Edição 17
Os operadores do direito do Século XXI
5 de julho de 2001
Nildo Nery dos Santos Desembargador
O Século XXI recebeu um legado, extremamente preocupante para os operadores do Direito, No Brasil, acentuam-se determinadas maze las que imolam a nossa desprotegida sociedade.
A má distribuição de renda, a agiotagem internacional tomando a dívida externa impagável, os pianos econômicos mal sucedidos, os efeitos perversos da globalização, as normas jurídicas impregnadas de casuísmo, a hipocrisia das elites, a expansão da criminalidade do colarinho branco, o fortalecimento do crime organizado, a devastação do meio ambiente, a permissividade exagerada estimulada pela mídia, a dissolução dos costumes, a desestruturação da família, a maternidade e a paternidade irresponsáveis, a miséria em alta escala, a disseminação das drogas licitas e ilícitas, o descaso dos governantes em relação a educação, saúde e segurança, formam uma atmosfera carregada de descrédito que vai desaguar na praia do Judiciário, onde os operadores do direito arregimentam forças para enfrentar essa continua luta, profundamente desigual.
O Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública estão cada vez mais atormentados com suas carências, sobretudo de pessoal em decorrência do engessamento imposto pela draconiana Lei de Responsabilidade Fiscal, agravada pela arcaica burocracia processual. As vezes, o legislador, tal qual um incauto enfermeiro, ministra elevadas doses de sonífero ao paciente( leia-se Judiciário), tomando-o mais sonolento.
A abertura advinda da Constituição de 1988, ampliando as formas de exercício da cidadania. fez com que os desfavorecidos acorressem intensamente ao Judiciário e a sociedade ficou desapontada ao verificar que a Justiça e impotente para solucionar tantas demandas.
Oportuno acrescentar que situações novas advindas dos avanços tecnológicos e científicos entram em choque com as formas condensadas do padrão clássico do Direito, gerando, assim, antagonismo e contradições, que concorrem para a desarticulação dos velhos quadros jurídicos, ou provocando reações, as vezes impertinentes, como por exemplo a não aceitação do interrogatório “on line”.
O confronto do velho com o novo. Os posicionamentos ideológicos e doutrinários divergentes, a tradicional versus o avançado, o imobilismo frente ao ativismo, geram dificuldades para a ação exitosa dos operadores do Direito.
Neste início de um novo milênio, os operadores do Direito devem levar em conta o seu papel social, atribuindo-se a investigação jurídica novas dimensões, um sentido de uma profunda reformulação dos estudos do Direito para buscar respostas aos problemas surgidos na época contemporânea, perseguindo sempre um resultado justo que coíba os abusos e as arbitrariedades. Compete-nos ajudar a construir uma sociedade com menos discurso e mais ação, em que a dignidade humana seja sempre priorizada como base de sustentação social. Não nos podemos deixar abater pelo pessimismo. Não é simplesmente criticando que se constrói; é apontando soluções, e dando exemplos.
A boa nova é que o Judiciário começou a liberar-se do seu encastelamento, a Justiça paulatinamente está se aproximando do povo, despertando para o valor solidariedade.
Assim como ocorre em outros Tribunais, temos conduzido as metas do nosso plano de gestão na linha do chamado “Judiciário Participativo”, voltado para todos os aspectos da realidade social, de modo a fazer prevalecer o exercício da cidadania.
O programa intitulado “Criança Cidadã” colocou o Judiciário pernambucano na trincheira dos que lutam para assegurar a cidadania às crianças e adolescentes em situação de risco. Desenvolve ações múltiplas, envolvendo 49 entidades parceiras, efetivando real amparo aos menores, incluindo o apoio familiar e colocando em abrigos. O Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, numa iniciativa inédita no país, reuniu três mil crianças e adolescentes carentes, durante dais meses, na I Olimpíada Criança-Cidadã com a objetivo de despertar a auto-estima na juventude pernambucana, ao tempo em que incentiva a pratica desportiva como forma de proporcionar aos nossos jovens uma vida melhor e mais sadia.
