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Podemos ser duros e elegantes

22 de novembro de 2012

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O ministro Francisco Falcão, ao assumir a Cor­re­gedoria Nacional de Justiça, em substituição à sua colega Eliana Calmon, por término de mandato, fez pronunciamento traçando as linhas de seu trabalho à frente do importante órgão da Justiça, afirmando se encontrar:  “com a plena convicção da responsabilidade que o cargo impõe e o compromisso de exercê-lo como uma verdadeira missão”,  evocando a lembrança do seu augusto pai, eminente ministro Djaci Falcão, e a atuação que teve como membro e presidente do Supremo Tribunal Federal,  deixando para a posteridade lições e exemplos de cultura, competência, dignidade e moralidade, apanágios que efetivamente transmitiu aos seus descendentes, que se honram em cumprir essa herança de tradição moral e ética.

Transcrevemos a seguir a entrevista que nos foi conce­dida, seguida do discurso pronunciado após sua posse:

Revista Justiça & Cidadania – Ministro, o senhor disse que cada pessoa tem seu estilo, referindo-se à ministra Eliana Calmon. Qual é o seu?

Francisco Falcão – É difícil definir o próprio estilo. Acredito que isso compete mais aos outros do que ao próprio. Todavia, considero a discrição minha maior característica. Faz parte da minha personalidade agir de forma discreta e incisiva. Não gosto de estardalhaço e de gastar esforço desnecessário. Podemos ser duros e elegantes. Nesse sentido a atuação da Corregedoria teria um perfil mais cirúrgico e pontual, com a localização e apuração silenciosa das irregularidades. A “mão de ferro” deve ser precisa para que não cause um dano maior. Esse, penso, tem sido o nosso estilo na Corregedoria Nacional de Justiça. Buscamos o tratamento criterioso e eficaz nas faltas disciplinares, para extirpar de vez com aqueles que maculam o trabalho da imensa maioria de juízes do País. Queremos separar o “joio do trigo” e agir como apoiadores e orientadores daqueles que honram a toga. Temos pregado uma política de alinhamento das corregedorias locais com o CNJ, para que tenham o mesmo rigor que este órgão já mostrou possuir. Por isso, estamos cobrando, fiscalizando e dando apoio às corregedorias locais, para que apurem rigorosamente quaisquer desvios funcionais. Fixamos prazo para o início e o fim das apurações feitas pelos tribunais locais e, no caso de omissão, promovemos investigação. Tal descentralização é fundamental, para que os trabalhos fluam melhor, para que todas as corregedorias falem a mesma língua, e para que o CNJ possa focar nos casos graves e naqueles em que houve omissão local. Da mesma forma, acredito em uma agenda positiva para o Poder Judiciário. Isto significa dizer, replicar as boas práticas adotadas por alguns juízes para todos os demais. Em uma palavra, vamos valorizar o trabalho do Juiz. No meu modo de ver, a própria atuação disciplinar é uma forma de valorização dos juízes sérios e comprometidos.

JC – O senhor disse que uma das suas metas, a curto prazo, é recuperar a credibilidade do Judiciário. De que forma pretende fazer isso?

FF – A Corregedoria Nacional de Justiça é o coração do Poder Judiciário. Para que o coração funcione o corpo todo deve estar saudável. O Poder Judiciário tem de zelar pela seriedade dos órgãos que o compõem. A nossa imagem na sociedade e a autoridade de nossas decisões é a nossa própria legitimidade constitucional. É nosso dever, então, agir de forma rápida e eficaz, informando à população os resultados. No mesmo sentido, temos que identificar nossos problemas internos e buscar uma solução da maneira mais transparente possível. Por isso, acredito na pauta positiva e no diálogo. O debate sobre a eficiência do Poder Judiciário pertence a todos. Temos que chamar nossos interlocutores para conversar e para traçarmos um plano de ação conjunta. Não se trata apenas de punir os corruptos e ineficientes. Temos que arrumar soluções para os problemas estruturais que afligem o Poder Judiciário. Muitas das vezes são problemas antigos que não foram devidamente solucionados. Dessa forma, queremos trabalhar com os tribunais, com a OAB, o Ministério Público e a sociedade civil para buscarmos soluções a curto e a médio prazo. Como já estamos fazendo, por exemplo, nas questões das adoções, dos juízes nas Comarcas, nas execuções cíveis e fiscais.

