Propaganda eleitoral veiculada na internet_Aspectos polêmicos entre a utilização de Rádio, TV e Internet/Ciberespaço

30 de novembro de 2009

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Reflexão preliminar sobre a natureza físico-eletromagnética da Internet e virtual binária do Ciberespaço

Como disse Durkheim,[1]não se pode viver entre as coisas sem formular ideias a respeito delas,” por conseguinte, o homem regula sua conduta de acordo com tais ideias”. Alinhado com esse pensamento, impõe-se admitir que não se pode legislar no âmbito abstrato do ciberespaço sem antes compreender sua natureza, sua origem fenomênica virtual, sua abrangência, suas possibilidades, ameaças e desafios. Faz-se necessário, pois, que se tenha a correta noção do que seja Internet e ciberespaço. Enquanto este virtualiza-se como estrutura binária, aquele é físico, estando dessa forma possibilitado a reger-se por normas reguladoras das entidades de comunicações dos respectivos governos. Todavia, no que concerne ao ciberespaço, trata-se de uma estrutura lógico-matemática; a contrario-sensu, a Internet abrange tanto construções físicas quanto eletromagnéticas e lógico-matemáticas.[2]

Discorrendo mais amiúde sobre a abordagem acima descrita e, antes de adentrarmos na análise crítica do Projeto de Lei Eleitoral para as Eleições/2010 — no que concerne à propaganda eleitoral via Internet —, tal desafio normativo obriga-nos à seguinte reflexão e, consequentemente, a algumas considerações preliminares: não há porque equiparar a Web com as emissoras de Rádio e Televisão. Estas são concessões do Poder Público, estando, portanto, adstritas ao ordenamento jurídico de cada Estado-nação, enquanto o ciberespaço não pertence a nenhuma soberania, forma de Estado ou regime de governo. A Internet, formada de backbones, roteadores e fibras óticas, pode, de certa forma, estar sob a regulamentação inter-fronteiras, mas não o Ciberespaço, ambiente etéreo e abstrato. Este é construído com base na lógica booleana, matematizada em algoritmos, tendo natureza de hipertexto estruturado em bytes, fluindo através da Internet, mas também de outras tecnologias, tais como o celular, os pagers, os radioamadores, os satélites, ‘com’ ou ‘sem’ qualquer modalidade de controle na transmissão dos pacotes informativos, dependendo da mídia utilizada e do ponto de disseminação da informação. Outrossim, não se pode confundir o poder de monitoramento da parte física da Internet com a virtual. Um agente de ‘má-fé’ pode estar posicionado em território fora do país onde se realiza o pleito eleitoral e enviar todo e qualquer modelo de propaganda lícita ou ilícita sem mesmo ser visto ou alcançado pela soberania do país interessado no resultado ou punição, salvo se houver algum tipo de Acordo ou Convenção Internacional[3] entre ambos. Podem-se citar como exemplo os tipos de informações emanadas dos países sob regimes fechados a qualquer pensamento democrático em que, malgrado as proibições de cunho ditatorial, seus respectivos governos continuam sendo invadidos pela mídia virtual/ciberespacial, portanto de alcance planetário. Ora, não tendo o Ciberespaço qualquer tipo de proprietário, é de bom alvitre que funcione como instrumento de aplicabilidade da mais lídima solidariedade universal, onde venha a prevalecer a lei ‘moral natural’ que conceda à criatura humana, independente da sua realidade socioeconômico-cultural, discernir o que é o bem e o mal à luz da reta razão, bem como da justiça e da verdade, acima de qualquer tipo de força. Em face de ser um ambiente transnacional, sem fronteiras, ad infinitum, cenário de atuação inter-nações, a humanidade encontra-se diante de uma criação originária da mente humana, e, por conseguinte, de propriedade global. Deste modo, embora não estejamos tratando do espaço interplanetário ou cósmico, mas genuinamente do Ciberespaço, dever-se-á ter em “mira o bem e o interesse de todos os países, qualquer que seja o estágio de seu desenvolvimento econômico e científico”.[4] Assim sendo, ao sancionar a nova Lei Eleitoral, finalmente o Presidente da República vetou as restrições do Congresso Nacional no que concerne à propaganda eleitoral veiculada pela Internet/Ciberespaço.

