Edição 257
Os graus de urgência para concessão da tutela provisória de urgência
11 de janeiro de 2022
Alexandre Chini Juiz de Direito do TJRJ / Advogado Professor de Direito Processual Civil
Alexandre Flexa
Tutela provisória
A tutela provisória é um gênero que comporta duas espécies: a tutela de urgência e a tutela de evidência. É comum a literatura especializada sobre o tema apresentar as distinções entre as tutelas provisórias de urgência e de evidência. Contudo, é extremamente importante iniciar a explanação tratando da semelhança entre as tutelas provisórias, eis que só se pergunta a diferença entre dois (ou mais) institutos quando eles são semelhantes.
O termo tutela possui várias acepções, nem sempre significando tutela jurisdicional. No Direito Civil, por exemplo, a expressão significa uma das famílias substitutas (Código Civil, do art. 1.728 ao art. 1.766). Trata-se de um termo semanticamente plural.
No contexto desse artigo, a expressão tutela foi empregada como sinônima de decisão judicial. Assim, a similitude entre todas as tutelas provisórias, com perdão da redundância, é serem todas decisões provisórias, ou seja, que precisam ser confirmadas em algum ponto para tornarem-se definitivas, isto é, aptas a formarem a coisa julgada material.
Dessa forma, tanto as tutelas de urgência quanto a tutela de evidência são decisões proferidas com fulcro em cognição sumária, ou seja, com juízo de mera probabilidade (art. 300 e art. 311) de existência do direito pleiteado.
As tutelas de urgência, por sua vez, podem ser cautelares e antecipadas e, se a sua semelhança está na exigência de fumus boni iuris e periculum in mora para sua concessão, a diferença está no seu conteúdo.
As tutelas cautelares têm conteúdo assecuratório (ou protetivo, ou ainda não-satisfativo) e prestam-se a pleitear uma providência diversa do pedido final, mas que protege o requerente contra o risco de perecimento. Basta pensar na hipótese em que um contratante ajuíza ação em face da construtora-contratada alegando que a obra objeto do contrato apresenta falhas estruturais e ameaça desabar em poucos dias. O pedido final é a reparação do dano, mas a tutela de urgência que se busca é para algo diverso, ou seja, a realização imediata de perícia de engenharia na obra. Veja-se que a tutela de urgência cautelar tem mera função de assegurar que o direito à reparação não pereça, pois se ocorrer o desabamento, a prova pericial estará inviabilizada, gerando impossibilidade de demonstração do direito do contratante.
A tutela antecipada, ao contrário, tem caráter satisfativo, entregando de imediato a mesma providência que se deseja ao final do processo, podendo ser total, quando todos os pedidos finais também foram pleiteados antecipadamente, ou parcial, quando somente um ou alguns dos pedidos finais foram buscados antecipadamente. Aqui os exemplos são fartos, como o pedido de alimentos provisórios, que têm nítida natureza de antecipação do provimento final (alimentos).
Tutelas provisórias de urgência
Como visto acima, as tutelas provisórias de urgência, antecipadas ou cautelares, têm o objetivo comum de evitar um dano que está acontecendo ou está na iminência de ocorrer. Assim as tutelas de urgência exigem, para sua concessão, a existência de risco de dano irreparável ou de difícil reparação (art. 300, do Código de Processo Civil/ CPC). Por isso, são chamadas de tutelas jurisdicionais contra o dano.
Passemos a analisá-las separadamente, apenas no que tange à urgência da parte na sua obtenção.
Tutela antecipada
Tutela antecipada, ou antecipação dos efeitos do provimento final, é a tutela provisória pleiteada pela parte que demonstra probabilidade da existência do seu direito e risco de dano ou ao resultado útil do processo (art. 300, CPC). O que se pede provisoriamente é a mesma providência que a parte deseja ao final do processo. Daí se dizer que a tutela antecipada tem natureza satisfativa. Basta pensar na hipótese em que o autor ingressa em juízo pedindo a retirada do seu nome de cadastros restritivos de crédito, eis que inscrito indevidamente. Esse é o provimento final pretendido. Contudo, se a parte demonstrar a probabilidade da existência do seu direito de não estar inscrito e o risco iminente que a negativação pode gerar, terá o direito de pedir a retirada do nome imediatamente, em sede de tutela antecipada. Note-se que os provimentos – final e antecipado – são idênticos e ambos satisfativos. Aí está o traço característico dessa espécie de tutela de urgência.
A tutela antecipada foi muito mal batizada pelo legislador, eis que induz o estudioso ao erro. Na verdade, todas as tutelas provisórias (de urgência antecipada, de urgência cautelar e de evidência) são antecipadas, na medida em que todas são concedidas antes do provimento final. Dessa forma, quando se lê tutela de urgência antecipada na lei, quer-se dizer tutela de urgência satisfativa.
Para obtenção do deferimento da tutela antecipada, além dos requisitos da probabilidade e do risco de dano, a lei exige que a medida deferida seja reversível (art. 300, § 3º, CPC). O comando legal é de fácil compreensão. Como o provimento é provisório, se fosse irreversível, acabaria por tornar-se definitivo na prática. Essa exigência de reversibilidade, contudo, não é absoluta, podendo ser dispensada quando o bem jurídico a ser protegido pela concessão da medida é maior do que o bem protegido pelo indeferimento. Pensemos no seguinte exemplo: Maria ingressa em juízo em face da sua seguradora de saúde pleiteando, em tutela antecipada, condenação desta em obrigação de fazer consistente em autorização de um procedimento cirúrgico. O bem da autora a ser protegido é a vida, enquanto o bem da ré é o patrimônio (valor a ser gasto no procedimento). Nesse caso, mesmo que a autora demonstre total impossibilidade financeira de arcar com os custos da cirurgia em caso de improcedência do pedido, deve ser deferida a antecipação de tutela, mesmo diante da irreversibilidade, eis que a vida é bem maior do que o patrimônio. Não se pode esquecer que a reversibilidade é a regra e só pode ser afastada excepcionalmente. Assim, pode o juiz exigir do demandante uma garantia de que a medida possa ser revertida ao final do processo, caso necessário (art. 300, § 1º, CPC).
