Edição 145
Os princípios jurídicos e sua densidade normativa
11 de setembro de 2012
Ives Gandra Martins Filho Ministro do TST
AS NOTAS DESTE ARTIGO, ORIGINALMENTE PUBLICADO NA EDIÇÃO 145 DA REVISTA JUSTIÇA & CIDADANIA, FORAM EXCLUÍDAS NA VERSÃO IMPRESSA SEM ANUÊNCIA DO AUTOR, AO CONTRÁRIO DO QUE INFORMAMOS. AS NOTAS, ESSENCIAIS À COMPREENSÃO DO TEXTO, SEGUEM NA VERSÃO ABAIXO.
I. Princípios como pilares do Direito
O que são pilares da Ciência Jurídica? São justamente os fundamentos que sustentam e iluminam a aplicação do Direito em cada ramo da Árvore Jurídica.
Quais são esses pilares de sustentação do Direito? São os princípios que distinguem e caracterizam cada um desses ramos[3].
No caso do Direito do Trabalho, o pilar por antonomásia é a Encíclica Rerum Novarum, de 1891, do Papa Leão XIII, constituindo a Carta Magna da Justiça Social.
Os princípios básicos contidos na Encíclica Rerum Novarum, que plasmam a Doutrina Social Cristã e que serviram de norte e fundamento para as Constituições Sociais e legislação trabalhista no mundo inteiro são:
a) Princípio da Dignidade da Pessoa Humana[4] — a pessoa humana tem uma dignidade essencial, por ser criada à imagem e semelhança de Deus, em igualdade natural entre homem e mulher, estando acima de qualquer outra criatura material, razão pela qual não pode ser tratada como objeto ou mercadoria. Constitui o fim último da sociedade, que a ela está ordenada: não pode ser instrumentalizada para projetos econômicos, sociais ou políticos.
b) Princípio do Bem Comum[5] — sendo o bem comum o conjunto das condições da vida social que permitem aos grupos e a cada um dos seus membros atingirem de maneira mais completa a própria perfeição, deve ser buscado como meta pela sociedade politicamente organizada que é o Estado. Assim, o objetivo do Estado não é apenas buscar a máxima felicidade do maior número, mas conseguir que todos possam atingir seus fins existenciais.
c) Princípio da Destinação Universal dos Bens[6] — Deus destinou a terra, com tudo que ela contém, para o uso de todos os homens e de todos os povos, de tal modo que os bens criados devem bastar a todos, com equidade, segundo a regra da justiça, inseparável da caridade. Razões de ordem jurídica (garantir o pacífico e ordenado desfrute dos bens da terra por parte de todos), econômica (garantir a solicitude e o interesse necessários para fazer render os bens) e política (garantir a liberdade individual frente ao Estado) justificam o reconhecimento da propriedade privada. No entanto, o direito à propriedade privada não é absoluto, mas deve atender à sua função social (responsabilidade social pelos pobres e mais necessitados), estando subordinado à destinação universal dos bens (que não se confunde com o domínio comum de todos os bens).
d) Princípio da Subsidiariedade[7] — o Estado não deve fazer aquilo que podem e devem fazer as pessoas e os grupos sociais menores, como as famílias, as escolas, as associações, os sindicatos etc (deve coordenar, proteger, apoiar, incrementar e incentivar a iniciativa privada, suprindo suas deficiências e retirando-se quando os grupos menores já promovem diretamente essas iniciativas, pois, do contrário, o paternalismo estatal sufocaria a liberdade e autonomia individual e a originalidade da iniciativa pessoal).
e) Princípio da Dignidade do Trabalho Humano[8] — a pessoa é o parâmetro da dignidade do trabalho. A encarnação do Verbo (Deus assume a natureza humana) e o fato de Jesus Cristo (Filho Unigênito de Deus) ter escolhido trabalhar numa profissão humilde, de carpinteiro, mostra a dignidade do trabalho humano, como participação do poder criador de Deus, e da dignidade de toda e qualquer profissão, intelectual ou manual. O trabalho do homem passa a ser caminho de perfeição humana (transformação própria e do mundo) e cristã (santificação pessoal).
f) Princípio da Primazia do Trabalho sobre o Capital[9] — partindo do pressuposto de que o trabalho humano tem uma dimensão objetiva (conjunto de atividades, recursos, instrumentos e técnicas de que o homem se serve para produzir bens e serviços; a obra realizada) e uma dimensão subjetiva (agir dinâmico do homem, transformando a terra, com os instrumentos do trabalho de que dispõe; as virtudes que o trabalhador adquire ao trabalhar), o princípio norteador das relações laborais é o de que a dimensão subjetiva do trabalho deve ter preeminência sobre a objetiva: o trabalho, pelo seu caráter subjetivo ou pessoal, é superior a todo e qualquer outro fator de produção, em particular no que tange ao capital. Entre capital (causa instrumental) e trabalho (causa eficiente) deve haver uma complementariedade (necessidade da justa retribuição a cada um desses fatores da produção), com a possibilidade de participação dos trabalhadores na propriedade, gestão e frutos do capital.
g) Princípio da Solidariedade[10] — como princípio geral, implica que os homens cultivem uma maior consciência do débito para com a sociedade, pelo patrimônio cultural, científico, tecnológico, material e espiritual recebido, retribuindo com o seu trabalho e serviço em prol da comunidade (perspectiva da caridade, que transcende a mera justiça). Como princípio específico laboral, representa o direito dos trabalhadores de se unirem, formando associações e sindicatos, com a finalidade de defender seus interesses vitais, através de meios pacíficos, dentre os quais se apresenta como recurso legítimo (e inevitável em algumas circunstâncias) o direito à greve.
h) Princípio da Proteção[11] — que determina a intervenção do Estado para estabelecer os limites de jornada de trabalho e as condições da prestação de serviços, para evitar a exploração do trabalhador em detrimento de sua saúde física e mental, a par de garantir-lhe a justa retribuição pelo esforço despendido. A mulher e a criança devem gozar de uma tutela especial da lei, para que a jornada e a forma da prestação dos serviços sejam adequadas à sua compleição física.
