na cultura desse valor. […] Operários brasileiros, se não renunciais à vossa terra, olhai, enquanto seja tempo, pela vossa pátria. (BARBOSA, 1999b, p. 417). 

Como evidenciam suas causas públicas, Rui foi abolicionista da escravidão; laicista do Estado; federalista monárquico e republicano; emancipacionista educacional; constitucionalista de direitos individuais; editorialista ou articulista de jornais não governamentais e das letras nacionais; moralista eleitoral, administrativo e sanitário; economista desenvolvimentista; jurista-político democrático; internacionalista pacifista e, afinal, reformista social porque concebia tais atividades como vias constitutivas de uma cultura cívica brasileira, da qual a democracia dependeria para superar suas oligarquias sociopolíticas e concluir nossa integração nacional. 

A Tabela a seguir destaca o tema da cultura democrática nas várias causas ruianas, cujo viés opõe realidades sociais oligárquicas à autonomia individual cultivada por Rui Barbosa:

Tabela 1. Oligarquia social x autonomia individual como questão ruiana fundamental

Problema oligárquico Fortalecimento individual Efeito cívico esperado
Escravidão negreira Abolição da escravatura População com deveres gerais
Insulamento governamental Descentralização federativa Diversidade regional reconhecida, com aprendizado cívico local
Ignorância nacional de representantes legislativos Eleição direta e secreta de legisladores nacionais Accountability de legisladores nacionais
Mandonismo eleitoral local Alistamento judicial de eleitores Lisura do processo eleitoral
Inapetência política nacional Campanhas eleitorais e programáticas Eleitores politicamente ativos
Exclusão de acatólicos Laicidade do Estado Diversidade religiosa (inclusive ateia)
Exclusão científica generalizada Ensino básico obrigatório Cognição geral da realidade
Inconsciência corporal Educação física Vigor físico básico
Compadrio e filhotismo de cargos públicos Denúncias de corrupção de serviços públicos Retidão administrativa para eficiência
Ignorância nacional generalizada Jornais independentes Comunicação informacional geral
Arbítrios governamentais Juízes independentes Garantir críticas a governos
Monoculturas exportadoras Diversificação industrial Empreendedorismo generalizado
Obscuridade orçamentária Tribunal de Contas Disciplina rotineira à gestão pública
Legalidade inefetiva Autonomia ao Ministério Público + fiscalização das leis, em geral
Direitos individuais inefetivos Habeas Corpus genérico Garantia geral a direitos individuais
Identidade nacional precária Fundação da ABL Valorização das letras nacionais
Formalismo jurídico Ensino jurídico prático-democrático Retidão social da aplicação legal
Predomínio moral de militares Campanha civilista Valorização da política partidária, em geral
Belicismo internacional Diplomacia pacifista Paz internacional
Exploração do trabalho Direitos sociais básicos Contratualidade inclusiva

Fonte: Elaborada pelo autor com base em: Rui Barbosa (2019; 2007: 1999b; 1986; 1981; 1956; 1946; 1908; 1903; 1901; 1896; 1882, 1916), Lopes (2000, pp. 76-79) e Eurico Barbosa (2001).  

Conclusão: uma estratégia ruiana para a cidadania brasileira – Oligarquias são elites cujos membros exercem suas posições sociais destacadas sem mérito individual, assim como também não são meritórias posições sociais subalternas ou marginais por exclusões sociais preconceituosas. Contra ambas Rui se insurgia, ao criticar políticas oligárquicas como reprodutoras da extrema desigualdade brasileira (política, econômica e social). 

Como a oligarquização brasileira obstaculizaria a plena integração nacional que só a democracia enseja (MAUSS, 2017, pp. 79-81), as causas ruianas foram propostas políticas de expansão da cidadania brasileira nas quais a liberdade individual de manifestação (um direito tão civil quanto político) consistiria na base da universalização de direitos (civis, políticos e sociais), em geral: 

Creio na liberdade onipotente, criadora das nações robustas; creio na lei, emanação dela, o seu órgão capital, a primeira das suas necessidades; creio que, neste regímen, não há poderes soberanos, e soberano é só o Direito, interpretado pelos tribunais; creio que a própria soberania popular necessita de limites, e que esses limites vêm a ser as suas Constituições, por ela mesma criadas, nas suas horas de inspiração jurídica […]; creio no governo do povo pelo povo; creio, porém, que o governo do povo pelo povo tem a base da sua legitimidade na cultura da inteligência nacional pelo desenvolvimento nacional do ensino, para o qual as maiores liberalidades do tesouro constituíram sempre o mais reprodutivo emprego da riqueza pública […]; oponho-me aos governos de seita, aos governos de facção, aos governos de ignorância; e, quando esta se traduz pela abolição geral das grandes instituições docentes, isto é, pela hostilidade radical à inteligência do País nos focos mais altos da sua cultura […] (BARBOSA, 1896, pp. 37-38).

À medida que a formação de opinião pública contrariaria, objetivamente, a oligarquização brasileira, em quaisquer âmbitos, o exercício regular da liberdade individual de manifestação, principalmente em questões públicas, deveria tornar-se habitual, progressivamente resultando numa cultura cívica ou participativa, tão ou mais necessária e, ao menos, condicionante do próprio funcionamento institucional da democracia brasileira.  Então, o papel ruiano ou cívico-pedagógico adotado também assumia, dentre os modelos de cidadania (TURNER, 1990, p. 200-201), que a brasileira se universalizaria, enquanto institucionalmente (especialmente, judicialmente) propiciada, de cima para baixo na esfera pública:

[…] comum a todos os cidadãos. Qualquer proletário, o mais humilde homem do povo poderia exercitar, no jornal ou na praça. Nem é um direito de limitações regionais. Todo o cidadão, em qualquer estado, o pode usar com relação a esse ou a qualquer outro e, combatendo a política dos estados, combater, com o mesmo desassombro de quem não sai do logradouro de sua individualidade legal, a política da União (BARBOSA, 1956a [1919], p. 6).

Tal interpretação ruiana da integração nacional brasileira, tal qual sua predileção pela arbitragem internacional destacaria, também se estendia sobre a conjuntura mundial na qual operou e cujo contraste entre ambos séculos (XIX e XX) compreendeu como transição à individualidade expansiva: 

Como quer que for, porém, não regateemos a esse magnífico período secular o seu merecimento. Seu caráter foi, em geral, magnânimo e radioso. Aboliu a escravidão. Resgatou, na família europeia, quase todas as nacionalidades opressas. Generalizou o governo do povo pelo povo. Elevou os direitos da consciência a uma altura sagrada. Depurou a liberdade, a justiça e a democracia. Criou a opinião pública, e deu-lhe a soberania dos Estados. Entronizou a igualdade legal. Fundou a educação popular. Extraiu da ciência benefícios e portentos, que deslumbram a fantasia. Mudou a paz e a guerra. Transfigurou a face dos continentes e dos mares. Mas até onde tocou o coração do homem, só Deus o sabe, e o saberemos nós, quando a centelha atmosférica inflamar os combustíveis, cuja aglomeração silenciosa inquieta os grandes e apavora os pequenos. Então os que assistirem ao espetáculo, poderão dizer se a um século, em que a ciência serviu principalmente à força, terá sucedido um século, em que a força se incline, afinal, ao Direito. (BARBOSA, 1901, p. 6).

Assim como entendia que a monarquia parlamentar britânica e a república presidencial estadunidense deviam sua boa sorte institucional à cultura cívica ou democrática própria, que seria bloqueada pela onipresença oligárquica brasileira, sua estratégia de cidadania também remontava a um conceito de cultura como complexificação de subjetividades individuais (LOPES, 2019, pp. 23-25), tão condizente com sua erudição, quanto com a individualidade cívica da qual esperava nossa plena integração nacional (MAUSS, 2017, pp. 79-81). Por sua divulgação conceitual ostensivamente reiterada, remanesceu o aniversário ruiano (5/11) como Dia da Cultura Nacional e a Fundação da qual é patrono, na casa onde residiu durante seus mandatos nacionais. À qual incumbe, tanto quanto às principais instituições públicas nacionais – todas legatárias ruianas, em algum grau – contribuírem, a seu modo próprio, para a construção de uma cultura cívica correspondente à atual democracia brasileira.  

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Notas_____________________

1 Rui distinguia essa “democracia social”, tanto do bolchevismo russo quanto da social-democracia alemã (BARBOSA, 1999 [1919], pp. 25-26; 64-65), adotando a doutrina do cardeal belga Joseph-Desirée Mercier (1851-1926), cuja pregação seguia o catolicismo social da Encíclica Rerum Novarum (1891), pelo papa Leão XIII.

2 Monarquia federativa seria eventual inovação ruiana, à medida que o federalismo era uma tendência institucional originária do republicanismo estadunidense e, portanto, federal (LOPES, 2003, pp. 104-105).

3 Conceituadas pela concentração de domínio político tanto proveniente quanto instrumental da acumulação de riqueza material por grupos monopolistas, em qualquer âmbito e ao ponto de funcionarem como instâncias tão informais quão equivalentes, senão mesmo superiores, às instituições (públicas ou privadas) regularmente funcionais no Estado (§ 4 do capítulo V do livro III de ARISTÓTELES, 1998).

4 Direitos civis garantem exteriorizações da personalidade de seus titulares, direitos políticos a participação em decisões públicas e direitos sociais a inclusão na sociabilidade (MARSHALL, 1967).

5 Modalidade tipicamente democrática de cultura política (ALMOND & VERBA, 1965).

6 “O espírito jurídico é o caráter geral das grandes nações senhoras de si mesmas. Dele nasce a grandeza da monarquia representativa na Inglaterra e a grandeza da república federal nos Estados Unidos. Cada cidadão inglês, cada cidadão americano é um constitucionalista quase provecto. Há entre nós antigas prevenções contra os juristas; mas essas prevenções caracterizam os povos, onde o sentimento jurídico não penetrou no comum dos indivíduos. O mal está na ausência desse sentimento, ou na sua degeneração” (BARBOSA, 1999b, p. 123).

7 “[…] creio no governo do povo pelo povo; creio, porém, que o governo do povo pelo povo tem a base da sua legitimidade na cultura da inteligência nacional pelo desenvolvimento nacional do ensino, para o qual as maiores liberalidades do tesouro constituíram sempre o mais reprodutivo emprego da riqueza pública […]” (BARBOSA, 1896, p. 37).

8 Comprada pelo governo federal, logo após sua morte (1923), pertenceu a Ministérios variados, desde então, sendo as leis 5579 de 1970 e 4943 de 1966 suas últimas atualizações legais orgânicas.