JC – Aproveitando o gancho, de que forma o senhor vê a aplicação da justiça hoje em nosso país?

FF – Vivemos uma explosão de demandas reprimidas que foram recebidas por um Poder Judiciário que não estava preparado para recebê-las. Tivemos que reformar a casa sem desalojar as pessoas que lá habitavam. Fizemos uma revolução silenciosa que culminou com o surgimento do CNJ, que é fruto da máxima democratização do Poder Judiciário. Neste aspecto o Brasil avançou muito e hoje podemos nos orgulhar do Poder Judiciário que temos. Mas, evidentemente, existem problemas. Apesar de saber que estes problemas não serão solucionados da noite para o dia, vejo de forma otimista a justiça que aplicamos no Brasil. Aliás, acredito que devemos ser otimistas ao ocuparmos cargos como o de Corregedor Nacional da Justiça. Temos que acreditar que podemos melhorar o sistema como um todo. Não se trata em fazer marketing e sim de arregaçar as mangas e trabalhar. Estamos sempre em dívida com a quantidade de processos que inundam anualmente o Poder Judiciário. Isso cria uma sensação de insatisfação na sociedade que, em muitos casos, não condiz com a realidade. De toda forma, como antes falamos, o trabalho é conjunto e integrado e a sociedade tem que dele participar.

JC – O senhor declarou recentemente que pretende agilizar e diminuir a morosidade nos tribunais. Que medidas poderiam ser tomadas para modificar esse panorama a curto prazo?

FF – Algumas medidas já foram tomadas, como mutirões de conciliação ou de julgamento de processos. Como exemplos, podemos citar o das Varas Cíveis e de Execuções Fiscais do Rio de Janeiro ou da Vara do Júri de Jaboatão dos Guararapes em Pernambuco, além do programa “Presença do Juiz nas Comarcas”. Como todos sabem, uma sociedade com o juiz presente é uma sociedade que se sente segura; que sabe que há uma “mão justa” a impedir excessos, a dissuadir a violência, a promover com maior celeridade a distribuição da justiça. Este é um projeto que desejamos ver disseminado por todo o País, pois se trata de uma atuação preventiva e positiva do Poder Judiciário. O “Mutirão das Audiências”, que se iniciará na Paraíba no dia 26 de novembro próximo e se estenderá por um ano, é também mais um projeto para diminuir a morosidade. O evento buscará diminuir o tempo da realização das audiências, antecipando aquelas já designadas com longo prazo para sua realização, de modo que, ao final do projeto, nenhuma marcação ultrapasse o máximo de 60 dias. Portanto, a conciliação é, de igual forma, uma via importante para resolver, não só os conflitos antes do ingresso no Judiciário, mas também nos processos em andamento, mesmo aqueles em grau de recurso. O acompanhamento da produtividade dos magistrados e desembargadores em sistemas como o Justiça Aberta, nos tem possibilitado a verificação comparativa da quantidade de decisões. Isto, guardadas as cautelas em se comparar órgãos de competência semelhante, viabiliza a identificação de anomalias e locais onde o processo não anda, o que permite que atuemos de forma incisiva nos casos pontuais. Não gosto da generalização e só com a fiscalização é que podemos identificar e realmente solucionar os problemas do Poder Judiciário.

JC – O senhor afirmou que seu trabalho à frente da Corregedoria será de grande responsabilidade, mas ao mesmo tempo espinhoso e edificante. Explique por que.