II) AS FUNÇÕES DOS PRINCÍPIOS E SUA OPERACIONALIZAÇÃO
Tais princípios nortearam nossa Consolidação das Leis do Trabalho, plasmando em lei positiva o que a encíclica albergava como princípios[12]
Essa é, precisamente, uma das funções dos princípios de uma Ciência Jurídica: servir de manancial no qual se nutre o legislador para disciplinar as condutas concretas dos membros da sociedade em cada campo das relações humanas.
São basicamente três as funções que os princípios desempenham[13]:
1) função informadora – de orientação do legislador na confecção das leis, pelos valores que albergam;
2) função interpretativa – de iluminar as normas jurídicas para sua exegese, sinalizando ao juiz o sentido subjacente do texto legal;
3) função normativa – de fonte supletiva da norma jurídica, diante das lacunas da lei, integrando o direito.
A função mais típica e diuturna que os princípios desempenham é a interpretativa, orientando juízes, advogados e procuradores na arte de extrair da lei o seu sentido genuíno e compositor prévio dos conflitos sociais.
Já a função mais delicada e excepcional é a normativa, uma vez que supõe extrair regra de princípio, ou seja, impor obrigação com conteúdo econômico a partir de norma orientativa e não imediatamente geradora de direito.
Ora, a função normativa depende, essencialmente, da densidade normativa que o princípio tem no ordenamento jurídico, plasmado de tal forma que é possível extrair dele regra que sirva para impor obrigações em casos concretos não especificamente previstos pela legislação.
A nosso ver, a densidade normativa de um princípio não está ligada tanto à sua relevância e essencialidade quanto à sua maior ou menor positivação num determinado ordenamento jurídico. Ou seja, é tanto mais denso e de maior normatividade um princípio, quanto o preceito constitucional ou legal no qual estiver plasmado possuir redação que incorpore positivamente os valores por ele albergados.
Nesse sentido, em que pese o princípio da dignidade da pessoa humana ser dos mais importantes e relevantes, possui baixa densidade normativa, uma vez que apenas enunciado como fundamento da República Federativa do Brasil (CF, art. 1º, III), sem maiores detalhamentos.
Por sua vez, e em contraste, o princípio da inalterabilidade contratual possui alta densidade normativa, na medida em que, insculpido no art. 462 da CLT, goza de claros parâmetros, positivados no dispositivo que o alberga, tornando clara e segura a sua aplicação às mais diversas situações conflituosas. Assim, a orientação de que a alteração contratual não pode ser unilateral e/ou lesiva ao empregado resolve, como princípio-regra, inúmeros casos de alteração contratual, ligados a jornada, remuneração, condições de trabalho, mudanças de local, função, etc.
III) CLASSIFICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS SEGUNDO SUA DENSIDADE NORMATIVA
Podemos, a partir desse prisma específico, classificar os 12 principais princípios trabalhistas, segundo sua densidade normativa no ordenamento jurídico brasileiro, englobando-os basicamente em 3 grupos, de máxima, média e mínima densidade normativa, conforme os dispositivos constitucionais ou legais a que estejam relacionados possuam dicção que especifique mais claramente regras de conduta:
1) Princípios de Máxima Densidade Normativa[14]:
a) Princípio da Intangibilidade Salarial – proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa (CF, art. 7º, X), sendo vedado qualquer desconto salvo por adiantamento, previsão legal ou de norma coletiva e, no caso de dano, desde que a possibilidade seja acordada com o empregado ou resulte de dolo deste (CLT, art. 462 e §§)[15].
b) Princípio da Inalterabilidade Contratual – só é lícita a alteração contratual que se dê por mútuo consentimento e da qual não resulte, direta ou indiretamente, prejuízos para o empregado, ressalvada a reversão do comissionado ao cargo de confiança (CLT, art. 468 e §)[16].
c) Princípio da Isonomia – proibição de discriminação por motivo de sexo, idade, cor, estado civil (CF, art. 7º, XXX), deficiência (CF, art. 7º, XXXI) ou espécie de trabalho (CF, art. 7º, XXXII e XXXIV), garantindo-se igualdade salarial para aqueles que trabalhem nas mesmas condições, consideradas a mesma função, localidade, empregador, qualidade técnica, salvo diferença de tempo de serviço superior a 2 anos (CLT, art. 461)[17].
d) Princípio da Continuidade – proteção da relação de emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa, mediante indenização compensatória (CF, art. 7º, I), bem como preservação dos direitos trabalhistas em casos de alteração da estrutura jurídica da empresa (CLT, art. 10) ou mudança de proprietário da empresa (CLT, art. 448)[18].
