Projeto da Defensoria Pública de São Paulo garante à população o direito à saúde

18 de janeiro de 2012

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Entrevista: Renata Flores Tibyriça, coordenadora do Projeto “Obtenção de Medicamentos Extrajudicialmente”
Uma iniciativa da Defensoria Pública de São Paulo tem assegurado à população carente desse estado acesso a remédios e a tratamentos médicos especializados. Isso, sem que os cidadãos necessitem recorrer ao Poder Judiciário. Trata-se do Projeto “Obtenção de Medicamentos Extrajudicialmente”, vencedor do Prêmio Innovare, criado para disseminar práticas positivas realizadas no campo da prestação jurisdicional. O programa é atualmente coordenado pela defensora Renata Flores Tibyriçá. Ela conta à Revista Justiça & Cidadania como esse trabalho é realizado, assim como as dificuldades para sua consolidação e resultados que este programa vem proporcionado.
De acordo com Renata, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo tinha, contra o Estado de São Paulo, diversos processos relacionados à obtenção de medicamentos e insumos nos postos de saúde e hospitais estaduais. A maioria das ações até tinham liminares concedidas, mas nem sempre de imediato. Além disso, ainda havia casos em que a liminar não era concedida.
“O número de ações era crescente e verificou-se que muitos dos medicamentos, insumos e produtos estavam disponíveis, mas não necessariamente no local onde o paciente havia tendo que obter. Visando buscar uma solução mais célere para estes casos, evitando-se a propositura de ações judiciais, principalmente nos casos de medicamentos que fazem parte da lista do Sistema Único de Saúde, a Defensoria realizou uma parceria com a Secretaria de Saúde do Estado para o recebimento extrajudicial de medicamentos, insumos e aparelhos quando o paciente não consegue obtê-los na rede pública de saúde”, afirmou.
O projeto foi instituído, beneficiando diversas pessoas. Em 2009, foi ampliado para atender municípios da grande São Paulo, onde há unidades da Defensoria. No entanto, Renata defende mais planejamento pelo Poder Público para assegurar à sociedade o direito à saúde como instituído pela Constituição.
Leia a íntegra da entrevista.

