Por uma justiça mais célere e mais humana

5 de abril de 2002

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Introdução

Permito-me uma pequena digressão sobre o tratamento dispensado as pequenas causas pela Lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil) e suas alterações posteriores.

Não obstante fosse determinado, pelo artigo 275 do Código de Processo Civil, a observância do procedimento sumaríssimo nas causas de pequeno valor (vinte vezes a maior salário mínimo vigente no Pais), a jurisprudência predominante no extinto Tribunal Federal de Recursos era no sentido, como ainda o é no Superior Tribunal de Justiça, de possibilitar-se a opção pelo procedimento ordinário ou da conversão do sumaríssimo em ordinária. Dessa forma, quase a totalidade das ações promovidas que poderiam ser propostas pelo rito sumaríssimo, figurando nessas quase 90% das ações previdenciárias, a foram pelo rito ordinário.

Por que a pouco interesse dos advogados, no caso, para a proposição destas ações, pelo rito sumaríssimo?!

A resposta é que, na verdade, muito embora no rito sumaríssimo previsto para este tipo de ações, se tirasse a ilação de que a entrega da prestação jurisdicional fosse em tese muito mais rápida do que no rito ordinário, na pratica era tão demorada quanto este. Diante de tal circunstancia, a escolha do rito ordinário se impunha ao advogado, pela possibilidade de provar-se com mais robustez a direito do seu constituinte.

Feita a opção pelo rito ordinário, a segurado que tivesse a infelicidade de constituir, para defender a seu direito, um advogado pouco diligente, poderia ter, numa ação promovida contra o INSS, uma demora aproximada de: a) 6(seis) anos e 2(dois) meses no processo de conhecimento assim distribuída:

2 anos e seis meses no Juízo de 1° grau; 1 (um) ano e 8 meses no Tribunal Regional Federal da 5ª Região. 2 (dois) anos no Superior Tribunal de Justiça num total de 6(seis) anos e 2(dois) meses.(Dados extraídos do Processo n° 97.0011349-3-Seção Judiciária do Ceara); b) 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses no processo de execução, assim distribuída: 1 (um) ano no Juízo de 1° grau; 4 (quatro) anos no Tribunal Regional Federal da 5ª Região e 6 (seis) meses no STF. (Dados extraídos do Recurso Extraordinário n° 27592 – no acórdão proferido na Apelação Cível n° 104629-RN).

c) 5(cinco) anos no pagamento do precatório((Dados extraídos do Precatório n°.12.091 RN).

No todo, a processo teria percorrido, uma penosa maratona processual de nada menos do que 16(dezesseis) anos e 6(seis) meses.

Quando juiz da 5ª Vara da Seção Judiciária do Rio de Janeiro encontrei uma caótica situação, isto e, um grande volume de ações (previdenciárias na sua maioria) com as respectivas instruções encerradas e aguardando sentenças ha mais de 2(dois) anos. Deparei-me, pois, com duas situações: Uma Justiça que não era justiça , porque demorada, e por demais desumana, na medida que essa demora atingia as carentes segurados da Previdência Social. Preocupei-me, pois, com as processos dos segurados do INSS, e procurei amenizar as efeitos de uma justiça tardia e ao mesmo tempo desumana. Tal gesto levou­-me a ser entrevistado pela TV Manchete do Rio de Janeiro, onde fiz ver que não tinha feito nada de extraordinário, apenas cumprira com a meu dever.

Vejam a gravidade do problema, um modesto juiz ser entrevistado tão somente porque cumprira com a seu dever, isto e, suas sentenças, no caso, foram recebidas pela sociedade carioca como sendo um fato extraordinário, quando, na verdade, deveriam ser recebidas como atos normais advindos dos deveres de um juiz.

O fato de proferir sentenças em processos que dormitavam nos armários, aguardando-as, levou uma senhora simples a agradecer-me, por telegrama” dizendo “que ainda bem que existiam juízes como eu”. Esse agradecimento, que muito me sensibilizou também me preocupou, não só porque, por ele e através dele, enxerguei nas pessoas simples do povo, um certo descrédito para com a justiça mas também porque percebi que, pessoas como Dona Maria, tem a ilusão de que, apenas com a sentença proferida pelo juiz, tudo esta resolvido, gerando-lhes uma expectativa de satisfação imediata, quando na verdade Dona Maria e outras como ela teriam que enfrentar novas e demorados caminhos processuais ate a realização final de sua plena pretensão.

