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Os 85 anos da OAB e a sedimentação da ética profissional

11 de dezembro de 2015

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claudio-stabile_5039É exercida com a observância das prerrogativas e com o cumprimento dos deveres éticos. As prerrogativas asseguram o respeito das autoridades e das instituições ao livre exercício da advocacia e ao direito de defesa do cidadão. A ética assegura a dignidade e o respeito da sociedade ao exercício profissional. Exercida com ética e prerrogativas, a advocacia torna-se a mais bela das profissões.

Após 20 anos de regime autoritário, a sociedade brasileira, por meio de seus representantes no Congresso Nacional, ao aprovar a legislação que rege a advocacia, outorgou aos advogados uma série de direitos, denominados prerrogativas profissionais, para que fique assegurado em todo o País o mais amplo direito de defesa, que somente existe de fato quando o cidadão está representado por um profissional que atua com independência, protegido pela inviolabilidade e sem receio de desagradar autoridades.

A mesma legislação, ao lado de assegurar o livre exercício profissional, exige do advogado o cumprimento de deveres éticos e morais em sua atuação. Se o advogado é indispensável à realização da justiça, por força de preceito constitucional (art. 133, CF), cabe ao profissional atuar balizado pelas normas éticas, no pressuposto de que não existe e não pode existir a realização da justiça sem a observância da ética pela magistratura e pela advocacia.

Gisela Gondin Ramos preleciona que:

[…] cada gesto, cada ação do advogado, em cada caso particular no qual atue, é um elemento a mais que se unirá a outros para fins de formar o conceito geral da sociedade sobre a advocacia. Assim percebe-se claramente a responsabilidade de cada um de nós, no dia a dia de nossa atuação profissional. (Estatuto da Advocacia: comentários e jurisprudência selecionada. 4. ed. Florianópolis: Ed. OAB/SC, [s.d.]. p. 533)

Os advogados sempre se preocuparam com a preservação da ética profissional. No ano de 1921, o eminente jurista Francisco Mora, presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo, lançou o primeiro Código de Ética da Advocacia. Esse primeiro código inspirou os códigos dos institutos de outros estados. Em 1931, quando se criou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil passou a elaborar o projeto do Código de Ética Profissional, inspirado no Código Paulista de 1921 e no projeto elaborado em 1926 pelo Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB).

Em 25/7/1934, o Conselho Federal aprovou o pri­meiro Código de Ética Profissional da OAB, com vigência marcada para 15/11/1934. Pela primeira vez, a Ordem apresentava formalmente as diretivas da moral profissional. Esse trabalho de elevado valor teve vigência por mais de 60 anos, ou seja, até 13/2/1995.

Com o advento do Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei Federal no 8.906/1994), fez-se necessária a reformulação das normas éticas. O Estatuto de 1994, além de delegar para o Código de Ética a disciplina dos deveres do advogado, retirando-o do texto do Estatuto, como até então ocorria, para ele também deslocou o regramento dos procedimentos disciplinares. E, além disso, tornou obrigatório o cumprimento do Código (art. 33, caput), além de estabelecer punição específica (censura) para tal infringência, quando não constituísse ela, igualmente, violação a uma regra estatutária.

Completados mais de 20 anos de vigência do Código de Ética de 1995, que se revelou uma obra notável e contribuiu para o fortalecimento da advocacia, os novos tempos, a velocidade das transformações sociais, o advento da internet e das novas tecnologias, o processo eletrônico, a advocacia de massa, as modificações nas relações entre clientes e profissionais, e nas relações entre os próprios profissionais, apontaram a necessidade da elaboração de novo Código de Ética em sintonia com a contemporaneidade.

Na data comemorativa do aniversário de 85 anos da OAB, comemora-se também mais uma conquista, entre tantas. O advento do novo Código de Ética e Disciplina da OAB, aprovado em 2015. Como salientou o presidente Marcus Vinicius Furtado Coêlho, “

[…] o novo Código de Ética destina-se a conciliar os princípios da conduta dos advogados com os desafios da atualidade, estabelecendo parâmetros éticos e os procedimentos a serem seguidos e conciliando as exigências morais da profissão com os avanços políticos, sociais e tecnológicos da sociedade contemporânea.

O novo Código, no seu preâmbulo, reitera, entre outros, os seguintes mandamentos do advogado: lutar sem receio pelo primado da Justiça; pugnar pelo cumprimento da Constituição e pelo respeito à Lei, fazendo que o ordenamento jurídico seja interpretado com retidão, em perfeita sintonia com os fins sociais a que se dirige e as exigências do bem comum; ser fiel à verdade para poder servir à Justiça como um de seus elementos essenciais; proceder com lealdade e boa-fé em suas relações profissionais e em todos os atos de seu ofício; empenhar-se na defesa das causas confiadas ao seu patrocínio; comportar-se com independência e altivez, defendendo com o mesmo denodo humildes e poderosos.