FF – Julgar os pares é algo extremamente delicado. É situação que convida o magistrado a se colocar na posição da pessoa investigada. Essa reflexão é algo que todo magistrado deve ter, ainda que esteja julgando alguém de fora do Poder Judiciário. É salutar e torna os julgamentos mais humanos. A responsabilidade é decorrente não só da competência legal que o cargo confere ao ocupante, mas de todo o histórico que a Corregedoria Nacional vem acumulando ao longo desses anos, de depuração da magistratura no Brasil. É algo histórico, pois até pouco tempo a vitaliciedade para muitos era sinônimo de impunidade e de poder ilimitado. Não há como agradar a todos num cargo de nível nacional. Todavia, nós, magistrados, já estamos acostumados com os espinhos. Ninguém gosta de punir alguém. Mas na Corregedoria, a aplicação da punição quando ela é necessária, embora dolorosa, é edificante porque significa a proteção do próprio sistema. Arrumar a casa dá trabalho, mas nos faz conhecer melhor os nossos problemas e escolher as soluções adequadas para resolvê-los. Penso que ser Juiz é um sacerdócio que deve ser exercido por aqueles que não têm medo de desafios. Nunca temi os desafios, pois tive em casa o maior exemplo do que deve ser um Magistrado.

Discurso de posse do Ministro Francisco Falcão no cargo de Corregedor Nacional de Justiça (STJ)

“Excelentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça. Ministro Ayres Brito e demais autoridades.

Assumo, nesta hora, a Corregedoria Nacional de Justiça com a plena convicção da responsabilidade que o cargo impõe e o compromisso de exercê-lo como uma verdadeira missão.

Missão voltada para o cumprimento dos grandes objetivos que levaram à criação do Conselho Nacional de Justiça, quando da aprovação, pelo Congresso Nacional, do projeto de reforma do Poder Judiciário, através da EC 45/2004. Missão que significa, para o Magistrado que a exerce, o sentido da sua contribuição ao aperfeiçoamento da instituição à qual tem dedicado o melhor de si e da sua atividade funcional.

Se, no início, quando da criação e instalação do Conselho Nacional de Justiça, houve dúvidas e mesmo embate de idéias sobre o papel do novo Órgão, hoje, tanto a sociedade brasileira quanto a todos os setores do Poder judiciário compreendem a sua importância e apóiam as suas ações.

Recordamos que a realidade vivida pelo Judiciário brasileiro era preocupante e de certo modo desalentadora, desafiando a todos, quer os integrantes do próprio Poder, a quem cabe primordialmente promover e zelar pelo seu bom funcionamento, como dos demais. Poderes, que, embora independentes, são corresponsáveis pelo bem comum.

No plano da jurisdição, tinha-se a morosidade como principal fator a atingir a credibilidade da Justiça brasileira que, todavia, era tanto ou até mais afetada por gravíssimos problemas situados na esfera da sua administração, fundamentalmente em razão da falta de controle e fiscalização.

É inquestionável que o Conselho Nacional de Justiça vem desempenhando um papel fundamental na cena judiciária brasileira, tornando-se um verdadeiro divisor de águas na história do nosso Poder Judiciário. A formatação que lhe foi dada – órgão altamente equilibrado, seja no tocante à sua composição, seja quanto às suas competências, permitiram, ao longo deste oito de sua existência, ações proativas e de grande relevância, cujos resultados já são evidentes. A representatividade e a visão plural da sua composição comprovaram para a sociedade que não há espaço para corporativismo. Denota, sim, uma suficiente e incansável atuação na busca de melhoria dos nossos serviços jurisdicionais, da imperiosa modernização e do aprimoramento da gestão administrativa, como eficazes meios de controle e fiscalização.

Essa atuação, é importante que deixe claro, preserva a autonomia dos tribunais e respeita o princípio federativo garantido por nossa Constituição. Igualmente, não é atingida a independência do magistrado no exercício da jurisdição e na sua livre convicção – isenta e imparcial, ressalvada, por razoes óbvias, a prestação jurisdicional que cede lugar à ilicitude, em reprovável desvio de conduta.

Se hoje ainda estão presentes as ações profiláticas e corretivas, isso se deve substancialmente ao caráter ainda necessário de que as mesmas se revestem, visando à restauração da credibilidade do Judiciário, fortemente estiolada.

