Política e Direito

23 de agosto de 2013

Compartilhe:

Marcus FaverAs últimas manifestações populares no Brasil e, particularmente, no Rio de Janeiro evidenciam uma profunda crise político-institucional em nosso país, gerada pelo fisiologismo; pela infidelidade das elites políticas e dos partidos; pela terrível e enraizada corrupção; pela permanente e crônica deficiência dos serviços públicos; por demandas sociais reprimidas; pelo abandono da coisa pública; pelo constante desprezo às necessidades básicas de qualquer ser humano; pela falta de credibilidade nos homens e nas instituições brasileiras, etc.

Nesse quadro social, difícil e angustiante, algumas
reflexões, a nosso sentir, fazem-se necessárias, primordialmente pela comunidade jurídica, que, realizando interpretação isenta da conjuntura social e análise doutrinária interpretativa inerente às suas atividades, tem a responsabilidade inafastável de traçar rumos e diretrizes para a sociedade brasileira.

Temos a convicção de que há de se buscar o indis­pensável entrelaçamento entre a Política e o Direito, ou seja, o entrosamento, a harmonia da comunidade com a personalidade, pontos extremos e autônomos da corrente social.

Na verdade, o problema da Política (com P maiúsculo), isto é, da ciência de bem governar a vida em comum, na polis, não pode ser dissociado do problema do Direito, isto é, da vida pessoal, no plano do jus.

Não podemos dissociar o “ser individual” do “social”, uma vez que o individual e o social se coimplicam diale­ticamente. A Política visa diretamente ao Bem Comum e indiretamente ao bem próprio, individual. O Direito visa diretamente ao bem próprio, individual, e, indiretamente ao Bem Comum. Daí a importância essencial para a vida humana, dessa harmonia entre Política e Direito, tendo o Estado como regente do Bem Comum.

Quando a Política nega o Direito, levanta-se o espectro da tirania. Quando o direito nega a Política, o espectro que se levanta é o da anarquia. A tirania, mesmo sob a máscara do simples autoritarismo, é a falsa ordem. Já tivemos amargas e recentes experiências nesta vertente. A Anarquia é a desordem provocada pelo individualismo irresponsável ou pelo vandalismo. Estamos enveredando, perigosamente, por este caminho.

Há que se buscar urgente e essencialmente a reci­procidade entre autoridades no plano da Política e a preservação das liberdades no plano do Direito. Há que se batalhar com pragmatismo e eficácia pelo estado de direito democrático – pela democracia – pois é ele o regime único que procura reunir Política e Direito no plano da ordem pública.

A comunidade jurídica deverá, de olhos e ouvidos bem abertos, atentar para os versos proféticos de Caetano Veloso em “Força estranha”:

Eu vi muitos homens brigando. Ouvi seus gritos.
Estive no fundo de cada vontade encoberta,
e a coisa mais certa de todas as coisas.

……………………………………………………………

Por isso uma força me leva a cantar,
Por isso essa força estranha.
Por isso é que eu canto, não posso parar.
Por isso essa voz tamanha.

A comunidade jurídica não pode nesse momento, omitir a sua voz, sob pena de pecar perante a história do Brasil.

Nota do Editor ______________________________________________________________

O excelente artigo do Presidente do Colégio Permanente de Presidentes de Tribunais de Justiça do Brasil, desembargador Marcus Faver, que publicamos a seguir, expressa e sintetiza, com real oportunidade, o discurso que o eminente jurista pronunciou em saudação ao preclaro Desembargador Adilson Vieira Macabu, na festividade de despedida pela sua lamentável aposentadoria compulsória, efetivada no exercício da 2a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

O chamamento que o Desembargador Marcus Faver faz aos operadores do Direito, principalmente aos membros da magistratura, torna-se importante face a situação atual, que demanda a busca do imprescindível entrelaçamento entre a Política e o Direito.

A sociedade brasileira vivencia o sobressalto dos movimentos sociais que promovem convulsão nas metrópoles, tornando necessário o uso de instrumentos republicanos que, implícita e necessariamente, importam no exercício da Política e do Direito, sem os quais chega-se à desordem e, consequentemente, à anarquia e ao vandalismo, cuja prática já estamos assistindo nas ruas.

A premonição do Presidente do Colégio Permanente de Presidentes de Tribunais de Justiça do Brasil sobre a matéria do seu discurso é muitíssimo válida no momento presente para reflexão dos operadores do Direito, nossos estimados leitores.