Edição 130
Portador de HIV e exame involuntário: breve reflexão sobre a decisão do STJ acerca do direito à intimidade
30 de junho de 2011
Cristiano Villela Pedras Analista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro
Em recente julgamento realizado em 22 de março de 2011 (REsp 1.195.995/SP ‒ Informativo no 467), a 3a Turma do STJ apreciou uma questão delicada, até então inédita na Corte, que envolve o tema dos direitos fundamentais e a amplitude conferida pelo ordenamento jurídico ao direito à intimidade.
O caso submetido à Corte refere-se a uma ação indenizatória proposta em face de hospital, em que alegou o autor que um preposto da instituição, de forma negligente, realizou exame anti-HIV não solicitado, cujo resultado foi positivo, causando-lhe, assim, dano moral, com manifesta violação de sua intimidade.
A tese que acabou por prevalecer, contudo, ficando vencida a relatora, ministra Nancy Andrighi, considerou que o suposto direito à intimidade do indivíduo sucumbiria a um direito maior: o direito à vida longeva e saudável. Argumentou-se que a garantia de tal direito somente foi possível após a revelação ao paciente da informação sigilosa a respeito de seu verdadeiro estado de saúde. Seria essa a melhor solução para o caso?
Uma análise da jurisprudência recente do STJ revela a existência de precedentes na Corte no sentido do cabimento da indenização por danos morais nas hipóteses do chamado “falso positivo”. O argumento comumente utilizado é o de que o dever de reparar o dano advém do defeito na prestação de um serviço de caráter público. São exemplos dessa tese as decisões tomadas no REsp 1.071.969/PE e no REsp 708.087/PE, dentre outras.
As indagações que se colocam residem no problema da ética e do Direito. Afinal, no caso de exame de sangue não solicitado, configuraria a divulgação de seu resultado ao paciente um serviço defeituoso? Ou seria o caso de se considerar ausente a própria configuração do dano moral, presente o dever ético do médico de comunicar ao paciente sua real condição de saúde?
Se por um lado parece razoável a tese de se estar oportunizando ao indivíduo maiores chances de sobrevida, além de se estar protegendo indiretamente a saúde de terceiros, por outro aspecto, poder-se-ia ponderar até que ponto assistiria ao indivíduo o direito de nada saber a respeito de seu verdadeiro estado de saúde em nome de uma vida mais curta, porém sem preocupações. Nesse sentido, as ponderações colhidas de acórdão da própria 3a Turma do STJ, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi: “A descoberta, por qualquer ser humano, de sua condição de portador do vírus do HIV é extremamente dolorosa. A dor, porém, aumenta se tal descoberta se dá por ocasião de exames de rotina” (REsp 1.049.189/SP).
Certamente, todas essas questões são tormentosas e, ao que tudo indica, estão longe de estar pacificadas pela jurisprudência, na medida em que ainda não chegaram aos órgãos colegiados mais representativos das Cortes Superiores de Justiça, como o são as Seções e a Corte Especial do STJ, assim como o Plenário do STF.
A decisão do STJ suscita, assim, um debate que precisa ser aprofundado por toda a sociedade civil, por profissionais da saúde e por juristas, não devendo ficar restrita ao âmbito judiciário.