Mas, quero enfatizar a concomitância de medidas outras que estão sendo implementadas neste Conselho, voltadas à modernização e aprimoramento do Poder Judiciário, tendentes a melhor cada vez mais os serviços jurisdicionais, na busca incessante da Justiça acessível, democrática, célere e qualificada, que todos anseiam e que é um dos direitos fundamentais do cidadão. Não pode haver democracia sem um Judiciário forte que reconheça às partes que o busque o que lhes for devido, sem tempo razoável e de forma justa.

Quanto a mim, repito, recebo esta investidura como uma missão que enriquece sobremodo a minha trajetória funcional, mas, em contrapartida, representa um enorme desafio e impõe graves responsabilidade. Espero que a experiência por mim haurida no exercício de outros relevantes cargos que ocupei me ajudem a cumprir, a contento, a espinhosa mas sob todos os títulos, edificante missão.

Ao falar de experiência, ressalto as duas passagens que tive pelo órgão de supervisão administrativa e financeira da Justiça Federal – o Conselho da Justiça Federal. Quando o integrei pela primeira vez, encontrava-me na presidência do Tribunal Regional Federal da 5a Região e, na segunda passagem, quando já ministro do Superior Tribunal de Justiça, exerci, de 2009 a 2011, o cargo de Corregedor-Geral da Justiça Federal.

Posso afiançar a todos nesta hora, que meus atos de gestão serão inteiramente balizados pelo interesse público, com o timbre da austeridade e transparência.

Para fazer jus às expectativas de consonância da atuação da Corregedoria, diligenciarei, permanentemente, em busca de resultados consentâneos com as metas estabelecidas pelo Conselho, numa completa sintonia, fundamental no plano institucional.

As minhas ações à frente da Corregedoria voltar-se-ão, prioritariamente, às medidas de natureza preventiva. Na realidade, o cuidado com a prevenção tende a reduzir a atividade censória. Todavia, não tergiversarei, quando a imposição da sanção, se fizer necessária.

Assim agindo, estou certo de que concorrerei para o resguardo da dignidade da magistratura brasileira, constituída, em sua imensa maioria, por juízes competentes, probos, espalhados por todo o Pais, e comprometidos com os mais caros valores republicanos.

É relevante deixar assinalado que conto receber a colaboração dos corregedores dos diversos ramos do Judiciário, no plano federal e estadual, para que se concretize a idéia de funcionamento sistêmico, facilitando o desempenho das funções cometidas a cada um de nós com o que alcançaremos resultados extraordinários para a justiça brasileira como um todo. Não menos importante será a colaboração das associações representantes da magistratura, como a AMB, AJUFE, e a ANAMATRA, como também da Ordem dos Advogados do Brasil e do Ministério Público.

Gostaria de registrar que encontrarei terreno aplainado, pela competência e determinação da ministra Eliana Calmon, cuja operosa e eficiente gestão à frente da Corregedoria Nacional de Justiça representou valioso contributo à afirmação do Órgão.

Espero em Deus que nessa minha nova empreitada jamais de faltem: a humildade, fazendo-me sempre receptivo a sugestões e à especial arte de saber ouvir; e determinação para me dedicar com total intensidade ao trabalho, predicados acentuados nos preciosos ensinamentos que recebi do meu saudoso pai, Djaci Falcão, meu exemplo de vida. Com ele aprendi, desde cedo, importantes lições tão bem sintetizadas no seu discurso de despedida do tribunal de Justiça de Pernambuco, em 1967,e ainda muito válidas nos dias atuais: “Com discrição, firmeza de propósitos e obediência ao ordenamento jurídico, vivo a nutrir a minha fé no direito e no ideal de justiça que todos os homens aspiram. Sou feliz em poder proclamar que no meu espírito não vagueiam os demônios da inveja, do orgulho ou da vaidade vã, que tanto esvaziam o homem, deixando-o pobre de paz interior. Tenho procurado manter bem vivos os sentimentos de humildade e fraternidade, que tanto enchem a vida de plenitude”.

Com esses mesmos propósitos, reafirmo o meu compromisso de bem servir à Justiça do meu Pais.

Agradeço a todos que com suas presenças vieram abrilhantar esta solenidade”.