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o que se espera do stf

31 de janeiro de 2012

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Tenho pelo Ministro Marco Aurélio Mello particular admiração e estima. Em dois livros editados em sua homenagem, com os quais tive o privilégio de colaborar, realcei o extraordinário papel por ele exercido na Suprema Corte, mormente no caso das terras da Raposa do Sol, em que seu voto, embora vencido, é histórico. O tempo tem dado razão à sua postura, pois as “terras contínuas” outorgadas aos índios, antes prósperas e produtivas, com aproveitamento eficaz e humano de mão de obra indígena, hoje estão abandonadas, com indígenas passando fome e com a economia de Roraima afetadíssima, ante a eliminação dos grandes arrozais e da geração de empregos. Dramática reportagem da revista Veja, em maio de 2011, escancara esta triste situação. Nem sempre o mundo da realidade é compatível com o mundo da fantasia.

Nas poucas divergências de pensamento que temos (como, por exemplo, nas questões envolvendo células-tronco e aborto), apesar de ser eu um intransigente defensor da vida desde a concepção, respeito suas opiniões sempre bem fundamentadas. Divergimos e respeitamo-nos, ele um excelso magistrado, eu um modesto advogado de província.

É, pois, com desconforto e respeito que analiso, como membro do Corpo Editorial da Revista Justiça & Cidadania, a decisão sobre a extinção dos poderes do CNJ (decisão por enquanto apenas de suspender a eficácia de seus atos), que implica em fulminar o inciso III do § 4o do artigo 103-B naquilo que ele tem de mais relevante, ou seja, fiscalizar os membros do Poder Judiciário, que estão no topo da hierarquia, ou seja, os magistrados.

Está o respectivo dispositivo assim redigido:

“Art. 103-B

(…)

§ 4o Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:

(…)

III – receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correcional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;

(…)”

Não havendo qualquer exclusão de juízes que possam ser originariamente investigados pelo CNJ, todos eles estão sujeitos à investigação.

Ora, pretender que apenas as Corregedorias dos Tribunais regionais ou federais examinem tais processos, cabendo ao CNJ conhecê-los, exclusivamente, em grau de recurso é incinerar o inciso III referido e desfigurar a verdadeira razão da criação do Conselho, que foi retirar tal competência do corporativismo, difícil de combate nas Corregedorias – não é fácil condenar colegas com quem se convive – para um órgão superior e acima de eventuais pressões. Voltar às Corregedorias o privilégio de continuar a atuar como atuavam antes da EC no 45/05 é, como acentuou o Estado de São Paulo, em editorial de 21/12/2005, um “retrocesso institucional”.

O pior, todavia, é que, além de confrontar com a clareza do referido inciso III, amputado em sua eficácia pela decisão monocrática do caro e brilhante amigo Ministro Marco Aurélio Mello, este despacho gerou, para o Poder Judiciário, dois monumentais problemas: o da sua imagem perante a opinião pública, e o da reação do Congresso – onde já se prepara Emenda Constitucional com verdadeiro controle externo da magistratura, que não fora criado pela EC no 45/05. O CNJ, de rigor, é um controle interno qualificado (9 magistrados) com a colaboração das instituições que exercem funções essenciais à administração da Justiça (2 MP, 2 Advogados) e só com dois representantes do povo indicados, um pelo Senado e outro pela Câmara dos Deputados.

A imagem, todavia, que se pretende preservar do Poder Judiciário, respondendo investigações, decididamente, foi abalada perante a opinião pública, que, à quase unanimidade, viu na decisão uma tentativa de esconder o que há de errado no Poder Judiciário e proteger magistrados cuja investigação poderia revelar desvios de função.

Estou convencido, como disse a Ministra Ellen Gracie, em entrevista à revista Veja, que o melhor dos Poderes é o Judiciário – participei de 3 bancas de exame das magistraturas federais e estadual e sei o critério rígido adotado para aprovar os futuros magistrados –, mas nem por isso é perfeito, nele havendo também os desvios mais frequentes em outros Poderes, mas que precisam ser coibidos.

Tenho a plena convicção de que a melhor forma de preservar a imagem do melhor dos três Poderes é não transigir com os desvios e investigá-los por um órgão neutro, como é o CNJ, que foi criado com a finalidade de expurgar da Justiça o mau servidor a fim de realçar o brilho e a integridade da esmagadora maioria, constituída de probos e competentes magistrados.

O que mais me preocupa, todavia, é que, sendo confirmada a decisão de S. Exa. – está, na mesma linha, outra decisão de um  estupendo magistrado e amigo, o Ministro Ricardo Lewandowski –, corre-se o risco de todos os magistrados punidos pelo CNJ nos últimos 6 anos entrarem contra a União com ações para reintegração nas funções antes exercidas com pedidos de indenizações por danos morais, visto que foram punidos POR ÓRGÃO SEM COMPETÊNCIA JULGADORA.

Mais do que isso, a decisão torna a presidência de 3 ministros do Supremo Tribunal Federal (Nelson Jobim, Gilmar Mendes e Ellen Gracie) de notória inconstitucionalidade, sendo que os 45 conselheiros que julgaram magistrados foram incompetentes nas suas decisões. Vale dizer que o CNJ, sob a presidência de três presidentes do STF, agiu NA ILEGALIDADE.

Conhecendo o brilho e o senso de Justiça dos ministros Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski, espero que eles possam mudar de posição até o mês de fevereiro, para que seja realçada a independência do Poder Judiciário e a certeza de que a nação pode nele confiar, por ser constituído de magistrados dignos, justos e cultos, que não permitem que sua imagem seja maculada por eventuais desvios de uns poucos.

É o que a nação espera do STF.