Políticas Públicas para o Poder Judiciário no século XXI

19 de dezembro de 2012

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A Constituição da República de 1988 é um marco na histórica política brasileira. Ao estabelecer a independência dos Poderes e a tripartição das funções estatais, delimitou a área de atuação de cada um deles. Ao Poder Judiciário, coube, em síntese, a função típica de aplicar a lei contenciosamente e de dirimir os conflitos de interesses que lhe são postos para pacificar a sociedade. Atipicamente, compete ao Judiciário a organização da Justiça, que, em sentido aberto, nada mais é que a realização de seu autogoverno. Destaco aqui a importância das autonomias administrativa, financeira e funcional, que conferem a absoluta independência aos Magistrados e ao próprio Poder Judiciário.

Desde a promulgação da Constituição de 1988 até esta segunda década do século XXI, consolidou-se uma consciência coletiva dos direitos humanos fundamentais. Tais direitos têm se constituído no objeto central das preocupações dos governos e da sociedade. Desenvolveuse uma pluralidade de novas necessidades e de novos direitos e garantias para a sobrevivência humana, cuja satisfação exige a atuação dos poderes estatais. Cabe aos Poderes constituídos prover tais necessidades ou criar as condições necessárias para o seu atendimento.

A sociedade do século XXI, cada vez mais informada e consciente, recorre sistematicamente ao Judiciário para fazer valer seus direitos individuais e coletivos. O Magistrado do século XXI é, portanto, como afirma o próprio tema deste Congresso, um agente de transformação social.

O grande ator do século XXI nas relações do Estado com a sociedade é o Poder Judiciário. E este protagonismo do Judiciário é endossado pela incapacidade do Poder Executivo, bem como pela inércia do Poder Legislativo, em atender satisfatoriamente às demandas sociais. A sociedade se socorre na busca de provimento jurisdicional do Poder Judiciário, que é instado a suprir as omissões legislativas e executivas, diante da inoperância dos demais Poderes.

Hoje, muito se fala em ativismo judicial. Mas se isso é uma realidade, é também verdade que ele ocorre na medida em que os demais Poderes se omitem. Se as demandas sociais não são atendidas por instâncias políticas constitucionalmente competentes para tal, o Judiciário entra em ação.

Quando se pensa em políticas públicas para o Judiciário, pensa-se, ato contínuo, em políticas que viabilizem a prestação jurisdicional de forma eficiente. Em face das inúmeras atribuições do Judiciário, somadas ao aumento da demanda em razão da conscientização da sociedade e do surgimento dos novos direitos que resultam da dinâmica social, é de se esperar que haja um congestionamento de processos e, consequentemente, um nível de produtividade aquém das expectativas da sociedade. Hoje, a crítica mais constante e contundente que se faz ao Judiciário é, justamente, a baixa produtividade do sistema e a morosidade na solução dos conflitos, não obstante o reconhecimento à qualificação dos Magistrados.

Por outro lado, sabe-se, também, que os magistrados sofrem um excesso, uma sobrecarga de trabalho, e que, apesar do fluxo constante, não há vazão suficiente que atenda a tanta demanda. Se a Justiça é lenta, é bom que se diga, é porque ela é muitíssimo demandada e porque desfruta de credibilidade junto aos cidadãos.

A tônica e os objetivos das políticas públicas a serem implementadas para o Judiciário do século XXI devem levar em conta, primordialmente, a democratização do acesso e o aumento da produtividade. Esta equação terá como resultado a tão desejada eficiência do Poder Judiciário. Ou seja, a resposta para o século XXI está no cumprimento eficiente da própria Constituição da República, que garante o acesso à Justiça, (“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”), o devido processo legal (“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes”) e o prazo razoável (“a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”), este último dispositivo incluído no Texto Constitucional com a Emenda nº 45.

Ora, como azeitar a máquina do Judiciário, tornando-o eficiente para atender as demandas da sociedade contemporânea? Esta é uma questão que diz respeito a todos os Poderes.

O Legislativo anunciou recentemente uma ampla reforma na legislação brasileira, para adaptá-la ao novo pacto social. Pretende atualizar e reformular os Códigos Penal, de Defesa do Consumidor, Eleitoral, Comercial, de Processo Penal, de Processo Civil e Tributário, este último no que toca ao Pacto Federativo. Esta iniciativa só vem reforçar a noção do quanto a legislação está em descompasso com a sociedade contemporânea.