Como exemplo, bastante elucidativo de uma Justiça tardia e desumana, sempre presente nos nossos dias e na atual sistemática processual, narro aqui um caso fictício, em que figuram Dona Joana, a juiz e a processo.

Dª Joana, com 64 anos de idade, orientada por amigas suas, procurou a conhecido INPS, para requerer a revisão do seu beneficia, sabendo que a ela tinha direito e que recebendo as diferenças, que lhe disseram ter direito, poderia construir um cômodo em seu barraco, onde mora ria sua filha que casara recentemente.

Lá, depois de muitas idas e vindas, sem qualquer solução para o seu problema, conseguiu afinal uma orientação de um funcionário do setor de benefícios que lhe esclareceu:

-D. Joana, eu sei que a senhora tem direito ao que a senhora quer, mas infelizmente não posso fazer nada pela senhora, só o juiz federal pode resolver o seu problema.

E lá foi Dona Joana , procurar o juiz federal, que pensava ser o juiz de Direito, e queria, porque queria, falar com juiz de Direito. Mas a funcionário da justiça do Estado, muito atencioso, informou-lhe, dizendo:

-D. Joana, o seu caso só pode ser resolvido pelo Juiz federal.

– Mas o que é juiz federal?

– É um Juiz de Direito, diferente Dona Joana …

Só depois disso é que a Dona Joana compreendeu a que era Juiz federal.

Chegando a Justiça Federal, uma funcionaria, muito atenciosa, depois de ouvi-la, compreendeu o seu caso, e levou-a ao advogado da Assistência Judiciária, quando então este propôs a ação de revisão de benefícios contra a INPS .

A Ação de revisão seguiu as seus tramites processuais e afinal depois de 2 anos e 6 meses saiu a sentença favorável a Dona Joana, que durante todo esse tempo ia a Justiça Federal saber notícias de seu processo.

Dª Joana de tanto ir a Justiça Federal ficou conhecida como a mulher do processo.

Mas aquela sentença, que ela tanto agradecera e que demorara 2 anos e seis meses e que lhe gerara a ilusão de uma satisfação imediata de receber um pequeno aumento no seu beneficio, estaria ainda sujeita ao recurso de apelação que demoraria , no mínimo 1 (um) ano e 8 meses no Tribunal Regional Federal da 5ª Região para a seu julgamento e 2 (dois) anos no Superior Tribunal de Justiça para a julgamento do recurso especial caso interposto.

E, quando Dona Joana, pensou que tudo terminara, perguntou aquela gentil funcionaria: – Agora, já posso receber a minha pensão?! – Não, Dª Joana, respondeu-lhe, penalizada, a funcionaria, ainda falta muito para a senhora receber a dinheiro da sua pensão.

De fato, o processo , ainda demoraria, numa nova e injustificada maratona processual, pelo menos 1 (um) ano no Juízo de 1° grau para julgamento dos Embargos a execução e 4(quatro) anos no Tribunal Regional Federal da 5ª Região para julgamento da apelação da sentença proferida nos Embargos a Execução e 6 (seis) meses no STF para a julgamento do recurso Extraordinário interposto.

A alegria de Dona Joana, a mulher do processo, já agora, com 76 (setenta) e seis anos de idade, de novo se acendeu, pensando que já poderia receber as pretendidas diferenças na revisão de seu beneficio e assim construir mais um quarto no seu barracão para abrigar a sua família que aumentara com a nascimento de mais um rebento de uma de suas filhas. E, com a face iluminada de alegria, disse a funcionaria:

– Ô, minha filha, que bom, agora eu já vou receber o meu dinheiro, não é?!

E a funcionaria, com duas lagrimas nos olhos, que pareciam rolar de sua face para ungir de esperanças aqueles cabelos brancos que representavam não só a velhice que chegara mas também as sofrimentos gerados por uma angustiada espera da justiça que não vinha, aos prantos informou a Dona Joana, que ainda faltava a precatório.

Dª Joana, surpresa, mas sem demonstrar qualquer irritação, disse a funcionaria:

– Minha filha , manda esse homem, vir logo, para eu receber o meu dinheiro!

Nova frustração, o justo sonho de Dona Joana seria mais uma vez adiado, por mais 5(cinco) anos, em razão da demora usual no pagamento do precatório.

Finalmente! o tão almejado recurso viera! Dona Joana, depois de nada menos de 16 anos de luta no Judiciário, já estaria apta a receber as diferenças tão ansiosamente por ela esperadas e construir o almejado quarto, suspirei aliviado! Mas qual! isso não seria possível , pois, Dona Joana falecera no curso da requisição de pagamento feita ao TFR, aos 81 (oitenta) anos de idade.