2) Princípios de Média Densidade Normativa[19]:
a) Princípio da Proteção e Irrenunciabilidade – visa a proteger a parte economicamente mais fraca, que é o trabalhador, estabelecendo a impossibilidade jurídica de o trabalhador privar-se voluntariamente das vantagens conferidas pelo Direito do Trabalho; concretiza-se na nulidade de cláusulas que desvirtuem ou fraudem a aplicação da lei trabalhista (CLT, art. 9º), ou que, na livre estipulação das condições de trabalho, contraponham-se às disposições de proteção ao trabalho (CLT, art. 444)[20].
b) Princípio da Subsidiariedade – pela qual a intervenção estatal no campo laboral somente se dá quando os próprios agentes sociais (sindicatos e empresas) não logram estabelecer condições de trabalho dignas e justas; concretiza-se no reconhecimento das convenções e acordos coletivos (CF, art. 7º, XXVI) e na possibilidade destes estabelecerem condições de trabalho menos favoráveis do que as legalmente previstas, em matéria de salário, pela sua redução (CF, art. 7º, VI), ou de jornada, pela sua dilatação (CF, art. 7º, XIII e XIV), desde que promovida mediante negociação coletiva[21].
c) Princípio da Boa-Fé – a conduta tanto negocial quanto processual das partes deve ser interpretada como um agir de boa-fé, até que se demonstre, por provas ou indícios concretos, que se agiu de má-fé; assim devem ser interpretados os contratos (CC, art. 113), devem se portar as partes nos contratos (CC, art. 422) e no processo (CPC, art. 14, II), presumindo-se inocente o acusado, até prova em contrário (CF, art. 5º, LVII)[22].
d) Princípio da Primazia da Realidade – consiste em dar preferência à realidade fática verificada na prática da prestação de serviços em vez de ao que possa emergir dos documentos que corporificam o contrato de trabalho, quando houver discordância entre ambos; plasmado positivamente apenas na norma que determina que, nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção das partes do que na literalidade do contrato (CC, art. 112)[23].
4) Princípios de Mínima Densidade Normativa[24]:
a) Princípio da Normalidade – diz respeito ao uso normal do direito, de modo a atingir a finalidade pela qual a norma existe, opondo-se ao abuso de direito, que ocorre quando se busca, através do exercício do direito, fim outro não previsto na lei e com ela incompatível; concretiza-se na regra da ilicitude do exercício do direito além dos limites impostos pelo fim econômico, pela boa-fé e pelos bons costumes (CC, art. 187)[25].
b) Princípio da Dignidade da Pessoa Humana – pelo simples fato de ‘ser’ humano, a pessoa merece todo o respeito, independentemente de sua origem, raça, sexo, idade, estado civil ou condição social e econômica; encontra-se apenas enunciado na Carta Política de 1988 como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (CF, art. 1º, III), sem que seja definido ou se enumere seus corolários[26].
c) Princípio da Preservação da Empresa – não comprometimento da viabilidade da empresa como unidade produtiva de bens e serviços para a sociedade e geradora de renda e emprego para os trabalhadores; concretiza-se na colocação dos valores do trabalho e da livre iniciativa como fundamentos da República Federativa do Brasil (CF, art.1º, IV) e da justa retribuição ao capital e ao trabalho (CLT, art. 766)[27].
d) Princípio da Razoabilidade e Proporcionalidade – diz respeito à ponderação e adequação entre fins buscados pelo legislador, juiz ou partes e os meios por eles utilizados; positivado apenas na menção à proporcionalidade da resposta em caso de agravo, com direito à indenização por dano material ou moral (CF, art.5º, V), e no devido processo legal a ser observado pelo juiz (CF, art. 5º, LIV)[28].
Como se pode perceber, os princípios, desenvolvidos pela doutrina, não são uniformemente positivados. Alguns ganham, no ordenamento jurídico, pleno foro de cidadania, pela sua nítida positivação em dispositivo legal e constitucional. Para outros, a doutrina busca algum suporte minimamente relacionável, para que possa aplicá-lo na solução de casos concretos, mormente quando se necessita dar suporte legal a uma decisão judicial e, principalmente, no caso de recursos de natureza extraordinária, empolgar apelo calcado no desrespeito a preceito de lei ou da Constituição.
Justamente pela dificuldade em se verificar a violação literal e direta a determinado dispositivo de lei ou da Constituição, invocado como supedâneo do princípio, é que se percebe sua baixa densidade normativa.
IV) BAIXA DENSIDADE NORMATIVA, ATIVISMO JUDICIÁRIO E VOLUNTARISMO JURÍDICO
A tentação do julgador, de dar a maior efetividade aos princípios, quando estes possuem baixa densidade normativa, impondo obrigações concretas, extraídas exclusivamente dos princípios, quando inexiste preceito de lei que preveja a obrigação, é real e instigante. No entanto, gera no sistema uma proteção fictícia e uma insegurança jurídica que não compensam a supervalorização do princípio.
A essa tentação tem-se dado o nome de ativismo judiciário, ou seja, um protagonismo do Poder Judiciário na conformação do ordenamento jurídico que não se limita a interpretar e aplicar as leis, mas inovar no mundo jurídico, paralelamente ao legislador. Penso que a melhor expressão para sintetizar essa tendência seria a de voluntarismo jurídico, ou seja, à míngua de norma legal específica prevendo a obrigação que se quer impor a um dos litigantes, será a vontade do juiz (e não mais a do legislador plasmada na lei) que criará o direito.