Por derradeiro, ao pautar a presente reflexão no contexto em foco, pensamos que andou bem o Chefe do Executivo, terminando de uma vez por todas com a grande polêmica que se aflorou no cenário político nacional, bem como em outros matizes da sociedade, no que diz respeito à distinção entre Internet/Ciberespaço e emissoras de Rádio e TV, cuja normatividade desta é ilogicamente aplicável, em sua plenitude, àquela em virtude de não ocorrer nexo entre o ‘espaço’ abarcado por ambas.

A propaganda eleitoral através da Internet

Diz a lei no seu art. 57:

Art. 57-B. A propaganda eleitoral na Internet poderá ser realizada nas seguintes formas:

I – em sítio do candidato, com endereço eletrônico comunicado à Justiça Eleitoral e hospedado, direta ou indiretamente, em provedor de serviço de Internet estabelecido no País;

II – em sítio do partido ou da coligação, com endereço eletrônico comunicado à Justiça Eleitoral e hospedado, direta ou indiretamente, em provedor de serviço de Internet estabelecido no País;

III – por meio de mensagem eletrônica para endereços cadastrados gratuitamente pelo candidato, partido ou coligação;

IV – por meio de blogs, redes sociais, sítios de mensagens instantâneas e assemelhados de candidatos, partidos ou coligações ou de iniciativa de qualquer pessoa natural.

O art. 57-B regulamenta as possibilidades de divulgação de propaganda eleitoral na Internet. Como ponto de partida, é acertada a postura do legislador em determinar que os provedores dos sites do candidato e do partido ou coligação estejam estabelecidos no Brasil. Com vimos é a única possibilidade de se estabelecer controle sobre como origem e a autoria das mensagens via Internet. A segunda regra fundamental é a vinculação dos sítios,  blogs  e  redes sociais aos candidatos, partidos e coligações de modo a evitar a burla e permitir a identificação e posterior responsabilização dos infratores.

Art. 57-C. Na Internet, é vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga.

§ 1.o É vedada, ainda que gratuitamente, a veiculação de propaganda eleitoral na Internet, em sítios:

I – de pessoas jurídicas, com ou sem fins lucrativos;

II – oficiais ou hospedados por órgãos ou entidades da administração pública direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

§ 2.o A violação do disposto neste artigo sujeita o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário, à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais).

Esse dispositivo tem como destinatários as pessoas jurídicas, aí incluídas as empresas comerciais, associações civis de todos os tipos, Ongs e fundações, e sobretudo as entidades da administração pública nos três níveis de governo. O escopo da norma, também aqui, foi preservar o equilíbrio econômico e de oportunidades, de modo a evitar a promiscuidade gerada pela utilização de sites de órgãos e entidades ligados à Administração governamental. Além disso, proíbe a veiculação de qualquer propaganda eleitoral paga na Internet e, ainda que gratuita, em sítios de pessoa jurídica como também naqueles hospedados por órgãos ou entidades da administração pública direta ou indireta nas três esferas de governo.

Art. 57-D. Os conteúdos próprios das empresas de comunicação social e dos provedores de Internet devem observar o disposto no artigo 45.

§ 1.o É facultada às empresas de comunicação social e aos provedores a veiculação na Internet de debates sobre eleições, observado o disposto no art. 46.

§ 2.o A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário, a multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais).

A remissão ao art. 45 da Lei 9.504/97 volta a dar tratamento idêntico, confundindo Rádio, TV, Internet, e o que é pior, com o Ciberespaço, conceito este já abordado na fase preliminar da presente reflexão. Entretanto, no afã de melhor elucidar o presente texto normativo, retornaremos ao bojo de algumas considerações feitas anteriormente.

Ora, não se pode pretender legislar no âmbito do Ciberespaço sem que haja uma precisa compreensão estratégica de sua natureza ad infinitum, em relação a outras formas de comunicações, à origem do seu fenômeno virtual, bem como seus pontos fortes e pontos fracos, oportunidades e ameaças. Torna-se preciso, então, que se tenha a correta noção do que seja a diferenciação entre Internet (físico) e Ciberespaço (virtual), pois não se pode olvidar que o Ciberespaço tem estrutura lógico-matemática e que, a contrario-sensu, a Internet abrange tanto estruturas físicas quanto as de ondas eletromagnéticas,  embora envolva em seus canais comunicativos fluxos de informações encapsulados em pacotes binários (algoritmos), constatação esta que não ocorre no Ciberespaço, pois este é totalmente virtual; ou seja, seu ambiente é constantemente binário.

