Pela moralização das eleições_Entrevista com o Desembargador Roberto Wider, Presidente do TRE-RJ

30 de junho de 2008

Da Redação, por Giselle Souza

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Em ano de eleições municipais, os passos dos candidatos aos cargos de vereador e prefeito não são os únicos a ganhar destaque. Chama a atenção também o papel desempenhado pela Justiça Eleitoral, que atualmente se vê diante de um impasse quando o assunto tratado são os requisitos a serem exigidos daqueles que pretendem concorrer ao pleito. O presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ), desembargador Roberto Wider, defende a análise minuciosa da vida pregressa do concorrente. E é categórico: quem não ostentar moralidade não pode se candidatar.

Aos poucos, os argumentos defendidos por Roberto Wider começam a ganhar fôlego. Por diferença de apenas um voto, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) manteve, ao responder uma consulta no início do mês, o entendimento em vigor de que somente uma condenação transitada em julgado poderia impedir um cidadão de lançar a candidatura. “Esse aspecto é muito importante de se considerar, pois essa interpretação poderá ser alterada. Primeiro pela modificação na composição da Corte. Segundo porque três ministros, inclusive dois do Supremo Tribunal Federal, entenderam que nossa tese está correta e é defensável”, afirmou o desembargador, que vislumbra novos tempos.

Nesse sentido, é com entusiasmo que Roberto Wider encara a decisão do presidente do TSE, ministro Carlos Ayres Britto, de tornar pública a ficha dos candidatos. A medida aumentará a responsabilidade do eleitor. Entretanto, é preciso ser feito algo mais. Em entrevista concedida à Revista Justiça & Cidadania, o desembargador cobra uma participação mais contundente dos partidos para elevar o nível dos políticos.

Roberto Wider ressalta também a importância da reforma política, principalmente de institutos como a reeleição e o financiamento das campanhas. Ele explica a atuação do TRE-RJ em relação aos casos de infidelidade partidária. E fala o que pensa acerca da Proposta de Emenda Constitucional 333/04, que amplia o número de vereadores em 24 diferentes faixas, segundo o tamanho da população. O texto foi aprovado pela Câmara e agora tramita no Senado.

O mais importante, porém, é a promessa de que a Corte eleitoral fluminense continuará à caça dos maus candidatos. “Ao debater essa questão, não houve nenhuma divergência quanto a se exigir, daqueles que querem ser candidatos, esse requisito de moralidade para exercício de mandato eletivo. Não houve um juiz que dissesse ‘eu penso que não’”, disse Roberto Wider.

Justiça & Cidadania – O presidente do TSE, Carlos Ayres Britto, defendeu, recentemente, a divulgação dos candidatos com ficha suja, apesar da posição firmada pelos ministros daquela Corte, por quatro votos a três, de permitir que essas pessoas concorram. Como o senhor avalia essa postura?

Roberto Wider – Avalio com muito entusiasmo. Acho que essa é a solução. E essa solução tem o condão de trazer à responsabilidade, nessas questões, toda a imprensa. No momento em que ela divulga, o eleitor passa a saber. O eleitor tem responsabilidade ao votar naquelas pessoas que não ostentam a condição de moralidade para o exercício eletivo. Mas, para pôr a questão de maneira clara… em primeiro lugar o TSE não decidiu, dentro daquela interpretação antiga, que só as pessoas com sentença criminal transitada em julgada estariam obstadas de se candidatar. O TSE respondeu a uma consulta. Essa resposta não vincula os tribunais inferiores nem os juízes de primeiro grau. O ministro presidente, inclusive, afirmou isso. Em segundo lugar, o que Ayres Britto colocou não foi que os TREs iriam fazer a divulgação, mas que o próprio TSE o faria. Isso é muito importante, porque envolve todo o Brasil. Trata-se de estender uma campanha que se iniciou no Rio de Janeiro para todo o País.

JC – Essa postura do TSE não indica qual seria o posicionamento da Corte ao analisar o caso concreto?