Ora, o perigo e a insegurança estão no subjetivismo necessariamente decorrente desse ativismo e voluntarismo[29]: cada juiz extrairá do princípio que mais lhe aprouver a obrigação que menos se poderia esperar, desnorteando o jurisdicionado[30].
Não posso deixar de louvar a postura prudente e equilibrada de nossa Suprema Corte, nos anos que lá pontificou o Ministro Moreira Alves, ao dar a tônica, no Mandado de Injunção 107-DF[31], do papel do Poder Judiciário no controle de constitucionalidade das leis e das decisões judiciais: pode ser legislador negativo, retirando do mundo jurídico leis inconstitucionais ou reformando decisões judiciais exaradas ao arrepio da Constituição, mas não pode ser legislador positivo, substituindo-se àquele a quem a Constituição atribuiu exclusivamente a missão de, segundo a vontade popular manifestada na representação parlamentar, criar o direito.
A tentação atual de protagonismo, no desejo de resolver os problemas que angustiam a sociedade, pela via fácil do ativismo judiciário, tem provocado inclusive atrito entre os Poderes da República. A recente decisão do STF de admitir o aborto de anencéfalos, criando nova hipótese de exceção à norma penal[32], quando o Poder Legislativo já havia rejeitado reiterados projetos de legalização do aborto[33] e a esmagadora maioria da população, em repetidas pesquisas de opinião, se manifestava contrária à prática[34], é exemplo disso. Após a decisão da Suprema Corte, houve proposta de Decreto Legislativo na Câmara dos Deputados, para preservar a competência do Congresso Nacional contra a usurpação da função legislativa por outro Poder, calcada no art. 49, XI, da CF[35].
O sofisma que tem animado juristas e julgadores a defender esse ativismo judiciário é o de que a inércia do Legislativo em regular situações que clamariam por novo marco jurídico justificaria essa intervenção excepcional. Nota-se o sofisma pelo fato de que essa aparente “inércia” constitui, na realidade, vontade política contrária à mudança pretendida pela via judicial. E o paradoxo maior é que o Poder Judiciário, caracterizado pela sua inércia ontológica, já que só pode atuar quando provocado, pretende substituir-se ao legislador, formulando opções políticas para as quais não recebeu mandato popular. Como um Poder técnico, com seus quadros formados fundamentalmente pela seleção em concursos, com a garantia da vitaliciedade e não sujeito ao controle do voto popular, pode se arvorar em representante do povo para reconstruir o direito à sua imagem e semelhança? Trata-se, repito, de voluntarismo jurídico inaceitável num regime democrático de direito.
Se nem o constituinte derivado, na ação de inconstitucionalidade por omissão, permitiu que o Supremo se substituísse ao Poder Legislativo, no caso de não regulamentação de preceito constitucional, como pode o Judiciário, em ações comuns, esgrimir essa pretensa inércia, para impor obrigações, calcadas exclusivamente em princípios sem suficiente densidade normativa?
V) OS DESAFIOS NA APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS
Nesse contexto, não é demais lembrar que a finalidade do Poder Judiciário é pacificar a sociedade, distribuindo justiça. E, no caso do Judiciário Laboral, a finalidade é, essencialmente, harmonizar as relações trabalhistas pela justa distribuição dos frutos da produção entre capital e trabalho.
No entanto, corre-se um perigo real, quando se envereda pelo ativismo judiciário e se quer extrair de princípios de baixa densidade normativa obrigações concretas de conteúdo econômico: acirrar o conflito social e tornar a Justiça ideologizada e parcial.
Assim, os desafios para a Justiça do Trabalho dos dias de hoje são basicamente três:
a) aplicar imparcialmente uma legislação que é naturalmente parcial;
b) racionalizar o sistema recursal, sem cercear o direito de defesa[36];
c) efetivar a execução, sem que esta venha a ser espoliativa[37].
Penso que são desafios que merecem soluções criativas e ponderadas, audazes e refletidas, que componham os meios mais aptos para se atingir os fins.
Do contrário, a invasão de competência legislativa pelo Poder Judiciário, sob o discurso fácil da integração normativa e de se extrair a máxima efetividade dos princípios jurídicos (nos casos de baixa densidade normativa do princípio), implicará verdadeiro atentado ao Estado Democrático de Direito, fundado na separação dos poderes, pois não serão os representantes eleitos do povo a inovar no ordenamento jurídico, mas técnicos não sujeitos ao controle das urnas.
Notas__________________________________
[1] Conferência Inaugural do 52º Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho, realizado no Centro de Convenções Rebouças no dia 25 de junho de 2012 e organizado pela LTR Editora, sob a coordenação do Professor Amauri Mascaro Nascimento.
[2] Ministro do TST, onde preside a 7ª Turma e a Comissão de Jurisprudência e Precedentes Normativos; Mestre em Direito pela UnB e Professor dos Cursos de Pós-Graduação em Direito do Centro de Extensão Universitária (Escola de Direito do Instituto Internacional de Ciências Sociais).
[3] Para uma visão mais aprofundada dos princípios recomendamos a “Teoria dos Princípios” de Humberto Ávila (Malheiros – 2011 – São Paulo, 12ª edição).
[4] Cfr. Encíclica Rerum Novarum, n. 11.
[5] Cfr. Encíclica Rerum Novarum, n. 19-20.
[6] Cfr. Encíclica Rerum Novarum, n. 3-7.
[7] Cfr. Encíclica Rerum Novarum, n. 8 e 21-22.