O “Programa Cidade Digna” é um outro projeto social levado a efeito pelo Tribunal de Justiça, aglutinando órgãos públicos e organizações não-governamentais para ações estruturadas de desenvolvimento comunitário. A área de atuação do programa é a comunidade do Coque na Ilha Joana Bezerra, tendo o Tribunal de Justiça, com o objetivo de viabilizar inúmeras ações sociais, estabelecido forte interação com as lideranças comunitárias e instalado um Comitê Gestor-constituído por representantes da população. O programa mobilizou a comunidade para a seleção de jovens a curso preparatório ao vestibular e o empresariado educacional forneceu 50 bolsas de estudo para os jovens da comunidade. Os próximos passos são a instalação de uma Escola de Saúde Pública em parceria com a Arquidiocese de Olinda e Recife, além da Justiça Comunitária de Cidadania.
A construção da Vila São Francisco, para acolher as famílias que viviam ao relento na rua do Imperador, foi um marco da nossa gestão.
Agora virá a construção da cidade da Criança Cidadã para acolher 80 famílias que vegetam nas ruas do Recife.
Outra iniciativa de relevo, foi a criação dos programas “Justiça nas Ruas” e “Balcão do Judiciário’, cujo objeto é, mediante convênios com Prefeituras e Câmaras Municipais no interior, aproximar o cidadão comum dos seus direitos, fornecendo-lhes gratuitamente documentos essenciais ao exercido da cidadania (emissão de 2ª via de certidões de nascimento e casamento, carteira de trabalho e identidade, CPF, entre outros), além de orientação jurídica gratuita.
Em pouco mais de uma ano de atividades, referidos programas apresentaram um saldo extremamente positivo. Dentre as ações neste período destacam-se: 168,332 atendimentos em mais de 51 comunidades de Pernambuco, alem de 226.382 solicitações registradas no Balcão do Judiciário.
Merecem menção, outrossim, ações de combate a violência no seu nascedouro, tendo como público alvo as crianças, mediante troca de armas de brinquedo por bolas de futebol. Importa destacar também, o acesso a serviços médicos essenciais nos Municípios, tais como, vacinação, exames oftalmológicos, prevenção de câncer de útero e próstata, etc.
Os foros universitários Instalados em Olinda, Caruaru e na Universidade Católica de Pernambuco -UNICAP, como uma eficaz forma de reengenharia, unem os cursos de Direito ao Judiciário, atendendo a necessidade de reformulação do ensino, proporcionando aos estudantes uma formação prática do direito, ao mesmo tempo que facilita o acesso a Justiça nas comunidades carentes.
Os Juizados Especiais e Informais estão se espalhando pelo Sertão, Agreste e Mata – hoje já são mais de 50 – fazendo com que o Judiciário possa pautar suas atividades sob o signo da celeridade. Com este mesmo escapo, foram criadas equipes de Agilização Processual, inclusive na 2ª instância.
No âmbito da Justiça Penal, foi criada a Vara de Execuções de Penas Alternativas, a segunda deste tipo em todo o país, visando tornar eficaz a aplicação das sentenças substitutivas da privativa de liberdade. Por outro lado o centro de Justiça Terapêutica, o primeiro criado pelo Judiciário na América Latina, tem o objetivo de contribuir para uma melhor conscientização das autoridades, bem como de sociedade civil no desenvolvimento de uma abordagem abrangente das estratégias e políticas a adotar no campo das drogas.
O Judiciário também está integrado ao Conselho de Defesa do Cidadão, sendo o Desembargador Ouvidor do Tribunal de Justiça o seu Presidente, compelindo a essa entidade, formada par representantes dos mais diversos setores da sociedade civil, definir ações prioritárias na área de defesa social e justiça.
Ao contrário do que muitos pensam, nós operadores do Direito podemos e devemos contribuir para a edificação de uma nova ordem social, transformando excluídos em verdadeiros cidadãos. É que a Justiça Social também é nossa missão. Queira Deus que os nossos esforços não sejam em vão e que os nossos netos possam testemunhar o alvorecer de um novo Brasil, mais justa e solidário.