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O que está salvando as empresas?

4 de fevereiro de 2022

Daniel Carnio Costa Juiz Titular da 1a Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo Conselheiro do CNMP / Ministro do STJ e Presidente do Conselho Editorial

Luis Felipe Salomão Presidente do Conselho Editorial / Corregedor Nacional de Justiça / Ministro do STJ

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No início de 2020, quando o mundo ainda enfrentava as incertezas das consequências sociais, sanitárias e econômicas decorrentes da pandemia de covid-19, temia-se que as medidas de distanciamento social, implementadas em diversos países do mundo (inclusive no Brasil), pudessem gerar um impacto devastador na atividade econômica, empresarial e na geração de empregos e renda. Utilizando a alegoria cunhada por Lawrence Summers, economista da Universidade de Harvard, o relógio econômico da empresa fica paralisado, ao passo que o relógio financeiro continua girando, levando-a à situação de insolvência no curto ou médio prazo.

Nesse sentido, temia-se que a pandemia gerasse uma grande onda de demandas judiciais decorrentes da generalizada situação de inadimplência, notadamente das micro e pequenas empresas. Esperava-se uma avalanche de ações de falência e recuperações judiciais, dentre outras demandas decorrentes das dificuldades econômicas das empresas.

Por essa razão, ainda nos primeiros meses de 2020, já clamávamos pela necessidade da adoção de medidas tendentes a “achatar a curva de crescimento das ações judiciais” e promover mudanças nas políticas públicas do setor, conforme diversos textos por nós publicados.

Decorrido mais de um ano e meio, cremos que aquele grito de alerta surtiu efeito. 

A imprensa noticiou recentemente que os pedidos de recuperação judicial e de falência caíram ao menor nível em seis anos. De fato, conforme dados da Serasa Experian, a distribuição de demandas diretamente relacionadas à insolvência empresarial está em níveis inferiores até mesmo ao período anterior ao da pandemia.

Mas o que de fato explica essa constatação? Será que as empresas não sofreram crises de insolvência em razão da pandemia?

A resposta é evidentemente negativa. A crise impactou fortemente a atividade econômica e basta a observação da evolução negativa do PIB brasileiro nesse período (encolheu 3,9% em 2020) para se constatar a sua gravidade. 

A explicação reside nas medidas econômicas, regulatórias e legislativas que amorteceram os impactos da crise nas empresas e contribuíram para a diminuição da distribuição de ações judiciais.

O Ministério da Economia implementou programas de facilitação de acesso ao crédito, especialmente para micros e pequenas empresas, atuando de forma eficaz na prevenção da inadimplência. Houve, também, a implementação de programa de preservação dos empregos, com subsídio para as empresas que não demitissem seus funcionários. O diferimento do pagamento de tributos também foi importante para que as empresas pudessem manter um equilíbrio entre os seus relógios financeiro e econômico. Tudo isso contribuiu para evitar um desastre de inadimplências em série.

Soma-se a essas medidas a implementação do auxílio emergencial, que beneficiou milhares de pessoas, inclusive microempresários individuais. Essa injeção de liquidez no mercado foi importante para manter aquecida a demanda durante o período mais crítico da pandemia.

Destaca-se, ainda, o fato de que a crise sistêmica e generalizada acaba sensibilizando de maneira mais intensa credores e devedores. Na medida em que todos absorvem a gravidade da crise e percebem nitidamente os seus efeitos (em maior ou menor grau), aumenta-se a disposição para o encontro de solução negociada (e foi o que de fato ocorreu).

Paralelamente, algumas reformas legislativas também contribuíram de forma decisiva para a contenção das demandas decorrentes da insolvência empresarial. Destaca-se a reforma da Lei de Recuperação de Empresas e Falências (Lei no 11.101/2005, reformada pela Lei no 14.112/2020), em vigor desde janeiro de 2021. Essa nova lei criou importantes estímulos à solução extrajudicial de conflitos, a fim de se evitar o ajuizamento de falências ou recuperações judiciais (criação do sistema de pré-insolvência empresarial com fortes estímulos à mediação e à conciliação preventivas). A Lei Complementar no 182/2021 (marco legal das startups), a Lei no 14.181/2021 (superendividamento) e a Lei no 14.181/2021 (melhoria do ambiente de negócios) criaram um microssistema legal hábil para contenção do problema.

Por fim, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio do Grupo de Trabalho em Recuperações Empresariais, expediu diversas recomendações, orientando aos magistrados brasileiros a adoção de boas práticas na condução de processos durante a pandemia, a fim de se evitar um agravamento da litigiosidade nesse período de crise aguda, obtendo-se excelente retorno destas medidas. Ademais, o Judiciário dos principais estados já contam com varas e câmaras julgadoras especializadas nesta matéria, e puderam atuar com bastante sensibilidade e expertise.

É importante observar que outros países no mundo também adotaram posturas semelhantes, igualmente eficientes nesta quadra, com implementação de políticas econômicas de facilitação de acesso ao crédito para as empresas, injeção de liquidez no mercado e com a reforma de suas legislações de insolvência, criando mecanismos e estímulos para a solução extrajudicial dos conflitos decorrentes da inadimplência empresarial. Não é por coincidência que também esses outros países observam reduções históricas na distribuição de ações de recuperação judicial de empresas e de falências. Conforme noticiado pelo American Bankruptcy Institute houve uma redução de 50% do ajuizamento de recuperações judiciais nos Estados Unidos no período de agosto de 2020 até agosto de 2021. Na França, conforme noticiado pelo DM.com, as falências de empresas estão no menor nível dos últimos 30 anos.

Conclui-se, portanto, que o Brasil foi capaz de “achatar a curva de demandas judiciais”, adotando políticas públicas tecnicamente adequadas, em sintonia com as maiores economias do mundo, que, a um só tempo, geraram benefício para os agentes econômicos e reduziram os conflitos judiciais, resultando num melhor ambiente de negócios, com preservação de renda, empregos e desenvolvimento econômico.