[8] Cfr. Encíclica Rerum Novarum, n. 15.
[9] Cfr. Encíclica Rerum Novarum, n. 12-13.
[10] Cfr. Encíclica Rerum Novarum, n. 31-36.
[11] Cfr. Encíclica Rerum Novarum, n. 27-29.
[12] As fontes materiais da CLT, na memória de um de seus redatores, Min. Arnaldo Sussekind (1917-2012), foram basicamente as seguintes:
a) os pareceres dos Consultores Oliveira Viana (1883-1951) e Oscar Saraiva (1903-1969) do MTIC, nos processos que lhes eram submetidos sob a forma de avocatória das decisões das Juntas de Conciliação e Julgamento, constituindo jurisprudência administrativa, quando aprovados normativamente pelo Ministro do Trabalho;
b) as teses aprovadas no 1º Congresso Brasileiro de Direito Social, realizado em São Paulo de 15 a 21 de maio de 1941, para comemorar o cinquentenário da Encíclica Rerum Novarum, coordenado pelo Prof. Cesarino Júnior (1906-1992) presidido por Getulio Vargas, que contou com mais de 500 participantes, divididos em 8 comissões, com 115 teses aprovadas;
c) as convenções e recomendações da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que desde sua fundação, em 1919, vinha internacionalizando as normas de proteção ao trabalhador;
d) os princípios da Doutrina Social Cristã, insculpidos na Encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII (1810-1903) (cfr. Magda Barros Biavaschi, “O Direito do Trabalho no Brasil: 1930-1942” (LTr – 2007 – São Paulo, pgs. 344-345).
[13] Cfr. Américo Plá Rodriguez , “Princípios de Direito do Trabalho” (LTR-Edusp – 1993 – São Paulo, pg. 18).
[14] Para demonstrar a máxima densidade normativa desses princípios, procuramos nos ater à dicção legal e constitucional dos dispositivos que os albergam, ao defini-los.
[15] Exemplo de aplicação concreta do princípio é o de não se admitir desconto de multa de trânsito por infração cometida pelo empregado se não há previsão contratual quanto ao desconto (cfr., inter alia, TST-RR-50900-41.2003.5.15.0033, 2ª Turma, Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, DJ 18/05/07).
[16] Corolário desse princípio é o da estabilidade financeira do empregado, estampado na Súmula 372, I, do TST, que não permite a retirada da gratificação de função exercida pelo empregado por mais de 10 anos, em caso de reversão ao cargo efetivo. Desvirtuamento do princípio da estabilidade financeira, levado a cabo pela SDI-1 do TST, é a manutenção da gratificação para a hipótese de descontinuidade do exercício de cargo comissionado, ainda mais quando variar a função gratificada, pois nesse caso não haveria qualquer estabilidade financeira no passado, a ser garantida para o futuro (cfr. TST-E-ED-RR-124740-57.2003.5.01.0071, SDI-1, Rel. Min. Lelio Bentes Corrêa, julgado em 18/05/12).
[17] Aplicação prática do princípio é a garantia, aos empregados de empresas terceirizadas no setor público, das mesmas vantagens asseguradas por lei ou normas coletivas aos servidores estatais, quando laborem nas mesmas condições e funções destes, tal como estampado na Orientação Jurisprudencial 383 da SDI-1 do TST.
[18] Sob o prisma processual, esse princípio atribui ao empregador o ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e a dispensa, nos termos da Súmula 212 do TST.
[19] Nestes princípios, a conceituação doutrinal já supera as definições legais, não guardando perfeita sinonímia e abrangência. Na conceituação, utilizamos inicialmente os termos com que sintetizamos os princípios em nosso “Manual Esquemático de Direito e Processo do Trabalho” (Saraiva – 2012 – São Paulo, 20ª edição), para depois passar aos parâmetros legais mais próximos ao princípio doutrinário.
[20] A discussão que se trava em torno desse princípio diz respeito aos limites da autonomia negocial coletiva e da transação individual, aquela ligada à tutela sindical e esta à controvérsia sobre fatos, não quanto ao direito. Trata-se do recursivo debate (que será tratado mais abaixo) em torno da maior rigidez ou flexibilidade que o sistema protetivo trabalhista deve ofertar, para ser realmente eficaz.
[21] A jurisprudência majoritária do TST tem se mostrado avessa ao princípio, anulando sem número de cláusulas de acordos e convenções coletivas sobre salários e jornada de trabalho, ao arrepio das normas constitucionais que admitem a flexibilização da jornada e do salário, substituindo-se à vontade das partes convenentes e adotando um paternalismo estatal que só mantém na menoridade os sindicatos brasileiros (cfr., v.g., OJ 342 da SDI-1, sobre intervalo intrajornada, vedando sua redução mediante norma coletiva; o item II do verbete foi acrescido justamente pela pressão feita pelo setor de transporte, mostrando o absurdo da intervenção judicial em condições específicas de trabalho, que são vantajosas para ambas as partes acordantes).
[22] O princípio alberga noção abstrata, de ausência de malícia presumida, que deveria ser via de mão dupla na análise das relações trabalhistas, mas que tem sido aplicado unilateralmente pelo TST, praticamente canonizando o trabalhador (que estaria sempre de boa-fé) e anatematizando o empresário (presumindo-se pautado pela cavilosidade). Vide, por exemplo, a orientação da SDI-1 do TST, de não admitir a aplicação do art. 940 do CC (que pune pela postulação de dívida já recebida) na seara trabalhista (cfr. TST-e-RR-14100-39.2003.5.02.0465, Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, DEJT 03/04/12), mas presumir maliciosamente obstativa da aquisição da estabilidade pré-aposentadoria a dispensa do empregado 8 meses antes dos 24 meses que antecedem a sua aposentadoria (cfr. TST-E-ED-RR-3779900-06.2007.5.09.0652, Red. Des. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, julgado em 03/05/12).
