Os 180 anos do Instituto dos Advogados Brasileiros

16 de janeiro de 2023

Paulo Joel Bender Leal Presidente da Comissão de Pesquisa, Documentação e Coordenação do Centro de Memória do IAB

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Neste ano, o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) completará 180 anos de fundação. Contemporâneo do jornal Gazeta dos Tribunaes, dirigido pelo conselheiro Francisco Alberto Teixeira de Aragão, que circulou entre 10 de janeiro de 1843 e 29 de dezembro de 1846, com a finalidade de acompanhar e divulgar o desenvolvimento do Direito e da jurisprudência no Brasil, é a entidade jurídica mais antiga das Américas.

Impresso na gráfica de Francisco de Paula Brito, o periódico foi editado nas segundas e sextas-feiras com o seguinte lema: “On ne peut pas plus se passer de jurisprudence que de lois”. Já no primeiro número, ao tratar do estado da Justiça, seu editorial lamentou a falta de êxito na tentativa feita por Caetano Alberto Soares e José Maria Frederico de Sousa Pinto em criar uma associação de advogados no Brasil.

Nessa época, com expressivo número de bacharéis oriundos das faculdades de Direito de Coimbra, em Portugal, e das faculdades de Direito criadas por D. Pedro I em Olinda (PE) e em São Paulo (SP), no dia 11 de agosto de 1827, era preciso organizar e disciplinar o exercício da advocacia no País. Por esse motivo, em 16 de maio de 1843, o jornal Gazeta publicou os estatutos da Associação dos Advogados de Lisboa, objetivando fomentar a criação de uma instituição similar no Brasil.

A iniciativa deu resultado. Em 9 de junho, a Gazeta trouxe a notícia da realização de “reunião de distintos advogados brasileiros nesta corte, com o fim de organizarem uma associação, como outrora alguns deles tinham projetado, mas que não foi avante por motivo de certas suscetibilidades inteiramente estranhas ao objeto da associação”. O jornal também noticiou a formação de uma comissão composta por três advogados com a missão de apresentar projeto de estatutos para a associação.

Elaborado contendo apenas oito artigos, o estatuto estabelecia que a finalidade do Instituto era “organizar a Ordem dos Advogados, em proveito geral da ciência e da jurisprudência” (art. 2º), e que seria administrado por um presidente, um tesoureiro, conselho diretor de 12 membros com mandatos de dois anos, exceto o secretário, que teria mandato de quatro anos (art. 3º).

Na sequência, em 18 de agosto de 1843, a Gazeta noticiou que o Imperador D. Pedro II havia deferido pedido dirigido por diversos advogados da corte e determinado, por meio do Aviso nº 7, de 7 de agosto, que a Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça aprovasse os estatutos do Instituto dos Advogados Brasileiros.

Nessa oportunidade, foi publicada nota assinada por Luiz Fortunato de Brito Abreu Sousa Menezes, Caetano Alberto Soares, José Maria Frederico de Sousa Pinto, Antônio Pereira Pinto, Augusto Teixeira de Freitas, José Thomaz de Aquino e Josino do Nascimento Silva convidando “bacharéis formados em Direito, advogados, para comparecerem segunda-feira, 21 do corrente, na Rua dos Barbonos nº 66, às 4 horas da tarde, a fim do nomearem o presidente, tesoureiro, secretário e Conselho Diretor do Instituto dos Advogados Brasileiros”.

Assim, em 21 de agosto de 1843, 26 advogados elegeram Francisco Gê Acayaba de Montezuma presidente, Josino do Nascimento Silva secretário e Nicolau Rodrigues dos Santos França Leite tesoureiro, consumando a fundação do IAB. Em agradecimento aos serviços prestados, os membros da assembleia também nomearam o conselheiro Francisco Alberto Teixeira de Aragão presidente honorário do Instituto, cargo que ocupou até sua morte, em 10 de junho de 1847.

Posteriormente, em 7 de setembro desse mesmo ano, às 9h30, com a presença do secretário de Estado dos Negócios da Justiça, do ministro de Estrangeiros, do ministro da Marinha, do presidente honorário, membros do corpo diplomático, integrantes do Poder Legislativo, magistrados e cidadãos, na sede do Colégio Pedro II, foi instalado o Instituto dos Advogados Brasileiros, saudado pela imprensa como instituição que “promete à legislação do Império, à ciência da jurisprudência, ao foro brasileiro, e à classe dos advogados um forte apoio à boa administração da justiça”.

Embora sendo uma entidade de Direito Privado sui juris em razão da chancela do Governo Imperial, o IAB dotou-se de personalidade em 21 de agosto de 1843, dia em que, reunidos em assembleia, advogados nomearam e deram posse à sua diretoria. Não obstante, o Instituto comemora o aniversário tanto em 7 de agosto, data da aprovação dos estatutos pelo Imperador, quanto em 7 de setembro, data em que foi instalado solenemente.