RW – Em tese, poderia. Entretanto, temos aspectos a analisar. Em primeiro lugar, uma consulta não se vincula a um fato concreto. Ou seja, os ministros não estão sendo chamados a julgar um caso de uma pessoa com vida pregressa cheia de anotações, que causam reação muito grande que a impeçam de se candidatar. Esse aspecto é muito importante de se considerar, pois essa interpretação poderá ser alterada. Primeiro pela modificação na composição da Corte. Segundo porque três ministros, inclusive dois do Supremo Tribunal Federal, entenderam que nossa tese está correta e é defensável. Considero esse ponto importante, pois nos traz um alento enorme. Se tivesse sido por sete votos a zero, poderíamos nos sentir enfraquecidos. Mas não. Houve uma disputa, e o placar foi quatro a três. Três ministros entenderam que a posição do Rio tem fundamento. Prosseguiremos com nossa luta por essas razões. Até porque não estamos vinculados à decisão do TSE. Nós juízes somos independentes. Temos nossa consciência e podemos julgar como entendemos melhor. O TSE poderá modificar ou não nossa decisão. Isso, inclusive, aconteceu em 2006. Exatamente por quatro votos a três, foram modificadas as decisões do Rio de Janeiro que afastaram diversos políticos cuja vida pregressa não recomendava a candidatura. E o que aconteceu? O eleitor tomou conhecimento e rejeitou todo mundo. Ninguém foi eleito. Então, se o ministro presidente, dentro dessa linha moralizadora, entender que deve se publicar a vida pregressa de todos os candidatos, desde logo acena que o eleitor será o maior responsável nessa luta. Ele verá que o candidato x cometeu isso, aquilo e aquilo outro… enfim, coisas sérias. Isso, aliás, é algo que tenho enfatizado. Não estamos falando de qualquer infração: de trânsito, de um crime culposo (sem intenção), de conflitos de família ou envolvendo relação de consumo. Estamos falando de coisas sérias, que realmente impeçam a pessoa de se candidatar.

JC – Como se dará essa divulgação na prática?

RW – No momento em que os partidos escolhem seus pretensos candidatos, eles os oferecem à Justiça Eleitoral. Ao fazerem isso, eles têm que instruir o pedido com as folhas corridas dos candidatos, ou seja, com as certidões referentes a todas as áreas da vida civil e criminal dessas pessoas. No momento em que eles municiarem o pedido com essas informações, a imprensa terá acesso. Isso quer dizer que a imprensa poderá acompanhar. Agora, vamos apreciar caso a caso. Como sempre digo, não existe pré-julgamento. Caso a caso, vamos examinar se aquela pessoa tem ou não condições de atender o requisito de moralidade para exercício de um mandato eletivo.

JC – Tendo em vista a polêmica em torno da candidatura de pessoas com ficha suja, o senhor acha que não seria necessária uma regulamentação por meio de lei específica?

RW – Acho que seria muito difícil estabelecer quais seriam os casos (para alguém não poder se candidatar) em uma lei. A norma pode até aproximar o número de hipóteses. Pode estabelecer, por exemplo, casos que envolvam crimes hediondos ou contra o patrimônio público. Pode, então, aproximar, mas dificilmente exaurir todas as situações. De qualquer forma, seria muito mais fácil. O que tenho dito sempre, e enfatizo muito, que triste é o país que precisa de lei para dizer que o princípio da moralidade tem vigência. Ou seja, se não há lei, ninguém precisa resguardar a moralidade. Não aceito esse contrassenso. Nesse aspecto é que entramos na área da comparação. Todas as pessoas que querem ingressar no serviço público, sem exceção, têm que demonstrar uma ficha limpa. Só os políticos, então, é que não precisam? Por quê? É um contrassenso. A Constituição estabelece que o princípio da moralidade deve ser exigido em todas as atividades públicas. É o artigo 37 que diz isso. Então, não precisamos de uma lei para dizer que o princípio da moralidade será exigido. Podemos estabelecer alguns critérios objetivos no sentido de balizar, ou seja, criar parâmetros de razoabilidade.

JC – Quais seriam esses critérios?

RW – Acho que uma pessoa que responde por homicídio não deveria concorrer. Por homicídio culposo poderia… Às vezes, sem querer, dentro de uma fatalidade, ela atropelou alguém. Mas por homicídio doloso, não. Enquanto estiver respondendo a isso, não pode concorrer a cargo de vereador, prefeito ou deputado.