[23] Também aqui o princípio deve ser aplicado como via de mão dupla, podendo ser invocado pelo empregado e pelo empregador (cfr., inter alia, TST-ERR-70000-54.2008.5.15.0114, SBDI-I, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, DEJT 28/10/11, e TST-RR-48900-90.2006.5.12.0051, 7ª Turma, Rel. Min. Ives Gandra, DJ 19/12/08).
[24] Nesses princípios, a doutrina dá-lhes o conteúdo e, em alguns casos, aponta-lhes uma âncora no ordenamento jurídico onde ligar-se.
[25] Caso típico de exercício abusivo de direito é a greve abusiva, por não atender aos pressupostos legais de aviso prévio e manutenção de atendimento mínimo à população (Lei 7.783/89, arts. 11 e 14), mormente quando a motivação é política e não econômica.
[26] A mínima densidade normativa desse princípio, conjugada com sua máxima relevância existencial, faz com que possa embasar imposição judicial concreta, mas em casos excepcionais e desde que adotados critérios razoáveis de fixação da imposição, como é o caso do sequestro humanitário, desde que limitado ao teto constitucional das requisições de pequeno valor, como se observa do seguinte julgado:
“I) PRECATÓRIO – EXEQUENTE ACOMETIDA DE DOENÇA GRAVE (ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL) – PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE – QUEBRA DA ORDEM CRONOLÓGICA – POSSIBILIDADE DO SEQUESTRO HUMANITÁRIO. A compreensão acerca da ordem de pagamento dos precatórios, bem como a interpretação quanto às prioridades e preferências constitucionalmente estabelecidas, não se limita à literalidade da nova redação do art. 100 da Constituição Federal, insculpida pela Emenda Constitucional 62/2009, considerada a prevalência da exegese teleológica e os princípios da dignidade da pessoa humana da igualdade, a amparar a tese do acórdão regional que manteve incólume a ordem de sequestro humanitário deferida pelo Juiz Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, assegurando tratamento diferenciado à Exequente, acometida por acidente vascular cerebral, com complicações vasculares e neurológicas sérias (perda da capacidade de locomoção e da fala e de todos os movimentos da parte direita do corpo), de modo a autorizar a quebra da ordem cronológica, conforme precedentes do Órgão Especial desta Corte.
II) LIBERAÇÃO IMEDIATA DE CRÉDITO PARCIAL, OBSERVADA A LIMITAÇÃO PREVISTA NO ART. 100, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – CRÉDITO REMANESCENTE PELO RITO DO PRECATÓRIO. 1. Como o sequestro dito humanitário é feito em relação à condição do titular do precatório, desconsiderando o valor da dívida, a possibilidade de um precatório milionário se tornar alvo de sequestro integral, em face da nova condição de seu titular, pode comprometer tanto a viabilidade orçamentária de um Município quanto aos demais doentes graves com créditos judiciais a receber, daí a sabedoria da norma constitucional erigida pela EC 62/09. 2. Assim a limitação prevista no art. 100, § 2º, da CF, qual seja, o triplo da requisição de pequeno valor, de aplicação imediata, atende aos interesses não apenas de ambas as Partes envolvidas nesta relação jurídica, como também de outros doentes com créditos privilegiados, sendo certo que o levantamento imediato do referido valor permitirá a Exequente dele usufruir para gastos com tratamento de saúde e outros, enquanto o eventual crédito restante deverá seguir o rito do precatório, como pleiteado pela Fazenda Pública do Estado de São Paulo no presente apelo, em estrita observância ao referido preceito constitucional, a fim de evitar também o efeito multiplicador (vale dizer, o efeito dominó em milhares de outras execuções contra a Fazenda Pública), que ensejará risco de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, porquanto animadas pelo sucesso de alguns, as partes acabam por tentar sobrepor o seu interesse privado ao interesse do Erário, com prejuízo para toda a coletividade. 3. Assim, o recurso ordinário merece provimento parcial, no particular, para limitar o valor sequestrado até a importância equivalente ao triplo da requisição de pequeno valor. Recurso ordinário provido em parte” (TST-RO-14500-88.1994.5.15.0018, Órgão Especial, Rel. Min. Ives Gandra, DEJT 30/03/12).