Agora veja: admitamos, apenas para ilustrar, que algum site seja ofensivo a determinado candidato, sendo este tirado do Ciberespaço em face de uma decisão judicial nacional. Ora, alguém possuído de ‘má-fé’ e rebeldia contra a punição poderá manter a mesma mensagem, através de sites alhures e esconder-se no anonimato. Se, porventura, for detectado pelo IP (Internet Protocol), haverá uma série de desdobramentos, quais sejam: a localização do computador; quem realmente estava mantendo seu uso no momento do ato ilícito; estando o agente em outro país, isto dependerá de Convenções ou Acordos Internacionais; enfim, uma gama enorme de aspectos outros que foge a nossa reflexão, mas que serve para vislumbrar a tamanha complexidade que se instala no mundo jurídico quando o tema é o Ciberespaço.

Voltando, pois, na ordem de raciocínio da lei em comento, já se pode concluir que estará fadado ao erro, quanto à natureza do fenômeno em tela, se ainda houver equiparação da Internet com outros meios comunicativos, os quais são tratados na legislação brasileira como de concessões públicas, tais como o Rádio e a Televisão, cujo âmbito e funcionamento diferem daquela e principalmente do Ciberespaço. Sem embargo, a reforma, portanto, andou bem ao liberar os portais na Web de seguirem as normas específicas de rádio e televisão para o certame entre candidatos aos cargos eletivos em 2010. Consequentemente, os sites poderão promover debates em áudio e vídeo sem a obrigatoriedade de convidar a totalidade de candidatos, bem como disponibilizar-lhes o mesmo espaço, a não ser que dois terços concordem com a composição de outras regras.

Art. 57-E. São vedadas às pessoas relacionadas no art. 24 a utilização, doação ou cessão de cadastro eletrônico de seus clientes, em favor de candidatos, partidos ou coligações.

§ 1.o É proibida a venda de cadastro de endereços eletrônicos.

§ 2.o A violação do disposto neste artigo sujeita o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário, à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais).

As pessoas indicadas no art. 24 são aquelas que por sua própria natureza e funções estão impedidas de fazer doações em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive publicidade. A proibição da venda de cadastros de endereços eletrônicos tem cunho ético, pois visa proteger a intimidade dos eleitores.

Art. 57-F. Aplicam-se ao provedor de conteúdo e de serviços multimídia que hospeda a divulgação da propaganda eleitoral de candidato, partido ou coligação, as penalidades previstas nesta Lei, se, em vinte e quatro horas após a notificação de decisão da Justiça Eleitoral sobre a existência de propaganda irregular, não tomar providências para a cessação dessa divulgação.

Esse é o ponto vulnerável da reforma, pois um agente de má-fé pode estar fora do país onde se realiza o pleito eleitoral e enviar todo tipo de propaganda, sem mesmo ser visto ou alcançado pela soberania do país interessado, salvo se houver algum tipo de Acordo ou Convenção Internacional (2) entre ambos. Vale lembrar que centenas de milhares de provedores não estão hospedados no país.

Art. 57-G. As mensagens eletrônicas enviadas por candidato, partido ou coligação, por qualquer meio, deverão dispor de mecanismo que permita seu descadastramento pelo destinatário, obrigado o remetente a providenciá-lo no prazo de quarenta e oito horas.

Parágrafo único – Mensagens eletrônicas enviadas após o término do prazo previsto no caput sujeitam os responsáveis ao pagamento de multa no valor de R$ 100,00 (cem reais), por mensagem.

O artigo supra tem por escopo resguardar o eleitor do abuso propagandístico dos candidatos, fato quase impossível de se evitar. Entretanto, caberá aos eleitores insatisfeitos pela eventual massificação de mensagens eletrônicas indesejáveis advindas de candidatos, partidos ou coligações, acionar mecanismo capaz de bloqueá-las a fim de impedir a sua recepção.

Art. 57-H. Sem prejuízo das demais sanções legais cabíveis, será punido, com multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais), quem realizar propaganda eleitoral na Internet, atribuindo indevidamente sua autoria a terceiro, inclusive a candidato, partido ou coligação.

