O Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional de Justiça

30 de abril de 2012

Membro do Conselho Editorial, advogado, ministro aposentado, ex-presidente do STF e do TSE

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Decisões do Supremo Tribunal, que têm por objeto o Conselho Nacional de Justiça, não vêm sendo corretamente interpretadas. É o caso, por exemplo, de liminar recentemente deferida a respeito da competência do CNJ para instaurar investigações contra juízes e tribunais. As notícias são no sentido de que essas decisões esvaziariam o poder de fiscalização do Conselho.
Não é isso o que ocorre. Vejamos.
A Constituição, redação da Emenda 45, estabelece a competência do CNJ: o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes (art.103-B, §4o). Essa competência, é exercida primeiro sobre a legalidade dos atos administrativos do Judiciário. Cabe ao CNJ zelar pela observância do art. 37 da Constituição e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstitui-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas (§ 4o, II). Tem-se, no caso, conforme foi dito, o controle da legalidade dos atos administrativos praticados pelos órgãos do Judiciário.
Segue-se a competência correicional inscrita nos incisos III, IV e V do § 4o: compete ao CNJ conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Judiciário, inclusive seus serviços auxiliares, serventias, órgãos notariais e de registro. No ponto, todavia, o dispositivo constitucional ressalva a “competência disciplinar e correicional dos tribunais”, podendo o CNJ avocar processos disciplinares em curso – nos casos de omissão por exemplo, das corregedorias – (§ 4o, III) e “rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano (§ 4o, V). E mais: compete ao CNJ “representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade” (§ 4o, IV).
Verifica-se, então, numa interpretação harmoniosa dos dispositivos constitucionais indicados, que a competência correicional do CNJ é subsidiária, porque a Constituição assegura a autonomia administrativa dos tribunais – autonomia, aliás, que deve o CNJ zelar (§ 4o, I) – estabelecendo que aos tribunais compete, privativamente, além de outras questões, velar pelo exercício da atividade correicional respectiva (CF, art. 96, I, “b”).
É de elementar hermenêutica que o direito é um todo orgânico e que as normas legais devem ser interpretadas no seu conjunto.
Dir-se-á que há corregedorias de tribunais que não estariam cumprindo com o seu dever. Nesta hipótese, que o CNJ não se omita, dado que pode avocar processos disciplinares em curso (§ 4o, III) e rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano (§ 4o, V), devendo representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade (§ 4o, IV).
Assim, há de ser posta a questão, que deve ser examinada sem parti pris. E é bom lembrar que a Constituição vigente, a mais democrática das Constituições que tivemos, estabelece o devido processo legal, e nesse se incluem autoridade administrativa e juiz competentes, independentes e imparciais (CF, art. 5o, LV), característica do Estado Democrático de Direito.
Sem dúvida que é desejável a atuação firme do CNJ no punir e afastar o juiz que não honra a toga. Com observância, entretanto, do devido processo legal, garantia constitucional que ao Supremo Tribunal cabe assegurar.