Edição

Por que Getúlio Vargas foi candidato em 1930?

5 de agosto de 2004

Compartilhe:

“As candidaturas de Getúlio Vargas e João Pessoa têm um inavaliável valor intrínseco. Mais que elas, porém, vale a vontade do Brasil”.

João Neves da Fontoura – 01/01/1930

Foi Líder da oposição em 1930 e Ministro das Relações Exteriores no Governo Vargas

Muito se tem falado e escrito sobre a candidatura de Getúlio Vargas em 1930, deturpando os fatos e até inculpando ao então candidato, a pecha de ter traído o Presidente da República, na ocasião, Washington Luiz, de quem Getúlio foi líder do Governo na Câmara Federal e Ministro da Fazenda, antes de ter sido Presidente do Estado do Rio Grande do Sul.

E fomos buscar, nos anais da Câmara dos Deputados, os pronun-ciamentos do grande parlamentar e orador inexcedível: João Neves da Fontoura.

Para situar no tempo, a perso-nalidade desse grande líder gaúcho, é importante assinalar que João Neves, Oswaldo Aranha e Getúlio Vargas foram as três grandes figuras da Revolução de 1930.

Entretanto, para se saber da independência de João Neves, nos primórdios da Revolução, ele, contrariado com as nomeações dos Interventores que se fizeram, princi-palmente no Estado de São Paulo, com a indicação do Tenente João Alberto, que foi considerado na ocasião uma ofensa contra São Paulo, declinou e não aceitou nenhum cargo ou posição do Governo da Revolução.

Os resultados da condução dos movimentos que aconteceram, a procrastinização da convocação da Assembléia Constituinte, acabou levando João Neves a ser um dos líderes da Revolução Paulista de 1932 e um dos mais causticantes adversários de Getúlio Vargas.

É de se esclarecer, para não deixar dúvidas, que a candidatura de Getúlio Vargas partiu de Minas Gerais, incentivada pelo então Presidente do Estado Antonio Carlos de Andrada. – Levado talvez a isso pela descontinuação da política do “café com leite”, que era a alternância das candidaturas de São Paulo e Minas Gerais, o que, não estava sendo observado pelo Presidente Washington Luís, que após ter substituído o mineiro Artur Bernardes, impunha a candidatura de outro paulista, o então Presidente de São Paulo, Júlio Prestes.

Para dar o relevo a essa situação sobre a candidatura de Getúlio Vargas, e repor os fatos à realidade dos acontecimentos de então, e demonstrar como Getúlio se comportou no caso, com dignidade, principalmente no seu relacionamento com o Presidente Washington Luís, transcrevemos tre-chos dos pronunciamentos feitos na ocasião por João Neves da Fontoura, nas sessões de 06 e 17 de agosto e de 03 de setembro de 1929, perante a Câmara dos Deputados, como líder da oposição, em defesa da candidatura de Getúlio Vargas, lançado pela Aliança Liberal, dando a visão gaúcha da candidatura, e ao mesmo tempo, lançando o desafio da Candidatura de Oposição.

Discurso em Defesa do Candidato da Aliança Liberal – 06/08/1928

“Aqui vai começar a nossa campanha – campanha de fé ardente nos grandes destinos do nosso Brasil, mas, sobretudo, campanha cívica, porque sabemos o preço do sangue, sabemos como custa morrer e ver morrer os irmãos pela causa da nacionalidade, seja na manutenção do Governo passado seja na defesa do Governo atual. Aqui bem acima da tribuna, de que falo, está um herói autêntico, homem que sendo um dos cérebros mais brilhantes de sua geração, é um dos maiores bravos deste Brasil que caminha para melhores destinos.

Falo de Oswaldo Aranha. Este quase morreu no campo de luta, pelo Governo Washington Luís, tem o direito de levantar conosco, em nome dos nossos heróis, em nome dos nossos mortos, a bandeira de redenção. Para que as candidaturas não se resolvam entre vinte compartimentos estanques, fechados ao ar e à opinião do Brasil.

