A mesa de abertura do Seminário, a partir da esquerda com o Presidente da CNSeg, Dyogo Oliveira, os ministros do STJ Mauro Campbell Marques, João Otávio de Noronha e Antonio Carlos Ferreira, e o Presidente do Instituto Justiça & Cidadania, Tiago Santos Salles
Ministros e especialistas debatem temas securitários de grande repercussão no STJ durante o 5º Seminário Jurídico de Seguros
Com o objetivo de proporcionar o debate entre ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), acadêmicos, promotores, procuradores, advogados e atuários dentre outros especialistas do setor de seguros, foi realizado no dia 1o de dezembro, em Brasília (DF), o 5o Seminário Jurídico de Seguros. De volta ao formato presencial após três anos, o Seminário debateu temas securitários de grande repercussão econômica, cujas discussões ainda estão em aberto nos tribunais brasileiros – inclusive na 2a Seção do STJ, especializada em Direito Privado.
Em pauta os efeitos da embriaguez no seguro de vida; os prazos de prescrição das demandas securitárias; a incorporação de novas tecnologias ao rol de procedimentos da saúde suplementar; e o caráter securitário dos títulos de previdência privada VGBL e PGBL.
Promovido pela Revista Justiça & Cidadania em parceria com a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), o Seminário contou novamente com o apoio do STJ e da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Complementar e Capitalização (CNseg).
Segurança jurídica – “Novamente reunimos no STJ a comunidade jurídica para discutir temas de larga repercussão dos seguros, matéria importantíssima, que tem uma participação de 6% no PIB nacional. Quando dizemos 6%, não podemos nos dar por satisfeitos, porque há espaço para muito mais, nos países mais avançados esse percentual ultrapassa 10%. Portanto, temos uma matéria de grande interesse geral, a qual os ministros do STJ, especialmente da Seção de Direito Privado, julgam diuturnamente. Por isso, são questões muito importantes para discutirmos. Até porque, como julgadores, é importante conhecer o substrato que serve às nossas decisões, os fatos, os contratos e os princípios que plasmam todas as relações de seguros. Conhecendo melhor os produtos, certamente melhor vamos subsumir os fatos às normas para emitir nossos juízos de valor nas decisões”, comentou o coordenador acadêmico do Seminário, Ministro João Otávio de Noronha, na mesa de abertura.
“Nosso objetivo hoje é encontrar, ainda que minimamente, os pontos convergentes entre os temas expostos nos painéis e os fundamentos decisórios que devem estar presentes nos qualificados precedentes da 2a Seção do STJ. Para nós, ministras e ministros do STJ, um Tribunal de superposição que tem a relevante missão de pacificar entendimentos sobre os mais diversos ramos do Direito, fica a preocupação de proferir enunciados normativos nos quais a ratio decidendi seja enfrentada da maneira mais ampla possível, dentro dos limites impostos pela Constituição, de forma a contribuir não só para a paz social, mas também para a segurança das relações jurídicas e econômicas”, complementou o Diretor-Geral da Enfam, o Ministro do STJ Mauro Campbell Marques.
“As brilhantes falas dos ministros que me antecederam demonstraram que a sequência dos seminários anteriores já produziu grande efeito. Percebe-se claramente o conhecimento que eles já dominam da matéria de seguros, com grande profundidade, o que nos traz muita alegria”, acrescentou o Presidente da CNSeg, Dyogo Oliveira, ainda na mesa de abertura, que também foi composta pelo Ministro do STJ Antonio Carlos Ferreira e pelo Presidente do Instituto Justiça & Cidadania, Tiago Santos Salles.
VGBL e PGBL – O primeiro painel aprofundou a discussão sobre os planos de previdência privada VGBL e PGBL, com a participação do Ministro João Otávio de Noronha, do Procurador-Geral da Superintendência de Seguros Privados (Susep), Paulo Antonio Penido, da Diretora-Presidente na Brasilprev Seguros e Previdência, Angela Beatriz de Assis, e do Diretor Jurídico da Zurich Brasil, Washington Silva.
Definidos pela Superintendência da Susep como modalidades de seguro de vida individual, o VGBL e o PGBL têm por objetivo pagar indenizações aos segurados sob a forma de renda ou pagamento único, em função de sua sobrevivência ao período de diferimento contratado. Sobre eles, o entendimento do STJ, presente, por exemplo, nos autos do REsp 1.961-488/RS, julgado em 2021 pela 2a Turma do STJ, parte da premissa de que se tratam de planos com natureza de seguros. O que implica que os valores a serem recebidos pelo beneficiário em decorrência da morte do segurado não se considerariam herança para todos os efeitos de direito, como prevê o art. 794 do Código Civil.