Essa situação nos remete à critica ao art. 57-F, pois ali como aqui as dificuldades para identificar o verdadeiro autor da propaganda são imensas. Para não ser repetitivo, vale recordar que existem milhares de servidores não hospedados no país e, portanto, fora do alcance da jurisdição brasileira.

Art. 57-I. A requerimento de candidato, partido ou coligação, observado o rito previsto no art. 96, a Justiça Eleitoral poderá determinar a suspensão, por vinte e quatro horas, do acesso a todo conteúdo informativo dos sítios da Internet que deixarem de cumprir as disposições desta Lei.

§ 1.o A cada reiteração de conduta, será duplicado o período de suspensão.

§ 2.o No período de suspensão a que se refere este artigo, a empresa informará, a todos os usuários que tentarem acessar seus serviços, que se encontra temporariamente inoperante por desobediência à legislação eleitoral.

Sendo o texto acima muito genérico, entendo que caberá à Justiça Eleitoral julgar cada caso concreto, embora com muita cautela para não comprometer a livre manifestação do pensamento prevista na Constituição Federal.

Art. 58. (…)

§ 3.o (…)

IV – em propaganda eleitoral na Internet:

deferido o pedido, a divulgação da resposta dar-se-á no mesmo veículo, espaço, local, horário, página eletrônica, tamanho, caracteres e outros elementos de realce usados na ofensa, em até quarenta e oito horas após a entrega da mídia física com a resposta do ofendido;

b) a resposta ficará disponível para acesso pelos usuários do serviço de Internet por tempo não inferior ao dobro em que esteve disponível a mensagem considerada ofensiva;

c) os custos de veiculação da resposta correrão por conta do responsável pela propaganda original.

Em decorrência da facilidade e da rapidez com que as mensagens são divulgadas pela Internet, ensejando, por isso mesmo, a sua utilização para fins vedados pela legislação eleitoral, cumpre observar que nem todas as demandas por ela geradas serão da competência da justiça eleitoral. Assim, a ofensa divulgada por pessoa ou entidade que não tenha participação nas eleições contra pessoas que também não o tenham, estará sujeita à justiça comum e o conflito daí gerado será dirimido com a aplicação da Lei de Imprensa ou do Código Penal. Diversamente, se a ofensa for divulgada por candidato, após o início da campanha eleitoral, contra pessoa que não seja candidata ou entidade que não participe das eleições. Nesta hipótese, a ofensa irrogada por candidato, partido ou coligação, mesmo contra quem não tenha participação direta nas eleições, se tiver conotação eleitoral, ensejará reclamação junto à justiça especializada. De igual modo, invertendo-se os polos da relação, se a ofensa ou informação inverídica for divulgada por pessoa que não ostente a condição de candidato, contra candidato, partido ou coligação, o conflito será da competência desta justiça se a mensagem tiver conteúdo eleitoral.

Art. 58-A. Os pedidos de direito de resposta e as representações por propaganda eleitoral irregular em rádio, televisão e internet tramitarão preferencialmente em relação aos demais processos em curso na Justiça Eleitoral.

A preocupação com a celeridade é própria da natureza e do dinamismo do acesso à Internet, exigindo do juiz eleitoral um esforço hercúleo de modo a permitir o tratamento preferencial para os pedidos de direito de resposta e as representações por propaganda eleitoral. Caso contrário, teremos um cenário fértil para a proliferação de ilegalidades.


[1] DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. 13. ed.. São Paulo: Nacional, 1987.

[2] SILVA, Jorge Roberto Jeronymo. Direito digital e infoguerra: regulamentação do ciberespaço – realidade ou utopia?  Revista da Escola Superior de Guerra/ESG, no 47 pp. 135-154, 2007.

[3] Idem. Filosofia do direito e internet: óbices políticos, ideológicos e jurídicos a regulamentação do ciberespaço. Adcoas -Boletim Doutrina – no 3, pp. 77-80, de março de 2001.

[4] Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, Inclusive a Lua e demais Corpos Celestes, (art. 1o) aprovado pela Assembleia Geral da ONU, em 19 de dezembro de 1966, aberto à assinatura em 27 de janeiro de 1967, em vigor desde 10 de outubro de 1967. Possui 93 ratificações e 27 assinaturas. Este Tratado foi ratificado pelo Brasil.