[27] Paradigmático, quanto ao princípio, é o seguinte julgado:
“EXECUÇÃO PROVISÓRIA – APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA AO PROCESSO DO TRABALHO DO ARTIGO 475-O DO CPC – NÃO CABIMENTO – INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 769 DA CLT. I – É lugar comum na doutrina e na jurisprudência que, para aplicação subsidiária do Processo Civil ao Processo do Trabalho, a teor do artigo 769 da CLT, é imprescindível não haver no âmbito do processo trabalhista norma específica que regule determinada situação que o seja naquele, e mesmo assim desde que a norma alienígena guarde compatibilidade com a sua estrutura procedimental. II – Nesse sentido, observa-se do artigo 899, caput, da CLT disposição expressa de os recursos terem efeito meramente devolutivo, permitida a execução provisória até a penhora, indicativa de que, ultimada a constrição judicial, não há margem para o prosseguimento de atos de expropriação, quer os que impliquem a deflagração da alienação judicial do bem que o tenha sido, quer os que envolvam a liberação de eventual depósito em dinheiro. III – Traga-se ainda à colação o teor cogente do § 1º do artigo 899 da CLT, segundo o qual, no caso de a condenação corresponder a 10 vezes o salário mínimo regional, os recursos interponíveis o devem ser mediante o recolhimento da respectiva importância, a qual no entanto só será liberada a favor da parte vencedora, por simples despacho do juiz, após o trânsito em julgado da decisão recorrida. IV – Diante desse expressivo conjunto normativo, revela-se juridicamente inviável cogitar-se da aplicação subsidiária do artigo 475-O e seus parágrafos do CPC, sequer com o intuito de imprimir celeridade à execução trabalhista. V – É que esse mero intuito ou simples voluntarismo jurídico não pode se contrapor aos preceitos legais que a regulam, a fim de se prevenir a indesejável consequência de ela convolar-se numa ordem jurídica fragmentada e desconexa, inteiramente descompromissada com o novo paradigma do Direito do Trabalho, que se irradia para o Processo do Trabalho, de preservação da empresa como fonte de renda e de emprego. VI – Recurso provido” (TST-RR -76000-12.2008.5.03.0112, 4ª Turma, Rel. Min. Barros Levenhagen, DEJT 28/05/10) (grifos nossos).
[28] No campo da dosimetria da indenização por danos morais, o princípio tem sido invocado diuturnamente, conhecendo-se por violação dos arts. 5º, V, da CF ou 944 do CC recursos de revista que visem a reduzir indenizações astronômicas e desproporcionadas (cfr., inter alia, TST-RR-544-25.2010.5.03.0035, 2ª Turma, Rel. Min. Caputo Bastos, DEJT 15/06/12; TST-RR-111600-22.2007.5.15.0007, 5ª Turma, Rel. Min. Emmanoel Pereira, DEJT 19/08/11; TST-RR-1157-88.2010.5.03.0053, 6ª Turma, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, DEJT 11/05/12).
[29] Carlos Bastide Horbach fala em “inconstitucionalidade como conceito emocional”, pelo subjetivismo voluntarista de muitas decisões que a acolhem ou rejeitam, citando impactante trecho da obra de Alf Ross: “Invocar a justiça é como dar um soco na mesa: uma expressão emocional que faz da própria exigência um postulado absoluto. Esta não é uma maneira apropriada de obter compreensão mútua. É impossível ter uma discussão racional com quem apela à ‘justiça’, porque nada diz que possa ser questionado a favor ou contra. Suas palavras contém persuasão, não argumento” (“A Nova Roupa do Direito Constitucional: Neoconstitucionalismo, Pós-Positivismo e outros Modismos”, in “Lições de Direito Constitucional, em Homenagem ao Professor Jorge Miranda”, coordenação de Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha e Samantha Ribeiro Meyer-Pflug, Gen-Forense – 2008 – Rio, pg. 300). O mesmo se diga da invocação de princípios de baixa densidade normativa para fundamentar decisões impositivas de obrigações não previstas legalmente, que, de antemão, deseja-se tomar.
[30] O Ministro Eros Grau, em seu artigo “Os Princípios são Regras”, publicado na coletânea “Direito Constitucional Contemporâneo – Homenagem ao Professor Michel Temer” (Quartier Latin – 2012 – São Paulo, pgs. 271-278) é bastante contundente ao deplorar o uso indiscriminado dos princípios para embasar decisões judiciais sem suficiente respaldo legal:
“O princípio descritivo é assim transformado em princípio ‘positivado’, mas não em virtude de lei, senão da vontade do juiz ou tribunal que o afirme. Daí que a sua convolação em princípio de direito [=regra de direito] resulta de uma invenção desse juiz ou tribunal, invenção que em geral se procura legitimar sob a assertiva de que encontra inspiração doutrinal. O que levaria ao delírio de admitirmos que princípio geral do direito, na linguagem dos juristas, é princípio [regra de direito] ainda não “positivado”, mas que a qualquer momento poderá vir a ser como tal formulado ou (re)formulado pela jurisprudência. O delírio conduz a descaminhos nunca vistos, no percorrer dos quais o direito positivo é reescrito pelos juízes”(pg. 277, grifos nossos).
A preciosidade que o artigo recolhe é uma citação de Jean Schhmidt (“Memóire Du Droi”, Paris, 1955), que retrata perfeitamente o voluntarismo jurídico, e que não resistimos a transcrever, traduzindo-a do francês: “O juiz deseja atingir um certo objetivo. A lei o impede de atingir tal fim, mas ele pensa que a solução por ele ofertada receberá a adesão da sociedade. Sem dúvida, as disposições editadas pelos legisladores não permitem solucionar o litígio no sentido desejado, mas é preciso levar em consideração esse pensamento social, do qual o pensamento do juiz é o reflexo e que lhe ‘impõe’ derrogar a lei. Como não se sentir tentado, então, a recorrer aos princípios gerais de direito? Mas uma observação capital se impõe: não se trata de verdadeiros princípios gerais, mas da fórmula ‘princípios gerais de direito’, fórmula esvaziada de seu sentido e não tendo outra utilidade que a de justificar a posição adotada. Por esse meio, o juiz alcança o objetivo almejado ao passo que transgride a lei aparentando respeitá-la” (pg. 278).