Revista Justiça & Cidadania – Como e quando surgiu essa prática que visa à obtenção de medicamentos?
Renata Flores Tibyriçá – A Defensoria Pública do Estado de São Paulo vinha recebendo muitos pedidos para a obtenção de medicamentos, insumos e produtos médicos de pacientes que não conseguiam obtê-los na rede pública de saúde. Em razão destas reclamações de violação do direito à saúde, a Defensoria ingressava com ações judiciais visando sua obtenção. O número de ações era crescente e verificou-se que muitos dos medicamentos, insumos e produtos estavam disponíveis, mas não necessariamente no local onde o paciente havia tendo que obter. Visando buscar uma solução mais célere para estes casos, evitando-se a propositura de ações judiciais, principalmente nos casos de medicamentos que fazem parte da lista do SUS, a Defensoria realizou uma parceria com a Secretaria de Saúde do Estado para o recebimento extrajudicial de medicamentos, insumos e aparelhos quando o paciente não consegue obtê-los na rede pública de saúde. Devido ao sucesso do projeto, desde setembro de 2009 a parceria foi ampliada para atender também os municípios da Grande São Paulo onde há Unidade da Defensoria.
JC – A via extrajudicial de fato tem se mostrado mais eficaz que a judicial?
RF – Sim, a via extrajudicial tem se mostrado mais eficaz na medida em que reduziu mais de 80% as ações judiciais.
JC – Quais foram os resultados obtidos desde a implantação da prática e quantas pessoas são atualmente beneficiadas com a prática?
RF – Centenas de pessoas são beneficiadas com a prática, já que o projeto piloto realizado na Defensoria Pública com uma triagem farmacêutica deu tão certo que a Secretaria de Saúde acabou por criar um plantão administrativo da Secretaria Estadual da Saúde no A.M.E Maria Zélia, que hoje beneficia toda a população.
JC – A quem a Defensoria pública recorre para a obtenção dos medicamentos?
RF – Hoje, quem comparece à Unidade de Atendimento Inicial da Defensoria Pública (Avenida Liberdade, 32) ou às Unidades da Defensoria na Região Metropolitana e relata suas dificuldades na obtenção de medicamentos, recebe um formulário com os documentos necessários e encaminhamento para o plantão administrativo da Secretaria Estadual da Saúde, na A.M.E Maria Zélia (Rua Jequitinhonha, 360, setor 1, próximo à estação Belém do metrô). O atendimento é feito de segunda à sexta-feira, das 8 às 17 horas. Se o remédio constar na lista de medicamentos do SUS, o paciente é encaminhado para o posto mais próximo de sua casa onde o medicamento está disponível. No entanto, ele também poderá retirá-lo na própria A.M.E. Caso o item não faça parte da listagem da Secretaria, o paciente pode fazer um pedido administrativo, que será analisado e, sendo deferido, o remédio passará a ser entregue. Apenas se a Secretaria informar a impossibilidade de fornecimento do produto, o interessado deve retornar à Defensoria Pública para propositura de uma ação judicial.
JC – Quais foram as dificuldades enfrentadas para a implantação do projeto?
RF – As dificuldades são as mesmas inerentes a qualquer acordo: as negociações são um pouco demoradas, mas assim que efetivada a parceria os resultados foram notados de forma rápida.
JC – Existe alguma perspectiva de ampliação do projeto?
RF – Houve a ampliação do projeto para a Grande São Paulo em setembro de 2009. A ideia é ampliar para todas as cidades onde há unidade da Defensoria Pública no Estado de São Paulo.
JC – Os defensores contam com orientação de algum profissional da área da saúde sobre a real necessidade ou eficácia dos medicamentos ou tratamentos médicos solicitados pelo cidadão?
RF – Todas as ações propostas pela Defensoria sempre são propostas com relatório, assinado por médico, em geral do SUS, indicando a necessidade dos medicamentos e/ou tratamentos médicos solicitados pelo cidadão.
JC – Segundo dados do CNJ, existem atualmente quase 300 mil ações judiciais em curso no país, que visam à obtenção de medicamentos ou tratamentos médicos. Na sua avaliação, isso, de fato, representa um problema?
RF – O ideal é que não fosse necessária a propositura de ações judiciais para obtenção de medicamentos ou tratamentos médicos, já que o direito à saúde, como previsto no artigo 196 da Constituição Federal, é direito de todos e um dever do Estado. Assim, se o Estado cumprisse com este dever de forma eficiente, as ações judiciais não seriam necessárias.
JC – Quais soluções seriam necessárias, na sua avaliação?
RF – Acredito que falte ainda certo planejamento na área da saúde, pelo Poder Público, no Brasil. É importante que sejam realizados censos e até estatísticas sobre doenças crônicas sem previsão de cura para que o Poder Público possa planejar, com base em números, a aquisição dos medicamentos por meio de licitações, evitando-se o desabastecimento de medicamentos. Também é necessário aprimorar o sistema de distribuição dos medicamentos a fim de que estejam disponíveis em todos os postos.
Por fim, acredito que seja necessária ainda uma reavaliação de protocolos clínicos de atendimento de algumas doenças, visando adotar alguns medicamentos que já vem sendo utilizados em larga escala pela população, que pode adquiri-los, e que não estão ainda disponíveis para a população mais pobre, que depende dos medicamentos distribuídos em postos de saúde. Um destes casos são as diabetes. Há insulinas que garantem melhor qualidade de vida para os pacientes que tem a doença há muitos anos e que apresentam diversas seqüelas por conta da doença, além de episódios de hipoglicemia que colocam em risco até a própria vida.
JC – A prática foi vencedora do Prêmio Innovare? Quando?
RF – Sim, a prática foi vencedora do Innovare, de 2009.