Princípio da colaboração no projeto de CPC brasileiro

28 de abril de 2014

Compartilhe:

Jose-MarcosDesafio inarredável da elaboração de qualquer código de processo, há que ser obtida a harmonia entre as medidas de utilização dos princípios dispositivo e inquisitivo. É que o direito a merecer in concreto a tutela jurisdicional pode distanciar-se da descrição empreendida pelo autor, tanto quanto da encetada pelo réu, na interinfluência dos elementos objetivos da ação e da defesa.

Avizinhamo-nos, presentemente, de um Código de Processo que irá prosseguir, desde a delimitação da res in iudicum deducta, o resultado de colaboração das partes com o juiz (Art. 8o (versão aprovada no Senado)).

O Projeto pretende realizar a mitigação da velha imparcialidade, dogma ou princípio absoluto, para impedir que seja levada a ponto de, por falso escrúpulo, propiciar julgamento com consciente desinformação do órgão judicante, quando já os debates orais em audiência não lhe permitam regresso aos trâmites em que verificada omissão de alguma das providências preliminares.  Afortunadamente, o futuro Código repudia a posição do juiz au dessus de la melée.

Suposta a fixação da controvérsia, antecedente necessário da produção da prova, cabe discernir o que se busca de interação entre os princípios dispositivo e inquisitivo: a integral discussão da causa, que, como adverte GIUSEPPE DE STEFANO, consiste no atingir a fatos ulteriores, diversos daqueles da formulação imediata do problema – os motivos para uma atendível solução (Il Notorio nel Processo Civile, Giuffrè, Milano, 1947, p. 14).  É que, sob pena de cognição insuficiente, a imediatidade (em audiência) tem sua eficácia – suporte remoto da eficácia da sentença – dependente de que a produção da prova seja dirigida ao esclarecimento da matéria de fundamento do pedido e da resposta e, pois, da seleção dos fatos relevantes da relação jurídica de ação, em que se traduz o processo.

O justo processo agora induz o aprofundamento do contraditório, o exercício da cognição até o plano da realidade pré-processual, isto é, dos interesses em conflito.  Volte-se a DE STEFANO (ob. e loc. cit.), em sua antevisão de que os fatos influentes sobre a solução dados pela formulação imediata da controvérsia, são uma porção mínima do plano do direito substancial, a ser trazido mediante aquisição processual.

A cognição, sem quebra da imparcialidade, há de descer, do confronto dos fatos constitutivo e impeditivo ou extintivo alegados, à exploração de suas respectivas circunstâncias, que restam vertidas em argumentos de prova.  É ainda do jurista citado, que o accertamento somente tem relevância jurídica se os aspectos interindividuais forem de estrutura socialmente apreciável e não puramente interiores, porque não se adverte menos a necessidade de tutela jurídica na vida social de quanto o seja na vida individual (ob. cit., p. 15).

Desde quando, por reprováveis excessos embora, se degradou a sociológica a lide, perdeu-se contato com suas elementares objetivas – os bens e os interesses conflitantes – atributivos de profundidade aos habitualmente invocados pedido e causa de pedir. Em grau de recurso, todavia, fala-se, pacificamente, em extensão e profundidade do efeito devolutivo.  Diga-se até mesmo que, a propósito, se cuidou de preferindo-se a proposição do Art. 469, CPC, com que definidos por exclusão os limites objetivos da coisa julgada.  Aos elementos da lide, como a recuperar-se, se refere o Código vigente, na regra, esta em proposição afirmativa, do Art. 468, CPC, que devolve os referidos limites à lide e às questões decididas, tanto quanto o Art. 128, CPC, alude à lide proposta.

Faz-se, por isso, saliente, a consagração de regras-fins e regras-meio, tal sistema de colaboração-informação, introduzido no Projeto:

A solução da lide, integral, inclusiva da atividade satisfativa (Art. 4o), dever do juiz atendível mediante a delimitação de todas as questões de fato e de direito (Arts. 8o e 342o).

A abrangência das questões prejudiciais pela expressão conclusiva do mérito da causa – vale dizer que a serem expressamente decididas, já definidamente por determinação legal (Art. 20), diretamente ou por remissão, no dispositivo sentencial (Arts. 20 e 476, III) – atendível mediante injunção ao contraditório ou direto exercício do caráter dúplice da ação, reconvencional ou declaratório incidente (Arts. 10 e 326).

A qualificação da força de coisa julgada como autoridade, agora que deriva, quer para os pedidos quer para as prejudiciais expressamente decididas (Art. 490), da preclusão exauriente de questões (Art. 476, Parágrafo unico, IV).

Dir-se-á que o Projeto apostou em altas qualidades do julgador: só que dependentes, todas elas, de simétricas qualidades dos advogados, ao conferir-lhes o direito de participação ativa (Art. 5o), a influir na fixação e na solução dos pontos controvertidos.

Cumpre destacar, sobretudo, que o Projeto busca delimitar, em profundidade (e não mais só em extensão), o objeto litigioso – operando a (nunca empreendida) tarefa de determinação do interesse subjacente aos alegados direitos, no que superada, aliás, a atávica insuficiência conceitual do direito subjetivo.

Considere-se que, de sua vez, o Código Buzaid, apoiado instintivamente na imparcialidade do juiz – por isso que clássica (absoluta) – contenta-se com a imediatidade, princípio da audiência.  Assim, ao exigir do Réu que se manifeste precisamente sobre os fatos alegados pelo autor, a ponto de fazer presumidos verdadeiros os fatos não impugnados, coerentemente deveria impor ao autor a formulação igualmente precisa das circunstâncias de fato.   Mais grave a incoerência, depois de suprimida do rol do Art. 17, CPC, a figura da litigância de má-fé por omissão de fato essencial ao julgamento da causa.

Ao falarmos, portanto, de fatos essenciais ao julgamento, dando como admissível, na sistemática legal vigente, que possam ter sido omitidos pela parte, convencemo-nos da admissibilidade atualmente implícita de o juiz julgar sem algum dos elementos essenciais à sua convicção.  Eis a imparcialidade, d. v., parcimoniosa. Falaríamos, na tradição do Código de 1973, do constante risco de apelo à verdade formal, como meio de se elidir a insuficiência argumentantiva surpreendida no eixo interpretativo.

O Projeto (sem se esquecer das virtudes – outras – do Código Buzaid) quer abolir o misterioso escrúpulo de se distinguir entre livre convencimento do julgador e livre argumentação sentencial. A preclusão de questões dita a força da argumentação – a autoridade – agora convenientemente distinguida da eficácia sentencial.  E nisto consiste a cognição, em extensão e profundidade.

A fim de que o julgamento não se desgarre do pedido, mas também para que não seja dado à parte, corifeu do princípio dispositivo, subtrair à cognição do juiz relevante circunstância interferente na etiologia do fato jurídico descrito nas alegações, loas sejam tecidas ao Projeto.

Vista a finalidade do processo como a atuação do direito (subjetivo); vista a lide como obstáculo (removível) à atuação do direito – no que, como de sabida lição, as proposições se identificam: o Projeto terá decifrado a polêmica dos processualistas, os da ação, e os da lide, para resolvê-la no concerto legislativo dos princípios dispositivo e inquisitivo. Bem definida a consciência do julgador, o objeto do processo se reconhece, afinal, como a lide nos limites do pedido.  Tanto quanto a fundamentação da sentença alinha os motivos, resultantes sistemáticas das razões da pretensão e da resistência, definidas desde a totalidade dos pontos controvertidos.