Em aparente contradição, em precedentes recentes a 3a Turma do STJ reconheceu a natureza de investimento dos valores aportados ao plano VGBL, entendendo ser possível a sua inclusão na partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal. Atenta ao aparente conflito entre os precedentes das Seções de Direito Público e Direito Privado, a relatora do recurso especial, Ministra Assusete Magalhães, consignou que os entendimentos não se contrapõe, “primeiro porque os precedentes de Direito Privado não tratam do campo de aplicabilidade do art. 794 do Código Civil, mas referem-se ao art. 1.659 do Código, que dispõem sobre os bens excluídos do regime de comunhão parcial de bens; em segundo lugar, porque a morte do segurado sobreleva o caráter securitário do VGBL, sobretudo com a prevalência da estipulação em valor do terceiro beneficiário, como deixa expresso o art. 79 da Lei no 11.196/2005”.
Durante os debates no painel, os participantes ficaram sabendo ainda que apenas 8% dos brasileiros possuem planos de previdência privada – importantes instrumentos para reduzir a pressão sobre o sistema público de previdência social. O que dá a dimensão da importância da promoção da cultura securitária e previdenciária e da necessária segurança jurídica para o seu desenvolvimento.
Embriaguez no seguro de vida – O segundo painel, sobre os efeitos da embriaguez no seguro de vida, contou com a participação dos ministros do STJ Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi, do Procurador da Susep Irapuã Beltrão, da Presidente da Prudential do Brasil, Patrícia Freitas, e do mestre em Regulação e Concorrência Ilan Goldberg.
Trata-se de tema recorrente na Justiça, na medida em que, segundo levantamentos recentes, 40% dos acidentes de trânsito no País envolvem motoristas que beberam antes de dirigir. Nesses casos, as seguradoras geralmente negam o pagamento das indenizações previstas no contrato de seguro de vida por entenderem que o segurado cometeu crime ao dirigir embriagado, e as famílias, por sua vez, não aceitam e acionam o Poder Judiciário.
No painel, os palestrantes apresentaram um panorama histórico da evolução dos seguros de vida e da jurisprudência relacionada ao tema no STJ. Um discussão que teve início em 2016, quando a 3a Turma do Tribunal, ao julgar o Recurso Especial (REsp) 1.485.717/SP, sob a relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, firmou compreensão no sentido de que a direção do veículo por um condutor alcoolizado, seja o próprio segurado ou terceiro, representa agravamento de risco, sendo lícita a cláusula do contrato de seguro de automóveis que preveja, nessas circunstâncias, a exclusão da cobertura securitária.
Já em 2018, porém, nos autos do REsp 1.738.247/SC, de relatoria novamente do Ministro Ricardo Cueva, por maioria a mesma Turma enfrentou um desdobramento da tese. Naquela oportunidade, a questão a ser dirimida não se referia à indenização securitária a ser paga ao próprio segurado, mas à vítima de um acidente de trânsito, que postulou conjuntamente contra o segurado e a seguradora o pagamento da indenização. Tratava-se, portanto, da cobertura de responsabilidade civil, presente também comumente nos seguros de automóveis. Naquele contexto, foi vencedora a tese no sentido da ineficácia, para terceiros, de cláusula de exclusão da cobertura securitária em caso de embriaguez do condutor, visto que a solução contrária puniria as vítimas do sinistro, que não contribuíram para o agravamento do risco.
Ainda sobre o tema, os palestrantes destacaram o fundamento decisório da Súmula 620 do STJ, que na prática força as seguradoras ao pagamento da indenização prevista no contrato, mesmo que o segurado morto em acidente de trânsito tenha dirigido embriagado.
Dadas as diversas peculiaridades da questão, o tema voltou aos órgãos julgadores do Tribunal em abril de 2022, nos autos do agravo interno do REsp 1.999.624, de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, que instou seus pares ao debate dos desdobramentos da súmula 620 que teriam escapado à análise anterior. Para ele, a embriaguez do segurado que conduzia o veículo e se envolveu em acidente por si só não exime a seguradora do pagamento da indenização. Porém, se a seguradora provar que tal conduta configurou agravamento de risco e influiu decisivamente na ocorrência do sinistro, ela deixa de ter a responsabilidade.
Ficou no ar a percepção de que o debate sobre o tema continua em aberto, diante de “sólidos elementos para a eventual revisão da Súmula 620” – como pontuou Ilan Goldberg – até que se determine com maior segurança jurídica se a embriaguez ao volante seria de fato uma hipótese válida para a exclusão da cobertura dos seguros de vida ou se deve ser encarada apenas como um fator de agravamento do risco.
Prescrição e estabilidade – Sob a presidência do Ministro Raul Araújo Filho e com a participação do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, o terceiro painel discutiu a prescrição das demandas securitárias, e contou ainda com o Vice-Presidente da Junto Seguros, Roque de Holanda Melo, da professora e advogada Angélica Carlini e do atuário Paulo Ferreira. Foram abordados diversos aspectos acerca do tema prescrição de pretensões de indenizações securitárias e seus impactos nos contratos de seguro, os entendimentos existentes sobre o marco inicial do prazo prescricional nessas ações, as súmulas existentes sobre o tema e o posicionamento atual do Judiciário e dos tribunais superiores.