Depois da oração magistral do líder da corrente política que vai representar dentre em breve, porque já é de fato, a maioria da vontade nacional, eu não precisaria falar. Quis apenas como uma voz perdida em que se refletisse toda a vibração de um Estado que espero, ainda, merecer a estima e simpatia do Brasil, explicar por que o Sr. Getúlio Vargas aceitou sua candidatura à Presidente da República.

Devo explicar em rápidas palavras, por que o Sr. Getúlio Vargas é candidato. Ele nunca pretendeu candidatar-se à Magistratura Suprema da República. Posso eu declarar – e talvez mais do que muitas pessoas o possam fazer – a imensa, a enorme, a profunda relutância que teve em aceitar o posto que lhe ofereceram.

Longe de ser um ambicioso, como sói dizer-se nas gazetas que se alugam, ele é um brasileiro digno de todo o respeito e apenas cedeu à imposição do seu partido e até – honra lhe seja feita – à imposição dos seus adversários e, enfim, de todo o povo rio-grandense, porque esse nome não receia nem a competição, nem o exame, tão sólidos são os fundamentos de caráter do Sr. Getúlio Vargas, tão grande é já a sua folha de serviços prestados ao Brasil.

Recebendo o convite de Minas, representada na figura de seu grande Presidente, o Sr. Getúlio Vargas, quando poderia ter procurado previamente organizar um força partidária de extrema eficiência para então se apresentar no palco político, o Sr. Getúlio Vargas impôs como condição capital a fim de que se seu nome fosse lançado, ser ele quem levasse ao Sr. Presidente da República a primeira notícia da candidatura. Cumpriu um dever comum de lealdade que não é o cimento das fundações. Em que se estribam as ambições insofridas. Ele o fez dirigindo uma carta modelar em que declarava que vinha ao Presidente da República comunicar que o seu partido recebera, por intermédio do líder de sua bancada, o convite para apresentar a candidatura do Sr. Borges de Medeiros ou dele, Getúlio, à Presidência da República. O Sr. Borges de Medeiros, declinou da própria candidatura, mas que o Sr. Getúlio Vargas, o primeiro soldado do seu partido, o mais graduado daquela corrente, deveria ser, o candidato natural. O Sr. Getúlio Vargas só aceitou a sua candidatura depois de longa e grande relutância, com uma imposição do seu partido e do seu Estado. Aceitou-a, mas com esta condição, depor nas mãos do Sr. Presidente da República, como homem leal, o seu nome, para que ele coordenasse as força políticas e as consultasse em torno da candidatura que lhe era sugerida.

Entretanto, o Sr. Presidente da República em torno do nome do Sr. Getúlio Vargas fez vácuo, silêncio, dirigindo consulta apenas sobre o seu candidato. Isso não é coordenação, papel que cabe ao juiz imparcial; é imposição. O Sr. Presidente da República que tinha candidato, não submeteu o nome do Sr. Getúlio Vargas, proclamando, entretanto que o havia feito. Devo, porém, agora, aflorar assunto capital. Ele, por si só, mostrará ao Brasil quem vai ser o responsável pela luta de amanhã.

Falou-se vastamente em conciliação, em acordo. Posta a candidatura Getúlio Vargas diante do eminente chefe da nação, para que sua excelência consultasse os amigos políticos do Estado sobre esta candidatura, desde logo começaram a serem sussurradas as palavras “acordo” e “conciliação”.

Vou, agora, Sr. Presidente, levantar a ponta do véu e provar à Nação porque vamos, amanhã, para o prélio aceso das urnas e, quiçá, para o prélio terrível das armas. Quero explicar o meu pensamento, uma vez que aqui não fala uma voz; fala um Estado, que sabe brigar e sabe morrer!

Sr. Presidente: Estamos em frente – na verdade vos digo – do mais brilhante movimento cívico que já se fez na República. Neste momento somos, de verdade, sem metáforas e sem confusões, a maioria eleitoral do Brasil e – coisa curiosa – não há uma espada desembainhada, não há uma boca de fogo assestada contra o Catete. É a Nação viril, ela só, que se levanta! É a Nação que fala, talvez pela boca do mais humilde de seus filhos; mas, é a Nação em marcha que há de vencer na batalha incruenta das urnas. E ninguém se atreverá a esbulhar ou a roubar nossa vitória no prélio eleitoral”.