Mas essa evidente morosidade da justiça cível não pode ser debitada exclusivamente aos magistrados, como soe acontecer.

Como vista, no Relatório do Senador Bernardo Cabral, sobre a proposta de Emenda a Constituição n° 29, de 2000, que introduz modificações na estrutura do Poder Judiciário, as principais causas da lentidão da Justiça, segundo o ministro Carlos Veloso, do Supremo Tribunal Federal, são: o numero deficiente de juízes, a forma inadequada de seu recrutamento, a desaparelhamento do apoio administrativo no 1° grau, o formalismo excessivo e o sistema irracional de recursos.

O referido relatório nos informa , analisando-se a aspecto referente ao numero deficiente de juízes, que “no Brasil, a relação atual é de um juiz para cada 30.000 habitantes”. Como comparação, na Alemanha , essa relação esta em um juiz para cada 3.863 habitantes. A proporção ideal, na visão da doutrina brasileira, não deveria ser maior do que um juiz para cada 10.000 habitantes.

Nós temos na 5ª Região , observada a proporção ideal, de um juiz Federal para cada 10.000 habitantes, num total de 24.638.000 habitantes um déficit de 1.892 juízes:

Suprindo 20% desse déficit , ter-se­-ia, a necessidade de se criarem 378 cargos de Juízes Federais Substitutos.

O Corregedor da Justiça Federal da 5ª Região, Dr. Francisco Queiroz Cavalcante, considera, em suas pesquisas, que o numero ideal de Juízes, levando-se em conta o numero de ações propostas, seria de 1 juiz para 500 processos e de 1 funcionário para 200 processos.

Considerando a atual tramitação de aproximadamente 440.000 processos na 5ª Região e observando-se a proporção ideal de 1 (um) juiz para 500 processos as e 1 (um) funcionário para 200 processos, temos na região um déficit de 779 juízes e 1.066 funcionários. Suprindo 20% do déficit, nesta proporção, ter-se-ia a necessidade de se criarem 155 cargos de juiz Federal substituto e 203 cargos de apoio administrativo nas seções Judiciárias da 5ª Região.

Conforme se observa, com um déficit tão grande de juízes e de funcionários, não se pode debitar a morosidade nos julgamentos na 5ª Região, exclusivamente, aos juízes federais.

Penso eu, assim, que não e um rito processual mais curto que, por si só, ira corrigir essa tardia e, na maioria dos casos, desumana entrega da prestação jurisdicional no âmbito da Justiça Federal.

Prova de que não e um rito processual curto que, por si só, torna mais célere a entrega da prestação jurisdicional, temos no procedimento sumaríssimo, que, na pratica, na Justiça Federal da 5ª Região, era um caminho processual, não obstante bem mais curto do que a rito ordinário, igual ou mais demorado do que a procedimento ordinário, pais a numero insuficiente de juízes e de funcionários refletia, marcantemente, tanto naquele como neste, na entrega tardia da prestação jurisdicional.

Juizados Especiais Cíveis no âmbito da Justiça Federal em comparação com Juízo Comum

Segundo dados do Coordenador dos Juizados Especiais Federais da 5ª Região, Desembargador Napoleão Maia Filho, dos 5.479 os ingressos dos feitos distribuídos no mês de Agosto/2001, excluídos os criminais e os distribuídos por dependência , 5.002 caberiam, se fosse o caso, aos Juizados Especiais. Observa-se, assim, que dos feitos distribuídos, 91% seriam da competência dos Juizados Especiais federais,.

Enquanto que, no Juízo Cível comum da Justiça Federal, uma causa proposta por um segurado da Previdência Social pode levar, como já demonstrado, ate 16 (dezesseis) anos para a efetiva entrega e cumprimento da prestação jurisdicional, no Juizado Especial Cível , se instalado com numero suficiente de Juízes e com um apoio administrativo dotado de funcionários e equipamentos adequados, levara, no Maximo 2(dois) anos, a vista da eliminação de recursos eminentemente protelatórios que assoberbam os Tribunais Regionais Federais e as cortes superiores.

