Confira os destaques do II Seminário Internacional França-Brasil, evento realizado em Paris como parte do Ciclo de Estudos Internacionais de Direito Comparado da Revista JC
Desde 2015, o Instituto Justiça & Cidadania promove o Ciclo de Estudos Internacionais de Direito Comparado, com grandes eventos jurídicos internacionais em capitais como Washington, Londres e Madrid. Paris entrou de vez neste circuito com a realização, nos últimos dias 5 e 6 de abril, da segunda edição do Seminário Internacional França-Brasil, em parceria com a Université Paris II Panthéon-Assas, que teve como tema “Os desafios do Direito frente à globalização”
Em dois dias de intensos debates, sob a coordenação acadêmica do Presidente da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), Ministro Mauro Campbell Marques, o seminário contou com a participação de magistrados, juristas e acadêmicos de ambos os países. Foram discutidos temas atuais que perpassam a relação entre o Direito e a globalização econômica, como o fortalecimento das instituições governamentais, o equilíbrio entre o respeito à democracia e a liberdade de expressão, o ingresso do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a necessária segurança jurídica nas relações comerciais, dentre outros assuntos relevantes.
O principal destaque ficou por conta da participação do Ministro Ricardo Lewandowski, que a poucos dias de sua aposentadoria compulsória por idade no Supremo Tribunal Federal (STF), antecipada para o dia 11 de abril, proferiu a aula magna, transcrita na íntegra na matéria de capa desta edição. Em sua apresentação – na qual anunciou que vai trocar a toga pela beca, para voltar a atuar como advogado – Lewandowski comentou as origens e efeitos da globalização, os recentes movimentos de “desglobalização” e a pluralidade das fontes do Direito.
A aula magna balizou todos os debates posteriores do evento. Na apresentação do painel sobre segurança jurídica, geopolítica e relações internacionais, o Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Raul Araújo Filho comentou, por exemplo, referindo-se à palestra do Ministro Lewandowski, que de fato a pluralidade das fontes do Direito e as sucessivas crises no âmbito da economia globalizada criam dúvidas quanto às relações econômicas e têm grande impacto sobre o setor produtivo e o mercado de capitais.
Intercâmbio – Cada painel possibilitou a troca de experiências entre os participantes sobre as melhores práticas em várias áreas jurídicas, como, por exemplo, no Direito Eleitoral. “O voto eletrônico no Brasil é um case de sucesso, é nosso patrimônio. Com relação à imparcialidade também, a composição da nossa corte eleitoral com ministros do STF e as indicações bastante corretas que são feitas, temos uma blindagem eficiente do nosso sistema eleitoral. Nesse sentido podemos fazer um intercâmbio muito bom com a França, porque temos coisas importantes para contribuir com o seu sistema. De outro lado, podemos absorver a questão da Comissão Nacional de Contas de Campanha na França, um órgão bastante especializado, que talvez pudesse dar maior celeridade ao sistema de prestação de contas, algo que os partidos e muitos candidatos reclamam em relação à Justiça Eleitoral brasileira”, comentou a Juíza Auxiliar do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Renata Gil, no painel sobre a segurança jurídica no processo eleitoral.
Arbitragem – Outro tema de destaque do Seminário foi o das soluções extrajudiciais de disputas, inclusive com um painel que analisou os conflitos de competência no âmbito da arbitragem. Ao lembrar que diversas situações podem gerar estes conflitos e que, ao menos no caso brasileiro, nem sempre as “regras simplistas” do Código de Processo Civil atendem as particularidades da arbitragem, o árbitro, advogado e professor José Marcelo Martins Proença sugeriu que as próprias câmaras arbitrais estabeleçam regras para dirimir eventuais conflitos de competência.
“Na ausência de regras das câmaras arbitrais, a matéria deve ser encaminhada ao Poder Judiciário que, segundo previsão constitucional, deve resolver a questão, atento às particularidades da questão colocada a desate e aos princípios e particularidades do processo arbitral, sem se olvidar ao fato da expressiva aproximação entre o processo arbitral e o estatal, o que é suficiente para abrigá-lo sob o manto do Direito Processual constitucional”, observou Proença.
Sobre essa convivência do judicial com o extrajudicial, no encerramento, observou o Ministro Ricardo Lewandowski: “Ao longo das magníficas aulas que foram proferidas desta bancada, me dei conta de que a arbitragem talvez seja precisamente um fator de conciliação entre essas duas visões antagônicas (preponderância do Estado versus livre mercado). Por meio da arbitragem e desse campo novo que se desenvolveu de resolução de controvérsias, se concretiza de certa maneira também aquela expressão bíblica ‘dar a Cesar o que é de César e dar a Deus o que é de Deus’. Ou seja, vamos dar ao Estado o que é do Estado, à jurisdição estatal aquilo que a ela pertence, e vamos dar à jurisdição privada aquilo que a ela pertence. Através desse instituto magnífico que está sendo cada vez mais aprofundado estamos prestigiando a autonomia da vontade, prestigiando exatamente aquilo que é pactuado pelas pessoas no seu âmbito privado, sem prejuízo da atuação do Estado naquilo que diz respeito ao interesse comum. Essa é a visão que eu levo deste seminário magnífico que se desenvolveu nestes últimos dois dias”.