O Ministro Ricardo Cueva destacou pontos do Código Civil de 2002 e de outros diplomas da legislação infraconstitucional que abrem possibilidades de rediscussão sobre os prazos prescricionais. O magistrado lembrou das inúmeras dificuldades encaradas no dia-a-dia para o entendimento dos casos e o quanto debates como o proporcionado pelo 5o Seminário Jurídico de Seguros são importantes para que seja possível nivelar o conhecimento sobre o futuro.
Já a professora Angélica Carlini salientou que o seguro é um contrato bilateral e de colaboração que deve, portanto, beneficiar ambas as partes. Ela conceituou a prescrição como “a incidência do tempo sobre os aspectos jurídicos da vida em sociedade” e para complementar citou o jurista Sílvio de Salvo Venosa, que diz ser a prescrição indispensável para garantir estabilidade às relações sociais.
Por fim, ela pontuou a inconveniência da litigiosidade perpétua em torno das relações sociais. “O Direito exige que o devedor cumpra a sua obrigação e permite ao credor valer-se dos meios necessários para receber seu crédito. Se o credor, porém, mantém-se inerte, deixando estabelecer posição contrária ao seu direito, esse direito será extinto. Perpetuá-lo seria gerar terrível instabilidade nas relações pessoais”, comentou Angélica Carlini, para arrematar: “Existe interesse de ordem pública na extinção dos direitos. O que justifica os institutos da decadência e também o da prescrição”.
Novas tecnologias e judicialização – No painel “Incorporação de novas tecnologias – Desafios na saúde suplementar” foram debatidos os impactos das transformações tecnológicas para a judicialização e os caminhos para a sua solução. Presidido pelo membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Richard Pae Kim, o painel contou com as análises do Corregedor Nacional de Justiça, o Ministro do STJ Luis Felipe Salomão, do Presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar, Paulo Rebello, do Presidente da Seguros Unimed, Helton Freitas, e do especialista Daniel Wang.
O Ministro Luis Felipe Salomão falou sobre o incremento do uso tecnológico para desonerar o Estado, com o desenvolvimento de soluções jurídicas dentro do próprio sistema, como o uso de ferramentas para acelerar e tornar mais eficazes o atendimento e acompanhamento de pacientes nas redes de saúde pública e suplementar. O magistrado ressaltou, porém, a preocupação com a invasão dos programas e apropriação dos dados pessoais dos usuários por hackers, bem como com a identificação da responsabilidade civil no caso de falhas no serviço. “A responsabilidade é da empresa, do provedor ou do programador? Temos que pensar nesses pontos, são temas muito novos que ainda não chegaram para o exame da 2a Seção”, questionou o Ministro Salomão, que preside o Conselho Editorial da Revista JC.
Sobre a incorporação de novas tecnologias e medicamentos ao rol de procedimentos em saúde da ANS, ressaltou o Ministro Salomão que hoje, por força de lei, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conintec) tem um prazo bem mais reduzido e tem sido muito mais ágil na análise desses procedimentos. “Com isso, nossa expectativa é de que haverá uma redução na judicialização a partir do funcionamento desse sistema, que tem por base algumas experiências internacionais exitosas, como é o caso da Inglaterra”, finalizou o magistrado.
“Hoje nós já temos 3.500 tecnologias já incorporadas, todas as doenças cobertas do Cadastro Internacional de Doenças (CID) já estão incorporadas ao rol da ANS, mas temos essa situação. O romancista italiano Lampedusa diz que às vezes as coisas são modificadas para permanecerem como estão. De fato, a alteração aprovada na Lei no 14.454/2022 não modifica nossa forma de trabalhar, não modifica a forma de incorporar, mas escancara uma porta para que, no caso concreto, cada beneficiário possa procurar a operadora ou o Judiciário. E aí ministro, permita-me discordar de vossa excelência, mas acho que a judicialização vai aumentar, pelo menos no primeiro momento, porque esse infelizmente foi o espírito das pessoas que estavam discutindo esse projeto na Câmara e no Senado”, comentou o Presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar, Paulo Rebello.
Por fim, Rebelo falou sobre o trabalho que tem sido desenvolvido pelo Observatório Nacional da Saúde, integrado pelo Instituto Justiça & Cidadania, para entender qual é o tamanho da judicialização da Saúde no Brasil: “Estima-se que são 2% de R$ 240 bilhões, que é a receita que o setor teve no ano passado. Vamos precisar nos aprofundar para encontrar os caminhos para a desjudicialização”.
Responsabilidade – No encerramento, em rápida intervenção, a Diretora Jurídica da CNSeg, Glauce Carvalhal, sintetizou o sentimento do setor em relação aos Seminários Jurídicos de Seguros: “Essa iniciativa é muito relevante para o setor de seguros considerando a importância que temos no País para a proteção de pessoas, empresas e a sociedade em geral. Esse acolhimento que o STJ nos dá a cada ano fortalece essa parceria e aumenta a nossa responsabilidade”.