Como se vê, caso a parte não tenha nenhuma urgência na obtenção do provimento, podendo esperar até o momento da sentença ser proferida, deve ser indeferida a medida urgente, caso tenha sido pleiteada. Havendo alguma urgência – e desde que haja probabilidade da existência do direito – o juiz deve deferir o pleito autoral, mas com a prévia oitiva das partes, na forma do art. 10, do CPC, respeitando-se amplamente o contraditório. Aumentando-se o grau da urgência a tal ponto que a parte sequer possa esperar a manifestação do demandado, deve-se postergar o contraditório, deferindo-se a tutela antecipada inaudita altera parte e deixando a manifestação da parte contrária em seguida (art. 9º, parágrafo único, do CPC). Em último caso, com a urgência em tamanha proporção que não permite ao autor sequer redigir a petição inicial inteira, instruindo-a com os documentos necessários, tem-se a possibilidade de pleitear a tutela antecipada antecedente, tratada a seguir, na qual o autor elabora uma petição inicial apenas requerendo a tutela de urgência e submetendo-a à apreciação judicial, emendando-a posteriormente. É a denominada tutela antecipada em caráter antecedente.
Tutela cautelar
A tutela cautelar passou por profunda alteração de forma com o advento do CPC de 2015, pois perdeu sua autonomia, não existindo mais a ação cautelar, instaurada exclusivamente com esse fim, passando a ser requerida como mero incidente processual, por meio de capítulo próprio na petição inicial (se a necessidade já existir no momento da propositura da ação), por simples petição (se a parte a requerer no curso do processo) ou até mesmo em sede recursal.
Seus requisitos para concessão são os mesmos estudados no capítulo da tutela antecipada, o que é natural, eis que ambas são tutelas de urgência, razão pela qual remetemos o leitor ao capítulo acima.
O grande traço característico da tutela cautelar é a natureza do provimento. Ao contrário da tutela antecipada, que tem cunho eminentemente satisfativo, a tutela cautelar tem por objetivo autorizar uma providência que não se objetiva ao final do processo; que não satisfaz a parte, mas garante que o seu direito seja protegido. Pensemos no seguinte exemplo: Gael ingressa em juízo em face de uma construtora alegando a realização de contrato entre ambos para construção de um prédio e que este fora entregue com falhas estruturais vultosas. Pugna, portanto, pelo desfazimento do contrato e indenizações daí resultantes. Para demonstrar a existência do seu direito, será necessário realizar perícia de engenharia no imóvel, o que só ocorrerá na fase probatória. Entretanto, o prédio ameaça desabar, sendo urgente realizar a perícia imediatamente. Essa tutela de urgência (realizar perícia) não é a pretensão de Gael, mas serve para assegurar que ela não pereça em razão da demora. Medida nitidamente cautelar; assecuratória; protetiva; não-satisfativa.
Da mesma forma que ocorre com a tutela antecipada, caso a parte não consiga demonstrar a urgência na obtenção do provimento jurisdicional, deverá ter seu pedido indeferido. Por outro lado, se urgência houver, a consequência observará o grau que esta ostenta.
Classificação dos graus de urgência em tutela provisória
Como vimos até aqui, o CPC de 2015 expôs claramente a intenção de dar tratamento diferenciado ao instituto das tutelas de urgência, antecipada ou cautelar, conforme o grau de urgência existente em cada caso.
Assim, inexistindo urgência da parte em obter o provimento jurisdicional provisório, deve ser indeferido o pedido de tutela de urgência eventualmente formulado.
Por outro lado, o CPC vigente sinaliza fortemente pela existência de diversos graus de urgência quando prevê artigos, em seu corpo, com consequências distintas a depender do caso concreto. Se não for possível, à parte, esperar até a sentença ser proferida, mas com tempo para ouvir primeiro a parte contrária, deve ser deferida a tutela de urgência (desde que presentes os demais requisitos), mas respeitando o prévio contraditório, como dispõe o art. 10, caput, do CPC.
Caso o demandante não disponha de tempo para aguardar a sentença, tampouco esperar a oitiva do demandado, o CPC prevê outra consequência, no art. 9º, parágrafo único, I, qual seja, postergar o contraditório para depois do deferimento da tutela de urgência.
Por fim, não dispondo de tempo sequer para redigir uma petição inicial inteira ou instruí-la com os documentos pertinentes, pode a parte valer-se da tutela de urgência requerida em caráter antecedente (art. 303 e art. 305, ambos dispositivos do CPC).
Percebe-se, claramente, que o Código de 2015 criou uma hipótese para cada grau de urgência, não cabendo às partes escolher livremente qual consequência deseja utilizar. Não deve a parte, dessa forma, podendo aguardar a manifestação da parte contrária, requerer tutela de urgência em caráter antecedente, da mesma forma que não se pode escolher interpor apelação ou recurso extraordinário contra acórdão de tribunal superior. Assim como há previsto um recurso para cada decisão judicial, há uma consequência prevista no CPC para grau de urgência em que os sujeitos parciais do processo se encontrem.
Nesse sentido, a fim de sistematizar a ideia dos graus de urgência, propomos a seguinte classificação, conforme o quadro abaixo: