Edição

O novo Procurador-Geral da República

16 de outubro de 2013

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Rodrigo-Janot“Não esqueçamos, contudo, que ‘Ministério Público’ quer dizer, essencialmente, ‘Serviço do Povo’. No significado mais básico do nome da nossa instituição está a nossa maior missão: o ‘poder servir ao público’, na dimensão mais plena da carreira que abraçamos.”
Trecho do discurso de posse de Janot, em 17 de setembro

Em cerimônia realizada a 17 de setembro, Rodrigo Janot Monteiro de Barros tomou posse no cargo de procurador-geral da República, para um mandato que se encerrará em setembro de 2015. Um mês antes, ele foi escolhido pela Presidente da República, Dilma Rousseff, para substituir Roberto Gurgel, que deixou o cargo em agosto, após um período de quatro anos.

Ao lado do Vice-Presidente da República, Michel Temer, do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa e dos ministros daquela Corte, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Luiz Fux, a chefe da nação esteve presente na cerimônia de posse, realizada na sede da Procuradoria-Geral da República, em Brasília. Em nota oficial, Dilma Rousseff classificou como “brilhante” a carreira do novo procurador-geral da República, afirmando que Janot reúne todos os requisitos para chefiar o Ministério Público com independência, transparência e apego à Constituição.

O novo procurador-geral atuará em processos no STF, sendo responsável por investigar e pedir abertura de ações contra autoridades com foro privilegiado no Supremo, como parlamentares e a própria presidente. Sua postura já pôde ser vislumbrada no dia seguinte à posse, em 18 de setembro, quando o STF decidiu por seis votos a cinco, pela validade dos embargos infringentes interpostos pelos réus da Ação Penal 470, o “Mensalão”. Dois dias depois, em declaração ao jornal O Globo (versão on-line de 20/9/2013), Janot anunciou que não pediria a prisão dos “mensaleiros” antes do trânsito em julgado do processo no STF. Apesar disso, concordou com a tese defendida pelos ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello, de que o Supremo pode antecipar a execução das penas, se considerar que estão esgotados os recursos aos quais os réus têm direito.

Sabatina e atuações anteriores
Com 56 anos de idade, Janot era o primeiro colocado na lista tríplice encaminhada à presidência da República pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), entidade que presidiu no biênio 1995-1997. Ele também foi, por três vezes, conselheiro do Conselho Superior do Ministério Público Federal (MPF).

A sabatina na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado ocorreu em 29 de agosto, quando Janot foi aprovado por 22 votos favoráveis (apenas dois contra). Na ocasião, ele defendeu mais transparência na divulgação das ações do Ministério Público e prometeu maior diálogo com os parlamentares. Também anunciou que considerava importante criar uma Secretaria de Relações Institucionais, diretamente ligada ao procurador-geral da República, com atuação permanente junto ao Congresso Nacional. Também está entre suas intenções ampliar o diálogo entre as instituições, apresentar balanços anuais de atividades ao Congresso Nacional e aumentar a interação com a sociedade.

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, Rodrigo Janot é especialista em Direito Comercial e mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Possui especialização na Scuola Superiore di Studi Universitari e di Perfezionamento S. Anna, da Itália, na área de Meio Ambiente e Direito do Consumidor.

Janot ingressou na carreira de Procurador da República em 1984. Foi procurador-chefe substituto da PR-DF de 1984 a 1987, promovido a procurador regional da República em maio de 1993 e a subprocurador-geral da República em outubro de 2003, com atuação perante o STF. Foi coordenador de Meio Ambiente e Direitos do Consumidor da PGR de 1991 a março de 1994; secretário-geral do MPF, de 2003 a 2005; coordenador-geral do Centro de Pesquisa e Segurança Institucional do MPF; diretor-geral da Escola Superior do Ministério Público da União; e membro das 7ª, 3ª e 5ª CCR’s. Também atuou como professor titular de Direito Processual Civil I da Universidade do Distrito Federal (UDF) até 1995 e secretário de Direito Econômico do Ministério da Justiça de abril a dezembro de 1994.

Discurso
“Não poderia iniciar meu pronunciamento nesta solenidade de posse sem, antes, destacar a honrosa presença da Excelentíssima Presidenta da República, Dilma Rousseff, na Casa do Ministério Público. Receba, senhora presidenta, nossas homenagens e nosso reconhecimento por esse gesto, expressão inequívoca do desejo – que é recíproco – do diálogo e do entendimento.

Destaco, igualmente, a ilustre presença dos presidentes do Senado Federal, Renan Calheiros, da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves, e do Supremo Tribunal Federal, Ministro Joaquim Barbosa. Todos, e cada um, recebam meu cordial agradecimento.

Foi um longo caminho por mim trilhado desde o Ministério Público até a tarde de hoje. Um caminho que começou no ano de 1984, quando eu, aprovado em concurso público, entrei para a instituição que portava o mesmo nome hoje ostentado, mas cujas funções foram profundamente alteradas no passar dos anos. Naquela época, não havia independência – as garantias eram poucas e em menor espectro, e as condições materiais eram espartanas. Parafraseando Ferreira Gullar, o ‘pão era caro, e a liberdade, pequena’.

Havia, porém, esperança daqueles que singravam aqueles mares revoltos. A democracia, então ausente por demasiado tempo, já não tardaria a voltar e traria consigo um Ministério Público profundamente renovado: um Ministério Público construído com base na noção fundamental de que, sem o fortalecimento democrático, não se faz justiça, sem justiça não há igualdade e, sem igualdade substantiva, não há como vicejar o desenvolvimento pessoal, social e econômico. Dependia de nós, então jovens procuradores da República, a missão de concretizar a relevância institucional do Ministério Público que nascia. Pusemos, então, mãos à obra.

O momento constituinte e a Carta que dele resultou propiciaram o instrumental necessário ao maior protagonismo do Ministério Público. A vinda de leis como a da Ação Civil Pública, da Improbidade Administrativa e o Código de Defesa do Consumidor abriram os espaços de atuação necessários para consolidar nossa instituição como a primeira defensora em juízo da sociedade brasileira. A Constituição de 1988 fez do Ministério Público traço marcante da fisionomia institucional do Estado brasileiro. Algumas das atribuições que nos foram dadas pela nova Carta, como o controle externo da atividade policial e a defesa dos direitos dos indígenas, estão diretamente ligadas à nossa capacidade e à nossa condição de agentes de transformação social.

As décadas seguintes trouxeram tempos efervescentes para o Ministério Público. Refundados e rejuvenescidos, fomos à luta. Acertamos? Sim! Erramos? Também! Não é exagero, contudo, afirmar: o Brasil não mais seria o mesmo após o fortalecimento constitucional da função institucional do novo Ministério Público.

Conforme lembrado por mim quando da sabatina perante o Senado Federal, Tancredo Neves – notável político e eminente conterrâneo – asseverou, certa feita, que ‘cidadania não é atitude passiva, mas ação permanente, em favor da comunidade’.

Nesse contexto, tem-se que, de forma paulatina, mas sólida, a cidadania vem sendo fortalecida em solo nacional. É claro que ainda temos, como nação, um longo caminho a percorrer para chegar a uma sociedade mais justa e igualitária; porém, a atual realidade brasileira mostra o poder público mais comprometido na gestão do que é de todos; mais cauteloso quando adquire bens e contrata serviços. Hoje, não é difícil encontrar empresas estatais e privadas mais cuidadosas com o meio ambiente; observa-se maior denodo com as demandas dos hipossuficientes e o combate diuturno à corrupção e à impunidade.

É certo que nenhum desses avanços deve-se exclusivamente à atuação do Ministério Público, mas não menos certo é que há em todos eles a presença de nossa atuação. Ser Ministério Público é viver o bom combate; é, na essência, retomando a lição de Tancredo, estar em permanente ação em prol da sociedade.

Para continuar a contribuir na construção de um Brasil mais justo – desejo que é compartilhado por todos nós –, o Ministério Público tem o inadiável desafio de dar continuidade à própria evolução nas diversas frentes de sua atuação. Tal evolução, penso eu, somente alcançável pelo fortalecimento da importância do diálogo. Diálogo dentro do Ministério Público, diálogo fora do Ministério Público, diálogo com os mais diversos atores sociais, públicos e privados.

A predisposição para o diálogo não significa renúncia à nossa missão constitucional. O Estado de Direito impõe que a atuação ministerial seja sempre firme, comprometida com o ordenamento jurídico, do qual emana sua autoridade. Ser firme no exercício desta, entretanto, não se confunde com inflexibilidade. Proponho, nesta tarde-noite, o desafio para que sejamos mais permeáveis à interação institucional, sem com isso abandonarmos, em nenhuma dimensão, a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses indisponíveis.

Reafirmo que a Procuradoria-Geral da República é a instância da deflagração do controle de constitucionalidade, da tutela do patrimônio público e social, e da persecução penal. Assim determina a Constituição, a qual juramos defender. Devemos, contudo, tornar-nos também uma instância de interlocução permanente entre os órgãos da administração pública, construindo ambiente propício à consecução dos objetivos comuns a todo o Estado brasileiro.

Assumo, hoje, o honroso cargo de Procurador-Geral da República. Não o faço em nome da ambição, menos ainda da vaidade pessoal. O cargo de Procurador-Geral da República é por demais relevante para ser reduzido a um projeto biográfico de conquista. Seu exercício deve servir como plataforma e alavanca para o engrandecimento de todo o Ministério Público brasileiro.

A esse respeito, uma palavra aos meus colegas: a ênfase das nossas relações interinstitucionais deve estar focada no que nos aproxima, e não no que nos afasta. Precisamos potencializar a noção de que o Ministério Público é uma instituição nacional, em lugar da já cansada e caricata imagem de sermos um arquipélago desunido. É por esse caminho, reforçado com a criação do Conselho Nacional do Ministério Público, que passa a energia necessária ao nosso fortalecimento.

Comecemos, a partir de hoje, um trabalho que só pode ser plural. Contem sempre comigo na defesa da independência de nossa instituição, prerrogativa atribuída, de forma capilarizada, a cada um de seus membros, os quais devem cumprir o desiderato constitucional com firmeza, coerência e responsabilidade. Não nos esqueçamos, contudo, de que Ministério Público quer dizer, essencialmente, Serviço do Povo. No significado mais básico do nome da nossa instituição está a nossa maior missão: ‘poder servir ao público’, na dimensão mais plena da carreivwvra que abraçamos.

Gostaria, também, de exaltar, nesta oportunidade, a qualificação do corpo técnico de servidores do Ministério Público, sem os quais seria impossível o exercício de nossas funções. Às senhoras e aos senhores, expresso meu reconhecimento e, estou certo, o da sociedade pelo empenho e pelo profissionalismo, não sem antes conclamá-los a, juntos, continuar engrandecendo nossa instituição.
Hoje não é um ponto de chegada, mas posso afirmar que é muito mais que um ponto de partida: pretendo que seja um ponto de inflexão, um ponto de mudança. Louvando as conquistas e a atuação de todos aqueles que me antecederam nesta cadeira, aos quais rendo minhas sinceras homenagens, comprometo-me a seguir aperfeiçoando e profissionalizando a atuação do Ministério Público.

Peço vênia para citar Eduardo Galeano: ‘A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos, e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.’ Com esse norte, ao final da gestão, tenho a utopia de, quando olhar para trás, sentir-me merecedor da confiança em mim depositada para o exercício do impressionante leque de atribuições que me espera.

Muito obrigado a todos!”