É preciso reafirmar a soberania da Constituição

31 de maio de 2008

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O ministro Celso de Mello, falando como decano e em nome de seus colegas, ressalta o peso jurídico-político da Constituição, dissertando sobre a sua inviolabilidade e a função de guardiã de nossa Lei Fundamental exercida pela alta Corte, conforme trechos destacados de seu discurso proferido na posse de Gilmar Mendes na presidência do Supremo Tribunal Federal:
“O espírito deste Supremo Tribunal, que nos envolve a
todos, juízes do passado e do presente, confere-nos uma
identidade comum, confirmada, a cada momento, pelos desafios, pelas crises e pelos dilemas de gerações de magis­tra­dos, que, tendo assento nesta Suprema Corte – e agindo com dignidade e notável percepção das exigências éticas impostas pela consciência democrática –, foram sempre capazes de se opor, em instantes cruciais da vida política nacional, a estruturas autoritárias que buscavam mo­nopolizar, com absoluta arrogância e avidez de poder, o controle institucional do Estado e o domínio político da sociedade civil.”
“O exame comparativo da Constituição de 1988 com aquelas que a precederam revela e permite ressaltar a importância, a originalidade e o caráter inovador que qualificam a nossa vigente Lei Fundamental – elaborada e aprovada, em ambiente de plena liberdade, pelos representantes do povo brasileiro reunidos em Assembléia Nacional Constituinte.”
“É justo, portanto, que esta Suprema Corte, tornada fiel depositária da preservação da autoridade e da supremacia dessa nova ordem constitucional, por deliberação soberana da própria Assembléia Nacional Constituinte, reafirme, uma vez mais, o seu respeito, o seu apreço e a sua lealdade ao texto sagrado da Constituição democrática do Brasil.”
“Nesse contexto, incumbe, aos juízes e tribunais, notadamente a esta Corte Suprema, o desempenho do dever que lhes é inerente: o de velar pela integridade dos direitos fundamentais de todas as pessoas, o de repelir condutas governamentais abusivas, o de conferir prevalência à essencial dignidade da pessoa humana, o de fazer cumprir os pactos internacionais que protegem os grupos vulneráveis expostos a práticas discriminatórias e o de neutralizar qualquer ensaio de opressão estatal.”
“Nenhum dos Poderes da República pode submeter a Constituição a seus próprios desígnios ou a manipulações hermenêuticas ou, ainda, a avaliações discricionárias fundadas em razões de conveniência política ou de pragmatismo institucional, eis que a relação de qualquer dos Três Poderes com a Constituição há de ser, necessariamente, uma relação de respeito incondicional, sob pena de juízes, legisladores e administradores converterem o alto significado do Estado Democrático de Direito em uma palavra vã e em um sonho frustrado pela prática autoritária do poder.”
“A consciência da alta responsabilidade institucional de que é depositária esta Corte não nos permite desconsiderar o fato de que nada compensa a ruptura da ordem constitucional, porque nada recompõe os gravíssimos efeitos que derivam do gesto de infidelidade ao texto da Lei Fundamental.”
“É por isso que posso afirmar, senhor Presidente, que esta Suprema Corte – que não se curva a ninguém, nem tolera a prepotência dos governantes, nem admite os excessos e abusos que emanam de qualquer esfera dos Poderes da República – desempenha as suas funções institucionais e exerce a jurisdição que lhe é inerente de modo compatível com os estritos limites que lhe traçou a própria Constituição.”
“Na realidade, o Supremo Tribunal Federal, ao suprir as omissões inconstitucionais dos órgãos estatais e ao adotar medidas que objetivem restaurar a Constituição violada pela inércia dos Poderes do Estado, nada mais faz senão cumprir a sua missão constitucional e demonstrar, com esse gesto, o respeito incondicional que tem pela autoridade da Lei Fundamental da República.”
“A omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional – qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência (ou insuficiência) de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.”
“O fato inquestionável é um só: a inércia estatal em tornar efetivas as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela Constituição e configura comportamento que revela um incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e pelo alto significado de que se reveste a Constituição da República.”
“O que se mostra importante reconhecer e reafirmar é que nenhum Poder da República tem legitimidade para desrespeitar a Constituição ou para ferir direitos públicos e privados de seus cidadãos. É preciso, pois, reafirmar a soberania da Constituição, proclamando-lhe a superioridade sobre todos os atos do Poder Público e sobre todas as instituições do Estado.”