JC – As ações de improbidade também poderiam ser outro critério?

RW – Depende. Às vezes existem ações de improbidade, que são esgrimidas entre diversas partes, apenas para tentar derrubar e causar prejuízo a outro. Vamos ter que examinar o conteúdo dessas ações de improbidade para ver se são sérias e relevantes. Sempre vamos trabalhar com coisas sérias. Mas o que são coisas sérias? O bom senso vai dizer. O juiz, que tem experiência e formação, poderá fazer a análise, caso a caso, do que seria sério e importante. E fundamentar. Todas as decisões serão muito bem fundamentadas. Elas dirão por que é conveniente que determinado cidadão não seja candidato, por que aquilo que está sendo imputado a ele não milita em prol da moralidade que se exige para o exercício de um cargo eletivo. Não estamos falando, aqui, do direito fundamental decorrente do princípio constitucional da presunção de inocência. Isso é uma coisa que cada cidadão tem na área criminal. Na hora que esse cidadão sai dessa esfera para ser um político, um representante da sociedade, não é o direito dele o que mais importa. É importante também o direito dos eleitores de terem como representantes pessoas direitas, que não têm nada que pesem contra elas. Essa equação não está entrando na cabeça das pessoas, mas está começando.

JC – Qual é a responsabilidade dos partidos nesse processo de escolha?

RW – Nesse momento, a responsabilidade é total. Eles fazem as convenções partidárias onde debatem quem será candidato. Nesse momento, que vai até o final de junho, a responsabilidade é só dos partidos. Eles poderão não ter nenhum problema, nenhuma ação na Justiça Eleitoral, se escolherem pessoas que não tenham essa vida pregressa. Agora, se não assumirem a parte da responsabilidade que têm e começarem a querer nomes cuja vida pregressa não ostente condição, a Justiça Eleitoral vai entrar. E se ainda assim houver necessidade de correção, entra o eleitor, que vai tomar a decisão.

JC – Nesse contexto, que importância tem a reforma política?

RW – Não conheço todos os termos da reforma, mas existem alguns aspectos que considero relevantes, na minha avaliação pessoal. A questão da reeleição é uma delas. Acho que a reeleição não trouxe qualquer benefício para nosso sistema político. Acho que ela deveria ser extinta. Talvez devêssemos aumentar em um ou dois anos o mandato do dirigente do Executivo para que não houvesse mais a reeleição. É que, em um momento, a reeleição começa a tangenciar uma área muito delicada entre quem é governante e quem é candidato. Mistura essas duas coisas. Quem sai prejudicada com isso sempre é a sociedade. Então, acho que a reeleição não resultou em bons frutos. A meu ver é algo que poderia ser modificado.

JC – Qual é a sua opinião em relação ao financiamento das campanhas?

RW – É algo no qual tenho falado muito e que acho que precisava ser revisto. Merecemos a oportunidade de experimentar o financiamento público e não mais o financiamento privado. Assim veremos se a gente consegue evitar desequilíbrios e irregularidades, como fraudes e caixa dois. Acredito que o financiamento público poderia corrigir isso. E por aí seguimos. Em função da campanha que deflagramos no TRE-RJ, Brasília está se movimentando para modificar ou criar uma legislação que atenda esse requisito da vida pregressa. Eles dizem que uma lei complementar estabelecerá os novos casos de inelegibilidade justamente para observar os princípios de probidade e da moralidade para exercício de mandato. Isso desde 1994. Já faz 14 anos sem que algo realmente tenha sido feito. Agora, de repente, começaram a fazer. Que bom. Pode ser que eles estabeleçam critérios razoáveis e mais adequados, pelo menos para afastar quem realmente não tem condições.

JC – O senhor também não acha que a questão do foro privilegiado deveria ser abordada na reforma política?

RW – Acho fundamental que o foro privilegiado seja afastado. Esse instituto foi desviado de sua função. O foro foi estabelecido, desde os primórdios da República e com base nos princípios democráticos ingleses, para que os políticos tivessem protegido o direito à opinião. Ele não poderia ser perseguido ou prejudicado pelas opiniões que emitisse, pela defesa que fizesse dos princípios que considerasse correto. Essa finalidade, entretanto, sofreu desvio. O foro privilegiado passou, então, a proteger o político até de crime de homicídio.