No caso fictício narrado, se a época em que Dona Joana propusera a ação, pleiteando as diferenças de benefícios, já tivesse sido instalado a Juizado Especial Cível Federal, dotado de todas as condições para o seu normal funcionamento, certamente, já as teria recebido em vida e realizado a seu almejado sonho, qual seja a de construir um cômodo em seu barracão e assim lhe teria sido feita a justiça que esperou e em que tanto confiou ate a sua morte. Pobre Dona Joana!

Na verdade o Juizado Especial Cível Federal é uma Justiça nova e que trará excelentes resultados no que se refere a celeridade da entrega da prestação jurisdicional, se houver dotação orçamentária especifica para a criação de cargos de juízes e de servidores.

Penso eu que as suas regras ,com algumas adaptações , poderiam ser adotadas nos demais processos, saldando assim parte dos débitos de um Poder Judiciário, quase falido e desalentado, para com a sociedade brasileira.

Uma nova Justiça e um novo Juiz

A nova Justiça, consubstanciada na Justiça Cível Especializada Federal, surgida com a Lei n° 10259/2001, movida predominantemente no sentido da conciliação das partes envolvidas, é uma justiça que se despe de vários segmentos procedimentais inócuos e eminentemente protelatórios que lhe permite torná-la mais célere e portanto mais humana e essa justiça exige um juiz que a ela se amolde e também se dispa de quaisquer preconceitos ligados ao processo lento e desumano da justiça tradicional, exige, em fim, a figura de um juiz que vista de forma efetiva a sua camisa.

É sabido que as ações previdenciárias representam um percentual de 90% das ações em tramitação na Justiça Federal. Quase 100% dessas ações a partir de janeiro de 2002 deverão ser propostas no Juizado Cível Especializado que, adequadamente estruturado e funcionando a todo pavor, entregara de forma efetiva e rápida a prestação jurisdicional aos seus principais destinatários, quais sejam as jurisdicionados mais carentes.

Com a instalação do Juizado Cível Especializado Federal, e vestindo-se a Justiça Federal de outros mecanismos, entre os quais um planejamento estratégico em que se insira um Plano de Gestão e programa de qualidade tão bem expostos, no recente Seminário de Planejamento estratégico pela Juíza Federal, Elizabeth Leão, da Seção Judiciária de São Paulo e pelo Desembargador federal do TRF da 4ª Região, Edgar Lippman, grande parte de sua divida para com a sociedade ser resgatada, em curto tempo.

Não obstante a inexistência , no Juizados Especiais federais, de cargos de juiz e de servidores é muito menos prevenção orçamentária especifica, como bem ressaltado pelo Corregedor da Justiça Federal da 1ª Região Juiz Eustaquio Vieira, o que obrigará a Justiça Federal a instalar os novos órgãos judiciais com os recursos financeiros e humanos de que dispõe, os quais, já são insuficientes para as suas necessidades, não obstante tudo isso repita-se, pode-se buscar suprir a falta de funcionários e de juízes leigos, firmando-se convênios com a Poder Executivo Federal, Estadual e Municipal na cessão de funcionários que c estes sejam excedentes e a necessária cooperação no resgate desta divida que não e só da Justiça Federal, mas do Governo no seu todo.

Mas para que esse salutar remédio, consubstanciado na criação do Juizado Especial Federal Cível , produza os seus esperados resultados, torna-se necessária a remoção urgente do tumor, representado na 5ª Região, por mais de 200.000 (duzentos mil) que seriam em tese da competência dos Juizados Cíveis Especiais Federais e que ficarão, por força de lei, ainda na competência das varas comuns federais.

Sugiro, que essa “cirurgia” consista em um mutirão a ser levado a efeito ,em todas as Seções Judiciárias da 5ª Região, objetivando a definitiva entrega da prestação jurisdicional e respectivo cumprimento, em um prazo de aproximadamente 2 (dois) anos, referente as Ações Previdenciárias, anteriores a instalação dos Juizados Especiais Federais. Esse mutirão deve-se iniciar na Seção Judiciária do Ceara onde deverão permanecer, nas varas comuns, nada menos do que 150.000(cento e cinqüenta mil) processos.

Para esses mutirões seriam convocados alguns juízes e servidores das Seções Judiciárias menos carentes, tais como as de Alagoas, Sergipe, Paraíba e Rio Grande do Norte, onde a quantidade dos processos, em tese da competência do Juizado Especial, que remanescerem, será bem menor.

A luta será árdua , mas em nenhum momento “a toalha devera ser jogada” deve­se buscar ir ate a ultimo “round” e a vitória, que, por certo, vira, será não só da Justiça Federal da 5ª Região, mas de todo o Poder Judiciário!