Edição 272
Obsolescência programada dos produtos eletroeletrônicos e meio ambiente
30 de abril de 2023
Maria Lúcia Falcão Nascimento Juíza de Direito do TJCE
Introdução
Em ritmo cada vez mais acelerado, os produtos tecnológicos têm sido substituídos por outros mais inovadores no modelo e na tecnologia, o que motiva o consumo cada vez maior dos mesmos, substituindo os já existentes, movimentando o mercado e desenvolvendo a ciência, porém danificando a natureza.
Nos tópicos serão discutidas a evolução do consumo de massa, a definição de obsolescência programada e os danos ao meio ambiente. Por fim, analisa-se a responsabilidade civil ambiental no ordenamento jurídico brasileiro com enfoque na responsabilidade pós-consumo compartilhada, concluindo com uma análise da aplicação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) como instrumento de responsabilização compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, previstos também nos art. 8º, III e 33, caput e VI, da Lei nº 12.305/2010.
Utiliza-se o método dedutivo nos estudos doutrinários, bem como indutivo quando da revisão de dados estatísticos, notícias, projetos e documentos oficiais.
A evolução do consumo de massas
Os produtos industrializados passaram a ter grande importância, principalmente no início do Século XX, para reestruturar a economia na crise de 1929. Naquele contexto histórico, pensaram que era preciso mudar as estratégias, surgindo daí a ideia de obsolescência sob a influência da conhecida “conspiração da lâmpada”, tema recorrentemente retratado, que serviu de inspiração para levantar países acabados após a Segunda Guerra.
No Cartel de Phoebus de 1924, fabricantes de lâmpadas se uniram para reduzir o tempo de vida útil das lâmpadas para 1.000 horas. A inventada por Thomas A. Edison em 1881 tinha duração de 2.500 horas. Assim inspirados, os produtores foram reduzindo gradativamente o tempo de vida útil de vários tipos de produtos, que passaram por consequência a ter mais rotatividade.
A Teoria Econômica Desenvolvimentista foi colocada em prática no segundo pós-guerra. De lá para cá, os produtos tecnológicos e outros bens de consumo estão se tornando cada vez mais descartáveis, principalmente a partir dos anos 1980, com o surgimento do princípio do direito ao desenvolvimento, definido pela Organização das Nações Unidas na Declaração dos Direitos ao Desenvolvimento. Esse princípio tem sido utilizado para justificar a necessidade do desenvolvimento tecnológico como inseparável do desenvolvimento econômico e, portanto, se tornou base para inúmeros outros direitos humanos.
O intuito da indústria é estimular o consumo e movimentar o mercado, estimulando a economia, gerando emprego e renda. No entanto, como veremos no próximo tópico, cria por outro lado situação catastrófica para o planeta, com a extração de árvores e o consumo de água, minério, petróleo e outros insumos, além da poluição do solo e das águas, contaminando os animais, os vegetais e o próprio homem, o que põe em risco nossa sobrevivência.
O reconhecimento dos danos causados ao meio ambiente
Todo o planeta Terra vem sentindo a degradação ambiental, não há fronteiras para o desequilíbrio ecológico. A poluição é uma decorrência natural do progresso.
Em 1968, 30 diferentes profissionais de vários países, a convite do empresário Italiano Aurélio Pecci, então presidente honorário da Fiat, e do cientista escocês Alexander King, preocupados com a natureza e com uso indiscriminado dos recursos naturais, se reuniram pela primeira vez em uma cidadela de Roma e criaram o Clube de Roma. Saíram da reunião com o compromisso de tentar sensibilizar as autoridades de suas localidades, mas somente em 1972 o Clube de Roma publicou o relatório de pesquisa encomendada a uma equipe da Universidade de Massachussetts, nos Estados Unidos, presidida por Meadows, cujo título – “Limites do crescimento” – concluiu que o crescimento econômico, no modelo desenvolvido, conduz ao seu próprio fim. Houve a partir de então uma sensibilização mundial em defesa do meio ambiente.
O termo “desenvolvimento sustentável” seria assim reconhecido quando da publicação do Relatório Brundtland (“Nosso futuro comum”), em 1987, elaborado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, significando “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir as suas próprias necessidades”.
Atualmente, no Direito Ambiental Internacional, há alguns princípios que norteiam os direitos internos, como o princípio do poluidor-pagador; o princípio da transparência, em que é de direito da população saber da atividade poluidora desenvolvida pelo fabricante; estudos prévios de impacto ambiental e outros de grande importância para a preservação da natureza e a responsabilização civil e penal por dano ecológico e indenização à vítimas, quando for o caso. Este será o assunto a ser tratado no próximo tópico.
O descarte dos produtos eletroeletrônicos e a responsabilidade pós-consumo
Foi preciso buscar novos paradigmas para a redefinição dos conceitos teóricos postos para abrir caminho à preservação ambiental por meio do Direito, com influência nos estudos da Economia. Para tanto, foi dado uma ressignificação ao termo “desenvolvimento” o qual não tem o condão de significar apenas o crescimento econômico, mas também a ampliação das capacidades humanas. Essa nova conceituação deveu-se às críticas ao reducionismo econômico da noção de desenvolvimento da visão crescimentista que era o responsável pela geração dos problemas sociais e ambientais.
