Edição 289
Por uma justa indenização em ações de desapropriação: a manifesta impossibilidade de utilização do índice FipeZAP
9 de setembro de 2024
Paulo Henrique Barros Bergqvist Advogado
Thiago Nicolay Advogado, pós-graduando em Direito Civil Constitucional na Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Uerj
No âmbito das ações de desapropriação, deve haver relevante atenção à justa indenização, inclusive por consubstanciar preceito constitucional, de modo que o processo deve se desenrolar em amparo ao direito do proprietário do imóvel desapropriado, garantindo-lhe a indenização devida em decorrência do decreto de desapropriação, mas atentando-se para que o valor indenizatório seja justo, em respeito ao artigo 5o, XXIV da Constituição da República Federativa do Brasil.
Como se sabe, nesse tipo de ação, a obtenção do valor indenizatório é feita por meio de laudo pericial, produzido por profissional capacitado nomeado pelo magistrado. Tal perito deve identificar o valor do imóvel na data do laudo e, partindo deste ponto, encontrar o valor do imóvel na data em que foi decretada a desapropriação.
Ocorre que, nesse contexto, a prática jurídico-processual vem demonstrando que, corriqueiramente, a obtenção do valor indenizatório para a data em que foi decretada a desapropriação tem se dado com base em parâmetros que podem ofender o artigo 5o, XXIV da Constituição Federal, por não garantir que o valor da indenização apurado seja justo.
Isto porque, notadamente na Justiça Estadual, vem se admitindo a utilização do índice FipeZAP para a apuração do valor indenizatório em retroação do valor apurado na data do laudo à data do decreto de desapropriação, o que é perigoso e põe em risco a garantia de que o valor indenizatório seja justo.
Justifica-se pois o índice FipeZAP não ser o correto para apuração de valor de imóvel com fins de indenização em ações de desapropriação, posto que tal indicador acompanha o preço de venda e locação de imóveis comerciais de até 200m2, anunciados em dez cidades selecionadas com base em anúncios de venda publicados no portal de imóveis ZAP, sujeito, evidentemente, às intempéries especulativas.
A própria página do FipeZAP na web apresenta a informação capaz de comprovar que o índice não é o mais fidedigno, especialmente quando afirma “As variações são calculadas pela Fipe com base em informações de amostras de anúncios de imóveis para venda e locação veiculados nos portais VivaReal e Zap Imóveis”.
Com efeito, consigne-se que em matéria jornalística escrita pelo renomado economista Samy Dana, no espaço Caro Dinheiro do Jornal Folha de S. Paulo, foi demonstrado que o índice FipeZAP não traduz com segurança os preços dos imóveis no Brasil, não sendo, portanto, a melhor opção. Veja-se trecho das ponderações do economista:
Antes de traçar precisões sobre o futuro dos preços dos imóveis, é necessário entender bem como tem sido calculado o índice de abrangência nacional mais utilizado no mercado imobiliário, o Índice FipeZAP criado em 2007. O primeiro ponto é que o índice toma como base apenas os preços anunciados, que por sua vez, estão sob a ótica apenas da oferta. Apesar do difícil acesso, o ideal seria contemplar valores de fechamento como escrituras, registros e avaliações feitas pelos agentes que financiam os imóveis. No estado de São Paulo, por exemplo, cerca de 57% dos imóveis vendidos foram financiados em junho desse ano. Assim, considerar a avaliação feita pelas instituições financeiras seria uma ótima amostra dos preços de mercado. O FipeZAP opta por utilizar em seus cálculos, apenas o preço anunciado dos imóveis, tal procedimento ocorre também na Hungria, Inglaterra, Áustria e em Malta. Evidentemente, esse preço anunciado é diferente do valor de fato transacionado, o que leva a certas distorções no índice para cima, ou seja, o índice é sempre superestimado. No caso brasileiro, há ainda mais um agravante, o índice só considera o preço ofertado dos imóveis cadastrados no site Zap Imóveis, quer pelos proprietários, quer pelas imobiliárias, sendo as últimas a maioria dos anunciantes.
Assim, resta evidente a impossibilidade de se considerar um índice baseado em preços médios de anúncio de venda de imóveis de até 200m2 para cálculo de valor de imóvel em ações de desapropriação, já que é sabido e consabido que os preços anunciados no ZAP Imóveis nunca são os preços pelos quais os imóveis são efetivamente vendidos. Há notória especulação, o que torna o índice falho para sua utilização em ação de desapropriação.
Corroborando o defendido neste artigo, tem-se que a jurisprudência da Justiça Federal – que não vem sendo acompanhada pelo entendimento da Justiça Estadual – orienta no sentido de que a atualização em casos de desapropriações deve ocorrer com base em índices confiáveis e seguros, com décadas de análises estatísticas, como é o caso do IGP-M.
A esse respeito, transcreve-se trecho do acórdão do julgamento do recurso de apelação 0017490-48.2011.4.03.6105, Relator: Desembargador Federal Helio Egydio de Matos Nogueira, Data de Julgamento: 28/11/2020, 1a Turma do e. Tribunal Regional Federal da 3a Região:
Apelação. Administrativo. Desapropriação. Viracopos. Ampliação. Valor do imóvel obtido com base em critérios estabelecidos pela Cerpcamp. Atualização. Indice FipeZAP afastado. (…) Laudo pericial deve levar em conta utilização de índices, fatores e elementos amostrais de valor estatístico apropriado para maior aproximação com as reais características do imóvel expropriado. 4. Contudo, entendo que o índice de correção utilizado, FipeZAP, que resultou ao fim no percentual de correção aplicado de 108,97 %, deve ser afastado, posto que tal indicador acompanha o preço de venda e locação de imóveis anunciados no Brasil, com base em anúncios publicados no portal de imóveis ZAP (consulta em https://www.fipe.org.br/pt-br/indices/fipezap/), sujeito, ao meu ver, às intempéries especulativas.
É diante dessas considerações que se defende a absoluta impossibilidade de utilização do índice FipeZAP para apuração do valor indenizatório em ações de desapropriação, sendo medida impositiva a construção de um entendimento jurisprudencial integral, e não só pela Justiça Federal, no sentido de que em ações de desapropriação somente seja possível a utilização de índices confiáveis, como IGP-M, IPCA.
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