Edição 271
O trabalho pela igualdade de gênero na advocacia
3 de março de 2023
Cristiane Damasceno Presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada
Milena Gama Secretária-Geral Adjunta do Conselho Federal da OAB
Sayury Otoni Secretária-Geral do Conselho Federal da OAB
Assim como ocorre em diferentes campos da sociedade, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) tem intensificado, nas últimas décadas, ações voltadas à modificação de um quadro que, tradicionalmente masculino, hoje registra forte presença de mulheres. É compromisso de primeira hora, para a atual gestão da entidade, ampliar o espaço para mulheres dentro da entidade e de atuar ativamente para que advogadas tenham as mesmas condições de atuação dos advogados. Em 12 meses de atuação, houve avanços históricos, simbolizados por uma reparação histórica: o reconhecimento de Esperança Garcia como a primeira advogada brasileira.
Capitaneado pelo Presidente, Beto Simonetti, a OAB Nacional tem, pela primeira vez em sua história, paridade de gênero em sua diretoria e em todo o Conselho Federal. Mais do que isso, criou programas próprios, aderiu a inciativas de outras entidades e dedicou ações permanentes voltadas às mulheres, que representam 51% dos quadros da entidade. A meta da instituição é de propiciar a elas participação ativa no dia a dia da entidade, com voz e voto nas instâncias deliberativas, dentro do regime democrático de repartição de incumbências e responsabilidades que sempre caracterizou a Ordem.
Principalmente por meio da atuação da Comissão Nacional da Mulher Advogada, o Conselho Federal iniciou os trabalhos da atual gestão tendo, entre suas primeiras medidas, a criação da iniciativa Advocacia sem Assédio, com o objetivo de conscientizar, prevenir e enfrentar o assédio moral e sexual praticado contra mulheres advogadas. A ação envolveu a criação de um canal de denúncias para advogadas, uma cartilha, e a realização de lives, rodas de conversa e eventos regionais. Em trabalho articulado com as comissões congêneres das Seccionais, a OAB levou a iniciativa aos quatro cantos do País.
A entidade buscou amplificar, nas mais diferentes arenas, sua atuação pela paridade de gênero. Participou de audiências públicas no Congresso Nacional que tratam de projetos relativos ao combate à violência de gênero e se uniu a outras entidades e órgãos do Sistema de Justiça em ações contra o feminicídio, como o Paz em Casa, iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ); os “16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher”, de caráter mundial; entre outros.
Atenta aos casos de violência contra mulheres, especialmente advogadas, a Ordem promoveu desagravo à procuradora-geral de Registro, Gabriela Samadello Monteiro de Barros, agredida brutalmente por um colega de trabalho, o procurador Demétrius Oliveira de Macedo. A entidade ainda atuou em repúdio à morte da advogada Maria Aparecida da Silva Bezerra, vítima de feminicídio em Maceió (AL), tendo destacado grupo para acompanhar o caso de perto. Esse trabalho desembarcou na iniciativa Campanha de Combate às Violências contra a Mulher, ação criada pela Ordem com foco no combate a todas as formas de violência contra a mulher, como a política.
No CNJ, a entidade pediu ao órgão a emissão a todos os tribunais do País de orientação para que advogadas grávidas, lactantes e responsáveis por crianças e bebês tenham direito de preferência nos julgamentos, de acordo com o estipulado pela Lei Federal nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia) e pelo protocolo de julgamento com perspectiva de gênero elaborado pelo próprio CNJ.
Nenhuma outra iniciativa, no entanto, foi mais significativa e representativa do compromisso da atual gestão com a igualdade de gênero, do ponto de vista histórico, do que o reconhecimento de Esperança Garcia como primeira advogada brasileira. Mulher negra, escravizada, personagem histórica, Esperança escreveu, em 6 de setembro de 1770, uma petição ao governador da Capitania, atual Piauí, denunciando as situações de violência pelas quais crianças e mulheres passavam e pedia providências. O documento é uma das primeiras cartas de Direito de que se tem notícia no País.
A história de Esperança e o seu merecido, e tardio, reconhecimento são simbólicos da luta por liberdade e igualdade que constituem a base dos objetivos da sociedade brasileira pactuados na Constituição Federal de 1988. É inaceitável que, nos dias atuais, advogadas não gozem das mesmas prerrogativas de seus colegas advogados, percebam remunerações menores, não tenham as mesmas condições de exercerem o seu ofício. A luta por igualdade de gênero significa a efetivação de direitos básicos.