Os aniversariantes ilustres de maio e outubro

3 de maio de 2021

Tiago Santos Salles Editor-Executivo

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A Justiça do Trabalho acaba de completar 80 anos, tendo sobrevivido – com várias alterações e algumas poucas escoriações ao longo das décadas – a cinco Constituições, sendo duas autoritárias e duas democráticas.

Em busca de um modelo para gerir a industrialização do País, Getúlio Vargas imaginou um sistema de leis e tribunais trabalhistas que fosse capaz de pacificar e manter sob o controle do Estado as tensões entre empresários e trabalhadores. No longínquo 1º de maio de 1941, no histórico discurso no estádio de São Januário, no Rio de Janeiro, Vargas apontou como principal missão do então nascente ramo judiciário “defender de todos os perigos nossa modelar legislação social-trabalhista, aprimorá-la pela jurisprudência coerente e pela retidão e firmeza das sentenças”. Dois anos depois, novamente em 1º de maio, entraria em vigor a CLT.

Foram inúmeras as alterações feitas na Justiça do Trabalho e na CLT ao longo do tempo, destacando-se a definição de competências desenhada pela Constituição democrática de 1946; as inovações trazidas pelo governo militar na Constituição de 1967; a nova orientação interpretativa dada pela Constituição de 1988; o fim dos juízes classistas com a emenda constitucional nº 25/1999 e a ampliação das atribuições do Judiciário trabalhista com a EC nº 45/2004; e, finalmente, a reforma trabalhista de 2017.

Apesar de todas essas mudanças, os princípios basilares do nosso Direito do Trabalho se mantiveram firmes. Os entraves ao desenvolvimento socioeconômico do País ou de sua livre iniciativa nunca estiveram propriamente na CLT ou na Justiça do Trabalho, mas, provavelmente, na manutenção de um sistema sindical obsoleto e na ausência de um sistema de incentivos para o cumprimento da legislação trabalhista. A livre iniciativa é a mola mestra do desenvolvimento do País e deve ser prestigiada, mas é preciso criar e manter as condições para que ela se ajuste aos princípios da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e do respeito ao meio ambiente do trabalho, tarefa à qual o Direito do Trabalho dedica seus melhores esforços.

Para homenagear os 80 anos da Justiça do Trabalho e aprofundar o debate sobre essas e outras questões do universo trabalhista, privilegiamos nessa edição o ponto de vista dos magistrados do trabalho, a começar pela matéria de capa, a “entrevista-aula” do Ministro Maurício Godinho, presidente do Comitê de Preservação da Memória do TST. Leia também a entrevista rápida sobre questões pontuais com o Ministro do TST e membro do Conselho Editorial da Revista, Alexandre Agra Belmonte; e o artigo sobre o futuro das relações trabalhistas assinado pelo Ministro do TST Emmanoel Pereira, em coautoria com a presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Juíza Renata Gil. Não deixe de conferir ainda o artigo de estreia na Revista do novo presidente da Anamatra, o Juiz do Trabalho Luiz Antonio Colussi.

Centenário de Orpheu – A Justiça do Trabalho não é a única a ser homenageada nessa edição, na qual também damos início à publicação de uma série de artigos e reportagens para celebrar o fundador da Revista, Orpheu Salles, que completaria cem anos em outubro. Nos enche de honra, orgulho e profunda gratidão começar essa série com os artigos assinados pelo presidente do STF e do CNJ, Ministro Luiz Fux, e do STJ, Ministro Humberto Martins.

Para as próximas edições  já estão reservados os textos de outros grandes nomes do Direito nacional que conheceram Orpheu de perto e que se mobilizaram para homenagear sua vida e obra. O que demonstra o reconhecimento a um homem que, já maduro, com mais de 70 anos de idade, deu início à sua missão de defender o Poder Judiciário e auxiliar seus membros a melhor se comunicar entre si e com os membros das demais carreiras jurídicas.

Por ser filho deste grande homem, sou suspeito para elogiá-lo, mas a sua história e os testemunhos emocionados desses grandes juristas não deixam dúvida de que Orpheu fez de sua vida uma epopeia de abnegação e coragem – como o “Dom Quixote” de Cervantes, seu livro preferido – em um trabalho permeado de valores elevados como a ética, a cidadania e a solidariedade.

Não por acaso, e talvez exatamente por isso, Orpheu também sempre esteve ao lado da Justiça do Trabalho. Na década de 1950, foi delegado do Trabalho em Santos (SP), onde se notabilizou – irritando interesses poderosos, o que mais tarde contribuiria para suas seguidas prisões pela ditadura militar – ao declarar legal a greve dos trabalhadores portuários e marítimos. Mais tarde, na década de 1970, fundou um curso de prevenção aos acidentes de trabalho no qual estava acompanhado de professores como os então procuradores da Justiça do Trabalho Arnaldo Lopes Süssekind, José de Segadas Vianna e Rego Monteiro, coautores do anteprojeto da CLT.

Agraciado com o título de “Comendador” pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, em 2012, ele assim agradeceu: “Minha vida tem sido dedicada ao trabalho, à Justiça, ao jornalismo e à defesa dos direitos humanos. Momentos como esse só vêm coroar essa minha missão”.

Como no episódio do “sonho com Deus”, narrado no artigo do Ministro Luiz Fux (leia na página 12), Orpheu seguiu os conselhos do então Cardeal de Aparecida Carmelo de Vasconcellos Mota, quando ele lá esteve em busca de conforto espiritual. Queimou de pé como uma vela acesa até o final de sua vida, iluminando a todos que estavam ao seu redor, e permanece vivo, não só em lembranças, mas também como inspiração. Uma chama que, se depender de nós e da Revista Justiça & Cidadania jamais se apagará.

Luto – Outro grande nome que partiu e deixará saudades é Walmir Oliveira da Costa, Ministro do TST, autor consagrado e eminente professor, a quem tivemos a grata oportunidade de homenagear em vida, em 2018, com a concessão do Troféu Dom Quixote pelos destacados serviços prestados à defesa da ética, da Justiça e dos direitos da cidadania. Suas posições firmes nunca o impediram de ser uma pessoa gentil e um amigo fiel. Nossa solidariedade aos familiares, alunos e demais amigos.

Empresarial – Na edição que também comemora os 21 anos da Revista Justiça & Cidadania – sonho que sonhei junto com meu pai – temos a grata satisfação de contar com um artigo do brilhante ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Seus textos sempre se revestem de uma força doutrinária de poderosa influência sobre a magistratura, a advocacia e todos os demais operadores do Direito, sobretudo em questões do Direito Empresarial. Desta vez, o magistrado se debruça sobre os procedimentos arbitrais para nos brindar com uma profunda análise a respeito do “dever de revelação”, pré-requisito indispensável para garantir total transparência e confiança na relação contratual entre as partes e o árbitro.

Boa leitura!