[31] Publicado no DJ de 02/08/91.
[32] Cfr. ADPF-54-DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgada em 11 e 12/04/12.
[33] O último deles, o PL 1135, de descriminalização do aborto no Brasil, foi proposto em 28 de maio de 1991, pelos deputados federais Eduardo Jorge (PT) e Sandra Starling (PT), e rejeitado por unanimidade na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados. Na Comissão de Cidadania e Justiça, foi rejeitado em 9 de julho de 2008, por 57 votos a 4, sendo então arquivado.
[34] Em 2007, a pesquisa da Datafolha sobre o assunto revelou que 65% dos brasileiros eram contra o aborto; já a pesquisa do instituto Vox Populi de 2010 apresentou uma rejeição de 82% da população ao aborto.
[35] O Projeto (PDC 566/12) foi proposto em 10/05/12 pelos deputados Roberto de Lucena (PV/SP), Salvador Zimbaldi (PDT/SP) e João Campos (PSDB/GO). O art. 49, XI, da CF, que o respalda está assim redigido: “Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: (…) XI – zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes”.
Já registrávamos nossa perplexidade diante da utilização voluntarista das normas internacionais pelo STF, pinçando as “convenientes” e olvidando as “desinteressantes”, para erigir a liberdade em valor superior à vida, no seguinte julgado:
“HABEAS CORPUS” – DEPOSITÁRIO INFIEL – CONFIGURAÇÃO – PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA SOBRE DIREITOS HUMANOS (1969) E POSSIBILIDADE DE PRISÃO CIVIL – RECURSO DESPROVIDO.
1. Em que pese a existência de precedentes turmários do STF, não vinculativos, anatematizando a prisão civil de depositário infiel, a jurisprudência do TST é firme e pacífica quanto à possibilidade jurídica dessa modalidade de constrangimento ao direito de ir e vir, não a título de pena, mas como meio extremo de pressão para resgatar bem recebido em depósito e afetado ao cumprimento de obrigação de caráter alimentício.
2. Paradoxalmente, o mesmo Supremo, que fez letra morta do art. 4.1 do Pacto de São José da Costa Rica, ao referendar lei que autoriza a morte de embriões humanos para fins de pesquisas científicas, quando a referida Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, ratificada pelo Brasil em 1992, garante o direito à vida desde a concepção, vem esgrimir o art. 7.7 da mesma convenção, para afastar do Direito Positivo Brasileiro a prisão civil do depositário infiel.
3. A par da Constituição Federal prever expressamente a prisão civil do depositário infiel (CF, art. 5º, LXVII), o próprio art. 7.7 do Pacto de São José excepciona a prisão por descumprimento de obrigação alimentar, como é o caso dos créditos trabalhistas garantidos por depósitos judiciais. Nesse diapasão, não há de se falar em conflito entre o Acordo Internacional e o Direito Interno.
4. “In casu”, a condição de depositária infiel da Impetrante restou demonstrada tanto nos presentes autos quanto nos da ação trabalhista principal, uma vez que assumiu o “munus publicum” de depositária, nos termos do art. 629 do CC, negligenciando a guarda dos bens penhorados e não os restituindo quando instada a fazê-lo. Daí a legalidade da decretação prisional e a ausência de direito à concessão preventiva do “habeas corpus” impetrado.
Recurso ordinário desprovido” (TST-ROHC-31100-86.2008.5.03.0000, SBDI-2, Rel. Min. Ives Gandra, DEJT 07/11/08).
[36] Cfr. Gilmar Ferreira Mendes, “Mecanismos de Celeridade e Simplificação da Prestação Jurisdicional: Breve Análise da Repercussão Geral e da Súmula Vinculante”, e Estêvão Mallet, “Celeridade da Prestação Jurisdicional e Seleção das Causas a Serem Julgadas pelos Tribunais Superiores”, in “Direito e Processo do Trabalho em Transformação” (coordenação de Georgenor Franco Filho, Ives Gandra Filho, Maria Cristina Peduzzi, Ney Prado e Simone Lahorgue, Campus-Elsevier – 2007 – Rio, pgs. 83-126); Gilmar Ferreira Mendes, “Reforma do Sistema Judiciário no Brasil: Repercussão Geral e Racionalização Judicial”, in “A Efetividade do Direito e do Processo do Trabalho” (coordenação de Ives Gandra Filho, Maurício Godinho Delgado, Ney Prado e Carlos Araújo, Campus-Elsevier – 2010 – Rio, pgs. 103-107); e Ives Gandra da Silva Martins Filho, “O Critério de Transcendência no Recurso de Revista na Justiça do Trabalho – Constitucionalidade da MP 2.226/01”, in “As Vertentes do Direito Constitucional Contemporâneo – Estudos em Homenagem a Manoel Gonçalves Ferreira Filho” (coordenação de Ives Gandra da Silva Martins, América Jurídica – 2002 – Rio, pgs. 379-417).
[37] Cfr. os dois lados da moeda, de eficácia da execução e não espoliação, em Ronaldo José Lopes Leal, “Eficácia e Celeridade da Execução Trabalhista e a Penhora On-Line”, e Aref Assreuy Júnior, “Dos Abusos no Uso do Bloqueio On-Line e Alternativas de Celeridade da Execução Trabalhista”, in “Direito e Processo do Trabalho em Transformação” (op. cit., pgs. 157-180).