O Código dispõe que o advogado, indispensável à administração da justiça, é defensor do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos e das garantias fundamentais, da cidadania, da moralidade, da Justiça e da paz social, cumprindo-lhe exercer o seu ministério em consonância com a sua elevada função pública e com os valores que lhe são inerentes.

Impõe, como deveres inafastáveis do advogado, preservar em sua conduta a honra, a nobreza e a dignidade da profissão, zelando pelo caráter de essencialidade e indispensabilidade da advocacia. Atuar com destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé, bem como velar por sua reputação pessoal e profissional.

O Código dedica um capítulo à advocacia pública, assegurando ao advogado público a independência técnica, o respeito e o dever de urbanidade para aqueles que exercem cargos de chefia e direção jurídica em relação aos colegas de profissão.

O Código é pioneiro ao tratar da advocacia pro bono, exigindo do advogado o zelo e a dedicação habituais, de forma que a parte por ele assistida se sinta amparada e confie em seu patrocínio. E não admite que a advocacia pro bono seja utilizada para fins político-partidários ou eleitorais, nem beneficiar instituições que visem a tais objetivos, ou como instrumento de publicidade para captação de clientela.

O Código estabelece que a publicidade profissional do advogado tem caráter meramente informativo e deve primar pela discrição e sobriedade, não podendo implicar mercantilização da profissão. Pela primeira vez é regulada a publicidade pela internet ou por outros meios eletrônicos, vedando o oferecimento de serviços e a captação de clientela.

Tratando dos honorários profissionais, o Código assinala que, preferencialmente, devem ser fixados em contrato escrito, evitando-se, assim, dúvidas e litígios. O contrato deve estabelecer, com clareza e precisão, o seu objeto, os honorários ajustados, a forma de pagamento, a extensão do patrocínio, esclarecendo se abrangerá todos os atos do processo ou limitar-se-á a determinado grau de jurisdição. O advogado deve observar o valor mínimo da Tabela de Honorários instituído pelo respectivo conselho seccional onde for realizado os serviços, evitando o aviltamento da remuneração profissional.

O Código, de forma inédita, dispõe sobre as Corre­gedorias da OAB, a Corregedoria-Geral do Conselho Federal e as Corregedorias dos Conselhos Seccionais. Vale lembrar a importante atuação das Corregedorias da OAB na efetividade das normas disciplinares e na celeridade dos processos ético-disciplinares em todo o País. As Metas I, II e III da Corregedoria-Geral da OAB, implantadas com o essencial apoio de todas as Corregedorias Seccionais e dos membros dos Tribunais de Ética de todo o País, impulsionaram os processos-éticos e auxiliaram no cumprimento de uma das missões fundamentais da Ordem, outorgada pela legislação em vigor, que é a disciplina dos advogados. Procuramos pontuar algumas matérias tratadas no novo Código de Ética e Disciplina da OAB.

Não podemos esquecer que a gênese da advocacia está ligada ao sentimento ético e humanitário. Rui Barbosa ensinou que “o primeiro advogado foi o primeiro homem que, com a influência da razão e da palavra, defendeu os seus semelhantes contra a injustiça, a violência e a fraude”. Advogado, etimologicamente, deriva do latim “advocatus”: chamar para junto, chamar em auxílio, chamar em defesa. Advogado é etimologicamente aquele que é chamado em defesa de outrem.

O Ministro Costa Lima, que atuou muitos anos no extinto Tribunal Federal de Recursos, em um dos seus julgados, assentou:

A missão do advogado fundamenta-se na dignidade da pessoa humana. Ele não se limita a mero profissional liberal. É um sacerdote a serviço da lei, da manutenção da ordem jurídica, da liberdade, da paz, da segurança privada e da segurança pública” (Apelação em Mandado de Segurança no 89.675, relator Ministro Costa Lima, DJU 5.8.1982, p. 7.297).

Se há uma crise de valores na sociedade contemporânea, se há um fenômeno mundial de descaso pelos valores éticos, se há uma tendência para considerar tudo optativo e descartável, se há um incentivo aos bens materiais, ao consumo desenfreado e à ostentação, é um bom momento para o advento do novo Código de Ética e Disciplina, que enseja também uma grande reflexão sobre a essencialidade da conduta ética em nossa vida profissional e na vida pessoal.

Concluo, relembrando a eterna lição de Eduardo Couture:

A advocacia é uma fatigante e árdua atividade posta a serviço da justiça. Exerça a advocacia de tal maneira que no dia em que teu filho te peça conselho sobre seu futuro consideres uma honra para ti aconselhá-lo que se torne advogado”. (Os mandamentos do advogado. 3. ed. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, [s.d.]. p.71).