No Direito brasileiro, a Constituição Federal de 1988 inseriu no seu texto o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado no caput do art. 225. A partir da Lei Maior, surgiram o Código de Defesa do Consumidor (CDC), que é um instrumento importante no combate à prática abusiva da obsolescência programada, e a Política Nacional de Resíduos Sólidos, instituída pela Lei nº 12.305/2010, que define os princípios, dentre eles, no inciso IV do art. 6º, o desenvolvimento sustentável; que estabelece os objetivos, no sentido de estimular a adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo de bens e serviços; estabelece instrumentos e diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos, bem como as responsabilidades dos geradores e do Poder Público e os instrumentos econômicos aplicáveis à matéria.
Um dos instrumentos para a redução dos impactos da industrialização sobre a natureza é, sem dúvida, a educação para o consumo prevista na Lei nº 8.078/1990, o CDC, bem como a disciplina do reaproveitamento dos resíduos sólidos, segundo o art. 3º, VII da Lei nº 12.305/2010. Ademais, a Lei em análise também estabeleceu como princípio no art. 6o, inciso VII, a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos.
A coleta seletiva prevista no inciso III do art. 8º e os sistemas de logística reversa e outras ferramentas relacionadas à implementação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos são instrumentos importantes para se iniciar novas práticas ecologicamente corretas.
No art. 30, ao instituir a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, o legislador abrangeu os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, os consumidores e os titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, objetivando, dentre outras medidas: compatibilizar interesses entre os agentes econômicos e sociais e os processos de gestão empresarial e mercadológica com os de gestão ambiental, desenvolvendo estratégias sustentáveis; promover o aproveitamento de resíduos sólidos, direcionando-os para a sua cadeia produtiva ou para outras cadeias produtivas; reduzir a geração de resíduos sólidos, o desperdício de materiais, a poluição e os danos ambientais; incentivar a utilização de insumos de menor agressividade ao meio ambiente e de maior sustentabilidade; estimular o desenvolvimento de mercado, a produção e o consumo de produtos derivados de materiais reciclados e recicláveis; propiciar que as atividades produtivas alcancem eficiência e sustentabilidade; incentivar as boas práticas de responsabilidade socioambiental.
Considerações finais
Como se vê, a obsolescência programada de qualquer produto é a mais antiética e desonesta das práticas comerciais abusivas, pois engana o consumidor que adquire produtos e não pode dele usufruir por um tempo razoável.
A malsinada prática abusiva da obsolescência planejada, além de prejudicar consumidores, acarreta sérios danos à humanidade quando seus componentes tóxicos são deixados na natureza sem um reaproveitamento, sendo necessário descarte adequado e voltado apenas para este tipo de produto.
A Lei brasileira ao tratar do tema, especifica no dispositivo 33, inciso VI, a responsabilidade de estruturar e implementar sistemas de logística reversa, mediante retorno dos produtos após o uso pelo consumidor, de forma independente do serviço público de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de produtos eletroeletrônicos e seus componentes. Contudo, ainda existem entraves, a exemplo da ausência de incentivo fiscal para as empresas de reciclagem, da pouca educação ambiental da sociedade e do entrave tecnológico. Este último, por falta de tecnologia apropriada no Brasil ao reaproveitamento de todos os materiais descartados e retirada dos materiais pesados, torna necessária a exportação do material para seu reaproveitamento e transformação em matéria prima.
Não foi estabelecida sequer pelo Decreto nº 9.177/2017, que regulamenta o art. 33 da Lei nº 12.305/2010, a forma como devem ser feitos o descarte e a reciclagem, de preferência obrigatória de todos os componentes dos produtos eletroeletrônicos. Antes, o diploma generaliza a condição de responsabilidade compartilhada para todos da cadeia produtiva até o consumidor, de resíduos sólidos oriundos de produtos industrializados em geral.
Por fim entende-se ser viável e politicamente correta a adoção de normas e políticas públicas voltadas somente a produtos dessa natureza, porque como já dito anteriormente, são produtos tóxicos que contaminam o meio ambiente e de costume são deixados largados em qualquer lugar, são produtos adquiridos em grande quantidade, especialmente celulares, merecendo, portanto, uma atenção especial do legislador.
Notas____________________
1 https://www.youtube.com/watch?v=ERcC3fJOnpA
2 “Introdução às teorias do desenvolvimento”. Organizadores: Paulo André Niederle e Guilherme Francisco Waterloo Radomsky; coordenado pelo SEAD/ UFRGS. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2016.
3“Introdução às teorias do desenvolvimento”, op. cit.; VARGAS, Felipe; ARANDA, Yara Paulina Cerpa; RADOMSKY, Guilherme F. W.; “Desenvolvimento sustentável: Introdução histórica e perspectivas teóricas”. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2016. Pp.102 e103.
4 https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/biologia/o-clube-de-roma-1972/20122
5 https://pt.scribd.com/doc/12906958/Relatorio-Brundtland-Nosso-Futuro-Comum-Em-Portugues
6 […] “Para os efeitos desta Lei, entende-se por: VII – destinação final ambientalmente adequada: destinação de resíduos que inclui a reutilização, a reciclagem, a compostagem, a recuperação e o aproveitamento energético ou outras destinações admitidas pelos órgãos competentes do Sisnama, do SNVS e do Suasa, entre elas a disposição final, observando normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos (grifei);