Panorama legal da mediação no Brasil

6 de outubro de 2014

Compartilhe:

Humberto-DallaNo Brasil, a partir dos anos 90 do século passado, começou a haver interesse pelo instituto da mediação, sobretudo por influência da legislação argentina editada em 1995.1

Por aqui, a primeira iniciativa legislativa ganhou forma com o Projeto de Lei no 4.827/1998, oriundo de proposta da Deputada Zulaiê Cobra, tendo o texto inicial levado à Câmara uma regulamentação concisa, que estabeleceu a definição de mediação e elencou algumas disposições a respeito.2

Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução no 125, com base nas seguintes premissas:3

a)o direito de acesso à Justiça, previsto no art. 5o, inciso XXXV, da Constituição Federal, além da vertente formal perante os órgãos judiciários, implica acesso à ordem jurídica justa;

b)a necessidade de se consolidar uma política pública permanente de incentivo e aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais de solução de litígios;

c)a relevância e a necessidade de se organizarem e se uniformizarem os serviços de conciliação, mediação e outros métodos consensuais de solução de conflitos, para lhes evitar disparidades de orientação e práticas, bem como para assegurar a boa execução da política pública, respeitadas as especificidades de cada segmento da Justiça.

O art. 1o da Resolução do CNJ institui a Política Judiciária Nacional de tratamento dos conflitos de interesses, com o objetivo de assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados, deixando claro que incumbe ao Poder Judiciário, além da solução adjudicada mediante sentença, oferecer outros mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão.4

Em 2009 foi convocada uma Comissão de Juristas, presidida pelo Ministro Luiz Fux, com o objetivo de apresentar novo Código de Processo Civil (CPC).

Em tempo recorde, foi apresentado um Anteprojeto, convertido em Projeto de Lei (no 166/10), submetido a discussões e exames por uma Comissão especialmente constituída por Senadores, no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal.

Em dezembro de 2010 foi apresentado um Substitutivo pelo Senador Valter Pereira, que foi aprovado pelo Pleno do Senado com duas pequenas alterações. O texto foi então encaminhado à Câmara dos Deputados, onde foi identificado como Projeto de Lei no 8.046/2010.5

Já no ano de 2013, sob a presidência do Deputado Paulo Teixeira, foi apresentado um Substitutivo no mês de julho e uma Emenda Aglutinativa Global em outubro. De dezembro de 2013 a março de 2014, foram apresentados e votados diversos destaques.6 No dia 26 de março, o Pleno da Câmara aprovou a versão final,7 que já foi remetida ao Senado para exame.

Na redação atualmente disponível do Projeto do novo CPC, podemos identificar a preocupação da Comissão com os institutos da conciliação e da mediação, especificamente nos artigos 166 a 176.

O Projeto preocupa-se, especificamente, com a atividade de mediação feita dentro da estrutura do Poder Judiciário. Isso não exclui, contudo, a mediação prévia ou mesmo a possibilidade de utilização de outros meios de solução de conflitos (art. 176).

No art. 166, §§ 3o e 4o, a Comissão de Juristas, após anotar que a conciliação e a mediação devem ser estimuladas por todos os personagens do processo, refere distinção objetiva entre essas duas figuras. A diferenciação faz-se pela postura do terceiro e pelo tipo de conflito.

Assim, o conciliador pode sugerir soluções para o litígio, ao passo que o mediador auxilia as pessoas em conflito a identificarem, por si mesmas, alternativas de benefício mútuo. A conciliação é a ferramenta mais adequada para os conflitos puramente patrimoniais, ao passo que a mediação é indicada nas hipóteses em que se deseje preservar ou restaurar vínculos.

Deve-se observar que a preocupação da Comissão é com a mediação judicial. O Projeto não veda a mediação prévia ou a extrajudicial, apenas opta por não regulá-la, deixando claro que os interessados podem fazer uso dessa modalidade recorrendo aos profissionais liberais disponíveis no mercado.

Com o advento do Projeto do CPC, no ano de 2011, o Senador Ricardo Ferraço apresentou ao Senado o Projeto de Lei no 517/2011, em que propõe a regulamentação da mediação judicial e extrajudicial, de modo a criar um sistema afinado tanto com o futuro CPC como com a Resolução no 125 do CNJ.

Em 2013 foram apensados ao PLS no 517 mais duas iniciativas legislativas: o PLS no 405/13, fruto do trabalho realizado por Comissão instituída pelo Senado, e presidida pelo Ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça, e o PLS no 434/2013, fruto de Comissão instituída pelo CNJ e pelo Ministério da Justiça, presidida pelos Ministros Nancy Andrighi e Marco Buzzi, ambos do STJ, e pelo Secretário da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, Flavio Croce Caetano.

Em novembro de 2013 foram marcadas audiências públicas com o objetivo de discutir os três projetos e amadurecer as questões controvertidas que ainda cercam o tema. O Relator da matéria do Senado, Senador Vital do Rego, apresentou um Substitutivo ao PLS no 517/2011 com o objetivo de congregar o que há de melhor nas três iniciativas.

Ultimada a votação, o texto do Substitutivo foi remetido à Câmara, onde foi recebido como Projeto de Lei no 7.169/2014. Foi designada audiência pública para o mês de abril de 2014 e, em junho, foi apresentado um Substitutivo, de autoria do Deputado Sergio Zveiter, que deve ser votado em breve.

Como visto, muito tem sido feito nesse campo. Isso sem falar no Projeto de Lei no 7.108/2014, que propõe atualizações na Lei da Arbitragem (Lei no 9.307/1996).

Esperamos que, com a edição do novo CPC, o advento da Lei de mediação e, finalmente, a atualização da Resolução CNJ no 125 teremos, enfim, o panorama legal da mediação no Brasil.

Notas ______________________________________________________________________

1 Ley no 24.573, posteriormente substituída pela Ley no 26.589/2010.
2 Para um histórico completo da evolução legislativa brasileira, remetemos o leitor à PINHO, Humberto Dalla Bernardina de (Org.). Teoria Geral da Mediação à luz do Projeto de Lei e do Direito Comparado. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
3 Para estudo mais completo sobre a Resolução CNJ no 125 e seus efeitos no desenvolvimento da mediação no Brasil confira-se PELUSO, Antonio Cezar; RICHA, Morgana de Almeida (Coord.). Conciliação e mediação: estruturação da política judiciaria nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
4 Sobre o uso da mediação como política pública: SPENGLER, Fabiana Marion; SPENGLER NETO, Theobaldo. Mediação enquanto política pública: a teoria, a prática e o projeto de lei. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2010. Disponível em: <http://www.unisc.br/portal/pt/editora/e-books/95/mediacao-enquanto-politica-publica-a-teoria-a-pratica-e-o-projeto-de-lei-.html>.
5 Todas as informações sobre as etapas do processamento do Novo CPC podem ser encontradas em www.facebook.com/humberto.dalla.
6 http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI194900,11049-Camara+analisa+destaques+ao+projeto ­+do+novo+CPC
7 http://www.conjur.com.br/2014-mar-26/codigo-processo-civil-aprovado-camara-deputados?utm_source=twitterfeed&utm_medium=twitter