A Diretoria da Revista Justiça e Cidadania, sob o comando firme e fraterno do Dr. Tiago Salles, em boa hora decidiu publicar um livro sobre o tema que dá título a este despretensioso Prefácio. E mais: o faz de forma pioneira, eis que o compõe artigos de todos os ministros que integram a Corte Suprema, além de professores e juristas consagrados.
Para mim, é imensamente honrosa esta colaboração, uma vez que tenho difundido, amiúde, a crença pela afirmação da liberdade e por entendê-la no sentido pela qual deve ela ser entendida, não apenas pelo conceito de que o ser humano é livre por natureza, o que não faz sentido. Sobretudo porque os que não têm a consciência da liberdade, aqueles que aceitam qualquer exigência, deste ou daquele dogma ou situação política, estão além dos postulados da liberdade.
Não posso deixar de salientar que, na soalheira árida do deserto dos direitos humanos, a liberdade, sem licenciosidade e contida dentro das nossas regras morais, há de ser concedida aos que por ela lutam, mais cedo ou mais tarde, pois não é justo que se lhes deixem apenas a concessão do fugaz benefício de dias melhores.
É de uma pontiaguda evidência que nenhuma ventura é fácil de ser conquistada, a não ser à custa de muita luta, muito sacrifício, pois não se pode falar em liberdade com a prática da omissão, esse subproduto do nada e do não.
Nesse passo, se torna oportuno breve comentário sobre imprensa e liberdade versus censura, temas centrais desta obra.
Não pretendo deter-me no histórico da censura, pois ela vem de longe e era exercida de forma drástica pelo poder civil e celestial (Santo Ofício), a ponto de serem proibidos os prelos e as oficinas. Salto o tempo e me situo no Século XX, em dezembro de 1940, quando, no auge da ditadura, Getúlio Vargas cria o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), controlando imprensa e rádio, acabando por vetar o registro de 420 jornais e 316 revistas.
Mais tarde, com a edição do Ato Institucional nº 1, o primeiro editado pelo Governo Militar – em abril de 1964 – instala-se rigorosa censura na imprensa, no rádio e na televisão. Meses depois, com o Ato Institucional nº 2, em 27 de outubro de 1965, ao então presidente da República foi permitido violar a liberdade de imprensa.
A seguir, em 13 de dezembro de 1968, é editado o Ato Institucional nº 5, que fecha o Congresso Nacional e oficializa a censura, mostrando como é difícil encontrar um governo que tenha apreço pela liberdade de imprensa, e a prova maior – e não é por mero acaso – é que as ditaduras sempre a controlaram, sobretudo através da censura.
Já na atualidade, a tentativa de encurralar os principais veículos de imprensa foi pela via obliqua – resultou em fracasso – a criação do chamado Conselho Nacional de Jornalismo.
É justo o aplauso que se deve à Constituição Federal de 1988, que proíbe a existência de lei que contenha dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social. E mais: enfatiza a vedação de qualquer censura política, ideológica e artística (art. 220, parágrafos 1º e 2º).
Faço essa digressão porque estou preocupado com o populismo que, infelizmente, vem sobrepujando a democracia liberal e confirmando que quem não aprende a lição da História corre o risco de repetir os erros cometidos no passado.
Trago à colação a semelhança entre os que assumiram o poder na Hungria, Filipinas, Polônia, Índia e Turquia, onde o traço característico é o populismo autoritário, muto embora a Índia seja considerada a democracia mais popular do mundo e a Polônia seja aclamada como o mais bem sucedido caso de transição pós-comunista.
Portanto, se esses autoritários que conquistaram o poder – dando sinistro exemplo a certos e conhecidos seguidores – e conseguirem consolidar o seu domínio populista sobre os seus respectivos países, fica incomodamente óbvio certificar que a ascensão do sentimento populista está num crescendo, em razão dos defensores da chamada democracia liberal estarem cedendo seus espaços, permitindo um grande golpe contra a liberdade em direção a uma ditadura e, em especial, à imprensa.
Aliás, tenho reiterado, sempre que é necessário colocar em relevo, que uma imprensa controlada pelo Estado ou pelas elites dominantes pode ensejar a eclosão de não apenas uma, mas duas ou várias ditaduras numa mesma região. Volto a dizer: nenhuma nação conseguirá se desenvolver ou viver em harmonia se não for protegida e estimulada por uma imprensa livre.
Imprensa amordaçada ou maculada pela censura não subsiste à democracia e, sem esta, o mundo moderno nos ensina claramente que as nações não sobrevivem.
Ademais – e me aproximo do final desta singela contribuição –ditadura, em qualquer época, não deve ser exemplo para país nenhum e, para muitos, deveria servir de lição.
É com as ditaduras que os sinos dobram pelas exéquias da democracia.
Rio de Janeiro, 11 de julho de 2022