Assim, o primeiro desafio que o Poder Judiciário deve enfrentar no Século XXI é o de vencer a sobrecarga, adotando política de gestão que privilegie os recursos humanos e tecnológicos, sobretudo na primeira instância; a democratização do acesso; e a racionalização dos procedimentos a serem adotados.

Contudo, o enfrentamento desses desafios por parte do Judiciário dependerá de uma mudança de visão por parte da própria sociedade, que deverá entendê-lo e acionálo como último recurso, como um serviço público a ser utilizado democraticamente pelo cidadão, quando for, de fato, imprescindível a presença do Estado para solucionar o conflito.

Recai ainda sobre o Poder Judiciário, já sobrecarregado no cumprimento de suas funções constitucionais, a incumbência extraordinária de preencher as lacunas dos demais poderes estatais. O Executivo deveria cumprir rigorosamente suas funções, assim como o Legislativo deveria prover a sociedade de um ordenamento jurídico em sintonia com suas demandas e com os novos tempos, capaz de regulamentar os direitos individuais, coletivos e empresariais; do contrário, a sociedade recorrerá sempre ao Judiciário para reclamar seus direitos, que não são efetivamente atendidos pelo Executivo (saúde, educação, transportes, prestação de serviços públicos em geral) e buscar decisões judiciais que preencham as lacunas da lei, por omissão do Legislativo.

Planejamento Estratégico Nacional liderado pelo Conselho Nacional de Justiça

O Poder Judiciário tem, constitucionalmente, uma abrangência nacional. Portanto, espera-se que a qualidade de seus serviços seja a mesma de norte a sul do Brasil, apesar das desigualdades regionais verificadas em todo o extenso território brasileiro. O Conselho Nacional de Justiça permitiu transformar esta visão institucional em realidade, fornecendo os instrumentos necessários para uma política de planejamento nacional das atividades do Judiciário.

O Planejamento Estratégico do Poder Judiciário está consolidado no Plano Estratégico Nacional, instituído por meio da Resolução CNJ nº 70/2009. Portanto, as políticas públicas idealizadas pelo Judiciário já vêm sendo executadas e já demonstram sua eficácia.

Várias medidas já foram adotadas, visando à agilidade e à efetividade da prestação jurisdicional. Cito aqui como exemplos os Pactos Republicanos I e II, firmados entre os três Poderes da República para acelerar e modernizar a prestação jurisdicional. O resultado foi bastante favorável.

A aprovação de uma única Lei, a 11.418/2006, que dispõe sobre a Repercussão Geral do Recurso Extraordinário, resultou, em 2009, na redução de 38,5% do total de processos distribuídos no STF em relação a 2008. E ainda posso citar outro exemplo, o da Lei nº 11.672/2008, que dispõe sobre o trâmite dos recursos repetitivos dirigidos ao STJ, cuja aplicação possibilitou uma redução de 37% na quantidade de recursos especiais recebidos por aquela Corte com relação ao período anterior ao de sua aprovação.

A exemplo do Judiciário, os Tribunais de Contas também adotaram um Plano Estratégico Nacional, cuja execução já está em curso desde 2006. Trata-se do PROMOEX – Programa de Modernização do Sistema de Controle Externo dos Estados, Distrito Federal e Municípios Brasileiros. O objetivo do PROMOEX é o fortalecimento do controle externo, através da modernização e integração das ações dos Tribunais de Contas que atuam nos Estados, Distrito Federal e Municípios, investindo na capacitação de pessoal, na introdução de novos procedimentos e sistemas organizacionais e em informática.

O Plano Estratégico Nacional do Judiciário elegeu oito temas – eficiência operacional; acesso ao sistema de Justiça; responsabilidade social; alinhamento e integração; atuação institucional; gestão de pessoas; infraestrutura e tecnologia; orçamento – a serem enfrentados, o que demonstra estar absolutamente consciente da necessidade de adotar medidas para atender às demandas do século XXI. Portanto, resta ao Poder Judiciário acelerar a execução do Plano Estratégico e, paralelamente, fortalecer o diálogo institucional com os demais Poderes. A sociedade colherá os frutos deste esforço, e o Estado Democrático de Direito sairá fortalecido.