JC – Mas há quem defenda a manutenção do foro para presidente da República e ministros de Estado, por exemplo.

RW – Acho que há de se proteger as autoridades maiores da República, para que não sejam submetidas, amanhã, a perseguições por qualquer tipo de pessoa. Mas, ainda dentro dessa linha, me parece que, não sei… O foro é uma criação, dentro de um sistema democrático, para proteger o direito à opinião, não para proteger o pseudodireito de se cometer crime.

JC – Qual é a sua opinião quanto à fidelidade partidária?

RW – Temos a posição do Supremo Tribunal Federal, que vem dentro de uma linha da qual depende ainda de uma educação do povo brasileiro e dos partidos. O partido tem uma ideologia, e o mandato que o eleitor dá a ele tem que ser respeitado. Vamos chegar à conclusão de que os mandatos daquelas pessoas eleitas dentro de determinada linha partidária têm que respeitar essa linha partidária. As pessoas não podem usar o partido como trampolim, em benefício próprio. Acho que essa ideia, em resumo, de que o mandato pertence ao partido, como entendeu o Supremo, é muito saudável. Melhora o padrão político. Dentro desse trabalho que estamos realizando… Se me perguntarem qual é o meu objetivo na direção do TRE e dos juízes eleitorais do Rio de Janeiro ao deflagrarem essa campanha… É justamente esse: o de melhorar o padrão político do nosso Estado.

JC – Como está a fiscalização pelo TRE-RJ quanto aos casos envolvendo a questão da fidelidade partidária?

RW – Tem havido muitas ações. E estamos julgando. Elas ocorrem porque são muitos os casos. As negociações [para mudar de partido] eram um hábito comum. Isso, sem qualquer respeito pelo eleitor que elegeu aquele candidato. No nosso sistema é o partido que propõe ao eleitor as metas e os objetivos do que consideram sendo como o melhor. Por isso, o candidato tem que respeitar a ideologia do partido a que pertence.

JC – Como o senhor analisa a aprovação, recentemente, do projeto que aumenta o número de vereadores?

RW – Minha avaliação não é positiva. Acho que o TSE e o Supremo Tribunal Federal se posicionaram sobre isso no sentido de que não há necessidade de um número tão elevado de representantes a nível municipal quanto se pretende. Temos que fazer uma equação do número de habitantes para verificar se realmente se faz necessário aquele número. Pela experiência do dia-a-dia, você não constata que haja menos serviço prestado à comunidade porque há menos vereadores. Pelo contrário.

JC – Que mudanças o senhor defenderia na lei da inelegibilidade?

RW – A mudança que proporia vem justamente na linha do trabalho que estamos realizando e da nossa campanha para que, além das questões objetivas de inelegibilidade, houvesse também as questões de elegibilidade para que pudéssemos examinar melhor se as pessoas ostentam ou não condições para se candidatar. E quais seriam essas condições? Isso está na Constituição. A lei complementar estabeleceria apenas os casos de inelegibilidade para observar a proteção da probidade administrativa. Para observar que aqueles que querem ser candidatos devem ostentar condição de moralidade para exercício de mandato. Para que esses aspectos, que são exigidos de todos os cidadãos brasileiros que querem ingressar no serviço público ou em empresas privadas, sejam exigidos para os senhores políticos da mesma maneira.

JC – Os juízes do Rio vão trabalhar nesse sentido?

RW – Conversei com eles e debatemos o assunto. Todo juiz é independente. Os juízes julgam com a consciência deles e de acordo com aquilo que eles acham certo ou errado. Mas perguntei se alguém considerava errada essa posição e todos concordaram que a posição estava correta. Não houve um juiz que dissesse ‘eu penso que não’. Enfatizo esse ponto porque respeito a opinião do magistrado. Entretanto, no debate da questão, não houve nenhuma divergência quanto a se exigir, daqueles que querem ser candidatos, esse requisito de moralidade para exercício de mandato eletivo.