No entanto, basta examinar os atos antecedentes à fundação para constatar que a constituição do IAB teve início na oportunidade em que bacharéis se reuniram e elaboraram o projeto dos estatutos chancelado pelo Imperador, mas a efetiva fundação somente ocorreu na assembleia que elegeu e deu posse a seus dirigentes.

Portanto, se antes de 21 de agosto de 1843 as ações preparatórias à fundação eram conduzidas por advogados, a contar de então passaram a ser da sua diretoria, inclusive a investidura festiva. O contrário – considerar-se a aprovação Imperial como o marco inicial da pessoa jurídica – significaria admitir a existência de uma entidade antes da sua assembleia de constituição.

Em 15 de maio de 1844, como estabelecido no Aviso nº 7, o Governo Imperial aprovou o Regimento Interno do IAB. Posteriormente, pelo Decreto 393, de 23 de novembro de 1844, concedeu a prerrogativa de seus membros usarem vestes talares e terem assento dentro dos cancelos dos tribunais. Em 29 de maio de 1849, por portaria da Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça, aprovou o selo “symbolico” do Instituto.

O IAB sempre prestou extraordinário serviço ao País. Atuou nos mais importantes momentos de desenvolvimento do Direito, com especial destaque aos trabalhos de Augusto Teixeira de Freitas na Consolidação das Leis Civis, entre 1855 e 1857, e na redação do “Esboço de Código Civil”, publicado em fascículos entre 1861 a 1865, verdadeiros monumentos ainda hoje celebrados como as mais interessantes obras de Direito Civil dessa época.

Na gestão de Joaquim Saldanha Marinho, por quase 10 anos, o Instituto debateu a separação entre Igreja e Estado. Dessas discussões foi elaborado o projeto de lei sobre o casamento civil, encaminhado pelo IAB à Câmara dos Deputados em 1880.

Como o principal objetivo do Instituto sempre foi o de criar a Ordem dos Advogados – o que ocorreu em 1930 – merece registro fato ocorrido em 14 de abril de 1850, em sessão presidida Francisco Gê Acayaba de Montezuma (Visconde de Jequitinhonha ou, como batizado, Francisco Gomes Brandão). 

Nessa oportunidade, debateu-se projeto apresentado por Montezuma a ser encaminhado ao Poder Legislativo organizando a Ordem dos Advogados do Brasil. Sua proposta tornava obrigatória a inscrição do bacharel no IAB para advogar. Estabelecia que o exercício da profissão estivesse sujeito a formalidades prévias (matrícula, prática de um ano pelo menos em escritório de advogado conceituado, justificação de suficiência perante o Conselho de Disciplina). Definia as incompatibilidades do advogado (cargos de polícia, secretários de tribunais, juízes, procuradores, agentes de feitos, escrivães e outros). Exigia que o exame para ser provisionado fosse feito perante o Instituto. Criava institutos correspondentes em todos os distritos em que houvesse Relação. Dava poder aos conselhos disciplinares para fiscalizar o procedimento dos advogados e impor penas definidas em regulamento. E, por fim, definia os casos de interdição e exclusão dos advogados dos quadros do IAB.

O projeto não foi aprovado, decidindo-se que apenas fosse encaminhada ao governo, e não ao Poder Legislativo, uma petição “pura e simples, sem oferecimento de bases da reforma ou organização” da Ordem dos Advogados. Essa foi a última sessão presidida por Montezuma, que em 12 de dezembro de 1850 enviou ao IAB uma carta de despedida na qual desculpava-se por não o ter feito pessoalmente.

Passados 180 anos, o Instituto dos Advogados Brasileiros continua sendo depositário do que de melhor o Brasil produziu na ciência da jurisprudência, e certamente ainda tem importante papel a cumprir, especialmente hoje, em que as instituições republicanas estão em ruínas.

Notas________________________

1 Nascido em Lisboa e formado na Faculdade de Direito de Coimbra, o Conselheiro Aragão foi intendente-geral de Polícia no Rio de Janeiro entre 1824 e 1827. Em 1829, foi nomeado para o cargo de ministro do Supremo Tribunal de Justiça, do qual era presidente na data de fundação do IAB.

2 O fato de a OAB ter sido criada somente 87 anos depois da primeira tentativa revela algo que precisa ser melhor estudado e é muito semelhante à elaboração do Código Civil. Embora o art. 179 da Constituição do Império determinasse a organização “o quanto antes de um Código Civil e Criminal, fundado nas sólidas bases da justiça e equidade”, o Código Criminal, que tem por fim punir, foi promulgado em seis anos, sendo que Código Civil, que organiza a fruição de bens e de riquezas, levou 92 anos para ser aprovado.